Renúncias e indemnizações de gestoras públicas. O que une e separa os casos de Alexandra Reis e Cristina Dias?
A secretária de Estado da Mobilidade, Cristina Dias, e a ex-secretária de Estado do Tesouro, Alexandra Reis, receberam indemnizações de empresas públicas antes de serem convidadas para o Governo.
Alexandra Reis e Cristina Dias. Uma foi secretária de Estado do antigo Executivo socialista, a outra é secretária de Estado do Governo de Montenegro. Uma e outra viram a sua nomeação envolta em polémica, devido a indemnizações recebidas de empresas públicas antes de chegarem ao Governo. Enquanto no primeiro caso, que terminou com a demissão da governante três dias após ter sido noticiada a indemnização de 500 mil euros da TAP, houve uma questão de legalidade, no segundo, a secretária de Estado, que se sabe agora pediu para sair da CP e o pagamento de uma indemnização quando já sabia que ia para a AMT, mantém-se em funções, num caso do domínio moral.
Véspera de natal de 2022, no dia 24 de dezembro, o Correio da Manhã noticia que Alexandra Reis, recém convidada por Fernando Medina para a pasta de secretária de Estado do Tesouro, saiu da TAP, empresa onde o Governo injetou mais de três mil milhões de euros, com uma indemnização de meio milhão de euros. O então ministro das Finanças demorou apenas três dias a pedir a Alexandra Reis que apresentasse o seu pedido de demissão para preservar a “autoridade política” do Ministério, um pedido ao qual esta acedeu de imediato. No total, Alexandra Reis esteve no cargo 26 dias.
A ex-secretária de Estado do Tesouro entrou para a companhia aérea em 2017, chegando à comissão executiva em outubro de 2020. A 4 de fevereiro de 2022, a TAP comunicou ao mercado que Alexandra Reis apresentou a “renúncia ao cargo”. A 30 de junho, Alexandra Reis foi nomeada presidente da NAV por despacho do Ministério das Infraestruturas, liderado por Pedro Nuno Santos, cargo de onde saiu para assumir a secretaria de Estado do Tesouro no ministério de Fernando Medina, a 2 de dezembro do mesmo ano. No entanto, o nome de Alexandra Reis para liderar a NAV foi proposto apenas mês e meio após sair da companhia aérea.
O caso de Cristina Dias remonta a julho de 2015. A atual secretária de Estado da Mobilidade renunciou ao cargo na CP no dia 22 de julho de 2015 e a nomeação para a administração da Autoridade da Mobilidade e dos Transportes (AMT) ocorreu no dia seguinte. Saiu da CP com uma indemnização de 80 mil euros, um caso exposto a 19 de abril pelo Correio da Manhã. A atual governante foi então ganhar um salário e despesas de representação na ordem dos 13.440 euros por mês, quase o dobro dos 7.210 euros que recebia na CP, convidada pelo governo PSD/CDS-PP.
Numa primeira reação a esta notícia, o ministro da Presidência, António Leitão Amaro, defendeu no próprio dia que a governante recebeu a sua indemnização com base em 18 anos de trabalho na CP e que até se lhe aplicou “o mais baixo dos dois salários que poderia ser ponderado”, como técnica superior e não como administradora, cargo que exercia quando deixou a empresa.
Uma notícia avançada esta quinta-feira pelo jornal Público adianta que apesar de ter sido convidada para a administração do regulador dos transportes (AMT) pelo Governo de Pedro Passos Coelho, na carta de pedido de revogação de contrato por mútuo acordo dirigida ao então presidente da CP, Manuel Queiró, Cristina Dias pediu expressamente que lhe fosse atribuída uma indemnização “tendo em conta toda a carreira profissional na CP, bem como os cargos desempenhados”. A atual governante pediu que a operadora pública ferroviária considerasse “todos os anos de trabalho efetivo, desde 2 de Dezembro de 1992 a Julho de 2015”, para “efeitos de cálculo do valor de indemnização”.
Numa carta datada de 22 de Julho de 2015 – que é também o último dia de trabalho de Cristina Dias na CP – a então vice-presidente da empresa não refere em momento algum que a sua saída era motivada pelo convite para a AMT, ao contrário do que a própria afirmou publicamente na sequência da polémica levantada com a sua nomeação para o Governo, adianta o Público. No espaço de 24 horas, a então administradora da CP consegue formalizar a revogação do contrato de trabalho, obter o aval do conselho de administração, obter o cálculo da indemnização e dispensa do tempo de serviço para renúncia do contrato.
Questão moral vs legal
Tanto o antigo presidente da CP, como o antigo secretário de Estado Sérgio Monteiro negaram ter conhecimento que Cristina Dias ia para a AMT. Manuel Queiró negou, no Parlamento, no passado dia 29 de maio, ter tido conhecimento prévio da ida da então administradora para a AMT. O antigo responsável explicou ainda que a renúncia ao cargo de administradora da CP pedido por Cristina Dias e o pedido para integrar o plano de rescisões por mútuo acordo, já na qualidade de quadro da CP, são duas situações diferentes.
“Dizer que há transferência de um cargo de gestão pública para outro cargo de gestão pública não é verdade e põe-se aqui outro problema: […] não houve conhecimento antecipado [da ida para AMT]”, afirmou o antigo presidente do Conselho de Administração (PCA) da CP – Comboios de Portugal, no Parlamento.
No ponto de vista de Sérgio Monteiro, a renúncia de Cristina Dias ao cargo na CP no dia 22 de julho de 2015 e a nomeação para a AMT no dia seguinte é uma “situação normal”, porque aguardou pelos pareceres necessários da Comissão de Recrutamento e Seleção para a Administração Pública (CReSAP) e da Assembleia da República para o desempenho das funções e só depois pediu a sua renúncia.
O antigo secretário de Estado Sérgio Monteiro considerou ainda que o debate sobre a saída de Cristina Dias da CP para a AMT passou das questões da legalidade para as da ética, que “ficam no juízo de cada um”. “Julgo que já passamos das questões da legalidade para as questões de ética“, afirmou o antigo secretário de Estado das Infraestruturas, Transportes e Comunicações. O antigo governante acrescentou que as questões de ética “não são menos importantes”.
Julgo que já passamos das questões da legalidade para as questões de ética.
Pelo contrário, no caso de Alexandra Reis houve uma questão de legalidade. Num relatório publicado a 6 de março de 2023, a IGF – Inspeção-Geral de Finanças veio considerar “ilegal” a indemnização paga à ex-secretária de Estado, concluindo que a ex-administradora deveria devolver 450 mil euros dos 500 mil euros brutos pagos. Três meses após a decisão, a TAP comunicou a Alexandra Reis o valor a reembolsar e a ex-governante devolveu 266 mil euros da indemnização paga pela companhia aérea.
No caso de Cristina Dias não foi pedida nenhuma devolução, uma vez que não houve ilegalidade, ainda que a atual secretária de Estado tivesse conhecimento do novo cargo.
“Ato de má gestão”
O ex-diretor da EMEF Francisco Fortunato considerou que nenhuma norma foi cumprida na indemnização paga pela CP a Cristina Dias e que, na sua opinião, tratou-se de “um ato de má gestão lesivo do interesse público, feito à total revelia dos normativos existentes e da política de austeridade então aplