Risco de pobreza é quase o triplo entre quem trabalha com contrato temporário
Risco de pobreza é mais elevado entre pessoas desempregadas, mas aquelas que têm trabalho não estão totalmente protegidas, especialmente se o contrato for temporário.
Não são só os desempregados que estão em risco de pobreza em Portugal. Entre quem trabalha, também há esse risco, sobretudo se estiverem em causa contratos de trabalho não permanentes. Para os trabalhadores com contratos temporários, o risco de pobreza é quase o triplo do vivido pelos trabalhadores com contratos sem prazo, de acordo com o estudo “Portugal, Balanço Social 2023”, que é divulgado esta quarta-feira.
“A taxa de risco de pobreza entre as pessoas que trabalham com contrato temporário é quase o triplo da registada entre quem tem contrato sem termo”, salienta o estudo da autoria da professora Susana Peralta, do investigador Bruno P. Carvalho e do investigador Miguel Fonseca.
Em concreto, entre quem tem contratos permanentes, a taxa de risco de pobreza foi de 7,4% em 2022, destacam os especialistas. Já entre quem tem contratos temporários a taxa foi de 20,6%.
“Os contratos temporários são mais mal pagos tipicamente. Depois, [essa discrepância] pode ser também devida a essas pessoas não terem trabalho durante todo o ano“, explica Susana Peralta, em declarações ao ECO.
A piorar este cenário está a constatação de que os contratos temporários são mais populares entre trabalhadores que, regra geral, estão numa posição mais frágil no mercado de trabalho, nomeadamente os mais jovens.
O estudo detalha que 52% dos trabalhadores com 18 a 24 anos têm contratos temporários. Em contraste, 24,4% dos trabalhadores com 25 a 34 anos estão nessa situação e só 11,8% do que têm 35 a 54 anos, como revela o gráfico abaixo.
Os contratos de trabalho temporário são mais frequentes, além disso, entre os trabalhadores com salários por hora mais baixos (22,1%), entre os trabalhadores com ensino secundário (18,7%), entre os estrangeiros residentes com origem não Europeia (38,5%) e entre quem cumpre menos de 35 horas por semana (37,4%).
Outro dado relevante relativo ao mercado de trabalho e à pobreza é a intensidade laboral, isto é, a percentagem de tempo total do ano em que os adultos entre 18 e 64 anos de um agregado estão a trabalhar.
Ora, a percentagem de pessoas em agregados pobres com muita baixa intensidade laboral (nos quais as pessoas adultas trabalham menos de 20% do tempo) era de 21,4% em 2022. Já para os agregados não pobres, “este valor diminui para 2,6%“, salientam os especialistas”.
Por outro lado, os autores do “Portugal, Balanço Social 2023” fazem questão também de chamar a atenção para a prevalência do trabalho remoto: este regime é mais frequente entre as pessoas que trabalham mais de 35 horas por semana semana (19,7%), entre os residentes sem nacionalidade Portuguesa e de origem noutros países da Europa (37,7%), nas pessoas com maior salário por hora (38,4%), com ensino superior (39,2%) e entre os jovens com idades entre 25 e 34 anos (19,7%).
“Em sentido contrário, os residentes estrangeiros de fora da Europa (15,2%), os trabalhadores que têm até o ensino básico (4,1%) e que têm salários por hora mais baixos (4,6%) afirmam menos frequentemente ter trabalhado maioritariamente a partir de casa“, sublinham os especialistas.
Em reação, a professora Susana Peralta afirma, em conversa com o ECO, que estes dados mostram que “nem toda a gente está a ter o mesmo acesso a estas novas formas de participação no mercado de trabalho“. Ou seja, que há “bastante desigualdade” também no acesso ao teletrabalho.
Inflação agrava insatisfação económica
Tanto entre a população pobre como a população não pobre, a insatisfação económica tem aumentado em reflexo dos níveis elevados de inflação, que têm marcado os últimos anos.
“A insatisfação económica é especialmente frequente na população pobreza, afetando quase dois terços dos indivíduos“, assinalam os especialistas.
E detalham que, entre esses indivíduos, aumentou a percentagem que não tem capacidade para aquecer a casa, para assegurar uma despesa inesperada, para pagar uma semana de férias, para comer proteínas em dias alternados, para substituir móveis usados, para comprar roupa, para encontros sociais uma vez por mês ou para adquirir um computador.
Ainda assim, não aumentou a percentagem de pessoas com atraso no pagamento da hipoteca ou de contas mensais, como água e eletricidade, mas isso pode ser resultado das medidas adotadas pelo Governo, admitem os autores.
Já entre a população não pobre, aumentou a prevalência do sobre-endividamento, é realçado no mesmo estudo.
No que diz respeito à desigualdade, os especialistas reconhecem que entre 2008 e 2020 houve uma diminuição, mas essa trajetória, entretanto, inverteu-se. Resultado: em 2023, os 25% mais ricos detinham cerca de 47% da riqueza do país, a comparar com os 25% mais pobres, que detinham apenas 10,8%.
É nas regiões autónomas que a prevalência da pobreza é maior e que a desigualdade é mais acentuada. A região com maior desigualdade foi mesmo os Açores, “que foi também aquela em que a desigualdade mais aumentou face ao ano anterior, seguida da Madeira e do Centro”.
Confrontado com esta evolução da desigualdade (em particular com inversão registado a partir de 2020), a professora Susana Peralta nota que a “boa notícia” da recuperação da economia pós pandemia, tem um outro lado: é que há indício de que o crescimento está a propiciar “mais oportunidades às pessoas de mais altos rendimentos”, o que é indutor, de alguma forma, de desigualdade.
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