Como quatro irmãos se complementaram para criar um gigante na cortiça

José, António, Américo e Joaquim Amorim assumiram nos anos 1950 as rédeas do negócio da cortiça, criado pelo avô em 1870. Com os quatro irmãos, a Corticeira agigantou-se e tornou-se líder global.

Corticeira Amorim plantou cerca de 200 mil sobreiros em 2023 e prevê plantar mais 250 mil em 2024

Conta com mais de 150 anos de história, mas foi sob a liderança de quatro irmãos da terceira geração da família que a Corticeira Amorim se tornou líder global na indústria de cortiça mundial. Com perfis e características que se complementavam, José, António, Américo e Joaquim Ferreira de Amorim transformaram a empresa iniciada pelo seu avô, António Alves Amorim, em 1870, num caso de sucesso mundial. Com a morte de António, esta semana, desaparece o último dos quatro irmãos que colocaram Portugal no pódio da cortiça.

De geração, em geração, a Corticeira Amorim tem prolongado aquele que é o legado empresarial da família e cuja criação remonta ao século XIX, quando o bisavô do atual líder da empresa, António Rios de Amorim, fundou a primeira fábrica de produção manual de rolhas de cortiça, no Cais de Vila Nova de Gaia. O negócio foi crescendo e a 11 de março de 1922 nascia, já pelas mãos da segunda geração Amorim, a primeira empresa do grupo: a Amorim & Irmãos. Nesta nova fase, a empresa ganha novo dinamismo e nos anos 30, a Amorim & Irmãos tornou-se na maior fábrica de rolhas do Norte de Portugal.

Mas, a grande transformação chegaria em meados do século, quando os quatro irmãos da terceira geração Amorim sobem ao palco. É no ano de 1953 que José, António, Américo e Joaquim Ferreira de Amorim assumem a liderança da empresa. Os quatro filhos homens de Albertina e de Américo Alves Amorim — há ainda quatro irmãs — dão início a um percurso de sucesso, que conduziu a Corticeira Amorim ao pódio mundial da cortiça.

Américo Amorim foi o líder desta geração e o visionário que conduziu a estratégia da empresa. José conhecia a cortiça como ninguém. A António cabia a responsabilidade de gerir a fábrica. O mais novo e mais curioso, Joaquim, era dos quatro o “comercial por excelência”. Saiba como cada um dos quatro irmãos influenciou e contribuiu para a transformação da Corticeira Amorim.

José, o senhor cortiça

José Ferreira Amorim era o irmão mais velho do clã Amorim. Ao mais velho dos oito filhos de Albertina e de Américo Alves Amorim cabia o aprovisionamento da matéria-prima da empresa de cortiça. Pelas palavras de António Ferreira Amorim, num artigo publicado no site da Corticeira Amorim, o irmão mais velho conhecia e sabia mais de cortiça e do montado do que ninguém.

Tal como os irmãos começou a trabalhar desde muito cedo. Os pais incutiam em todos os irmãos o sentido de responsabilidade e a importância do trabalho. José geria como ninguém as herdades de cortiça e, quando começou, aos 18 anos, viajava muitas vezes de madrugada para fazer os melhores negócios.

“Às vezes tinha de esperar dentro do carro que o sol nascesse e só parava quando o sol se punha. Sempre contou isto como se fosse uma coisa absolutamente normal: era assim que conseguia ver 10 ou 11 herdades num dia, enquanto os outros compradores só iam a três ou quatro. Chegava a regressar à pensão [onde viveu entre 1948 e 1958] às 10h da noite, para invariavelmente ouvir: ‘Oh senhor Amorim, já não tenho nada para comer, a hora de jantar acabou’. E lá lhe arranjavam umas sandes”, contou o neto, João Amorim, à revista Sábado, no verão de 2020.

Fazia, em média, 50 mil quilómetros por ano, mais de 130 por dia. Pelas palavras do neto, João, sabia que “orientar as herdades para garantir cortiça” sempre tinha sido aquilo que o avô mais gostara de fazer. Apesar da sua capacidade para garantir a melhor matéria-prima para o negócio da família, José acabaria por abandonar o grupo em 1987. A vontade do irmão, Américo Amorim, de levar a empresa para a bolsa e abrir capital foi o motivo da discórdia que culminou com a saída de José do grupo. A partir de então passou a gerir as suas três herdades – duas em Abrantes, uma em Coruche, o que fez até aos seus 85 anos.

Após a saída de José dos negócios da família, o grupo Amorim começou um período em que entrou em novos negócios, desde a banca, aos seguros, têxteis, pneus, hotéis, ou shoppings.

António garantia o controlo da fábrica

António Ferreira de Amorim

António Ferreira Amorim morreu esta quarta-feira. Deixou à frente da Corticeira Amorim o seu filho, também António (Rios de Amorim). A empresa foi a sua vida e, pelo menos, até aos 92 anos, ainda visitava a fábrica todos os dias — sábados e domingos incluídos. O terceiro dos oito irmãos e o segundo mais velho entre os rapazes começou a trabalhar no grupo da família em 1949, logo depois de fazer a tropa em Tavira, onde fora cabo. Mas já antes, com 14 anos, tinha tido um primeiro contacto com o negócio familiar, enquanto estudou no Colégio S. Luís em Espinho e na Escola Académica do Porto por “sentir curiosidade em saber o que se passava atrás das portas da Amorim & Irmãos”.

Dos quatro irmãos era o mais envolvido na fábrica, o homem de ação e que tratava todos os colaboradores pelo nome. “Gostei sempre de trabalhar na fábrica; gosto do ambiente da fábrica, junto dos trabalhadores fabris”, disse citado por um texto publicado no site da empresa. “Acompanhava todas as cargas e descargas; antigamente, os fardos de cortiça e de aparas eram pesados um a um e tomava-se nota dos pesos. Quem vendia e quem comprava anotava os pesos fardo a fardo e só depois é que eram levados para os armazéns, ou então carregados para exportar por Vila Nova de Gaia, Matosinhos ou por Lisboa.”

Num artigo publicado na Sábado, António Rios de Amorim lembrava que as visitas diárias do pai às fábricas tinham resultados concretos, dando o exemplo da construção do novo armazém de 12 mil metros quadrados — o anterior tinha quatro mil. “A ideia dele foi contestada porque era cara, até que ele disse: ‘Eu vou tratar disso.’ Juntou uma equipa e um advogado e comprou os terrenos. Sem esse armazém seria muito difícil manter o ritmo de crescimento que estávamos a ter e isso foi obra dele”, reconhece o CEO da Corticeira Amorim.

Foi sempre conhecido pelo respeito pelas pessoas. Cabia-lhe ainda o dom da organização, rigor e eficácia que permitiu sempre, dentro das empresas, a paz e a tranquilidade social, tão importante para a companhia.

No texto publicado pela Corticeira Amorim, por ocasião dos 150 anos, deixa uma mensagem inspirada na própria vida, na proximidade e no trato com as pessoas: “Não sou muito de dar conselhos; gosto de falar; gosto de ouvir; gosto que todos participem das decisões e que transmitam a sua opinião,” reforça. “Mas, se me permitem, dou apenas um conselho: os técnicos, os engenheiros e os economistas têm de ouvir e falar com quem está no terreno; é importante dar valor aos trabalhadores; gosto que eles falem e digam o que pensam. É importante dar-lhes atenção e ouvi-los.”

Américo Amorim: “Rei da Cortiça”, “self made man” ou criador de riquezas

Américo Amorim dispensa apresentações. Conhecido como “Rei da Cortiça”, “self made man” ou fazedor de impérios, foi o mais carismático dos quatro irmãos que lideraram a transformação do negócio da cortiça da família mais rica de Portugal. A sua visão estratégica e o seu carisma foram determinantes para colocar a empresa na liderança do setor a nível global.

Nascido a 21 de julho de 1934, faleceu a pouco dias de completar o seu 83º aniversário, era “figura pública” da família. Em maio de 1955 Henrique Amorim, tio dos irmãos Amorim, viaja de automóvel com os sobrinhos, por Espanha, França, Itália, Suíça, Holanda e Alemanha. Logo depois, Américo Amorim parte para Bordéus, no Sud Express. Até 1967 visita países da Europa e América Latina. Estas viagens permitiram a Américo Amorim abrir horizontes e ambicionava para o Grupo uma expansão além-fronteiras.

A sua visão de modernização permitiu à empresa apostar numa abertura internacional. Nas suas viagens compreende como nos EUA se acrescenta valor à cortiça com novos produtos. Em 1958 visita a Roménia e depois a União Soviética, numa primeira incursão à COMECON. Apercebe-se da forma como na Alemanha, EUA, França, Reino Unido ou Japão a cortiça, com exceção das rolhas, é importada em bruto e depois transformada em produtos, como aglomerados para isolamentos, revestimentos de paredes e pavimentos, ou em juntas para motores de variadas indústrias.

Com base neste conhecimento começa a conceber uma nova fábrica, cujo objetivo é aproveitar os 70% de desperdícios gerados pela Amorim & Irmãos no fabrico de rolhas. Em janeiro de 1963 nasce a Corticeira Amorim Indústria. Assim começa a verticalização do negócio da cortiça.

Amorim começa a comprar herdades no Alentejo, em 1972. Três anos depois, em pleno Verão Quente, são expropriados os três mil hectares de sobreiro que detinha no Alentejo. Mas em fevereiro de 1976 voltam “a comprar herdades no Alentejo a famílias que, em pânico, estavam dispostas a vender”.

Em 1977, com a ajuda do tio Henrique, que morre um ano mais tarde, sem descendentes, os irmãos Amorim passam a ser os únicos donos da Corticeira e a operar profundas remodelações na estrutura empresarial da Corticeira. Em 1978 é criada a Ipocork, destinada à produção de revestimentos em cortiça para pavimentos, área ainda pouco desenvolvida no país. Um investimento estratégico num setor em permanente atualização.

As décadas seguintes seriam de grande crescimento — Américo Amorim tirou partido de boas relações no Leste e em Cuba –, conduzindo a Corticeira Amorim à liderança na indústria da cortiça. Ainda que o empresário dissesse que enquanto outros países tinham petróleo, Portugal tinha cortiça, Américo Amorim também fez a sua própria exploração petrolífera, quando, em 2005, comprou a Galp, através de uma posição controlada pela Amorim Energia.

A banca foi outra das paixões, mas houve mais. Esteve na fundação da Telecel (hoje Vodafone), de bancos como o BCP ou BNC (absorvido pelo Banco Popular) ou o angolano BIC e firmou parcerias com grupos e empresários de todo o mundo. Pelo meio criou e vendeu empresas, deixando uma marca na economia portuguesa. “O homem sonha, a obra nasce”. E com Américo Amorim era muito provável nascer.

Joaquim, o conhecedor de mercados

Joaquim Amorim (1936– 2023).Corticeira Amorim

Joaquim Amorim, falecido no ano passado, era o mais novo dos irmãos Amorim. Esse facto deu-lhe uma liberdade da qual os irmãos mais velhos não beneficiaram. Mas foi essa liberdade — que usou para viajar e conhecer novos países — que o dotou de conhecimento de mercados, permitindo-lhe ajudar na internacionalização da empresa.

Em 1954, Joaquim Ferreira de Amorim, terminava o curso na Escola Comercial do Porto e era convidado por um cliente da Amorim & Irmãos, o francês Charles Duvicq et Fils, que tinha fábricas de cortiça, perto de Bayonne, para fazer um estágio. Recorda que “foi um grande estágio” onde “aprendeu muito”. “Acompanhava-o nas visitas a clientes, enquanto ele negociava. Aprendi muito sobre a cultura francesa, sobre a rolha”, recorda numa publicação da Corticeira em maio de 2020.

Na véspera do Natal de 1966, Joaquim Amorim regressa a Portugal e integra-se em pleno na empresa liderada pelo quarteto de irmãos. É um período que dedica ao conhecimento profundo da cortiça na sua origem: o Montado. No Alentejo, vai aprender com as pessoas, observando, ouvindo, e “contactando com este e com aquele”, visitando as fábricas do grupo em Portugal, descendo até Silves para mergulhar na indústria.

A partir de 1970, acompanhando a internacionalização do grupo, capitaliza o seu conhecimento internacional e assume uma vertente mais comercial, acompanhando as equipas comerciais em visita a clientes no estrangeiro. Saiu da Amorim Investimentos e Participações em 2013.

“Dos quatro irmãos eu era o mais pequeno, e como os outros estavam já dentro do grupo, eu era o mais livre” reconhece Joaquim Amorim, numa publicação no site da empresa. “Quando me pergunto o que fiz nestes 60 anos, lembro-me sempre do que dizia o meu irmão Américo — a primeira escola que temos é viajar e conhecer o mundo. E se conhecermos o mundo e soubermos adaptar-nos ao mundo, teremos sucesso. Tive essa felicidade de me adaptar ao mundo.”

Com 153 anos e uma presença mundial, dez unidades de preparação de matérias-primas e uma faturação próxima de mil milhões de euros, a Corticeira Amorim é hoje o maior grupo de transformação de cortiça do mundo. Um resultado para o qual foi determinante a liderança dos quatro irmãos, cada um com as suas competências.

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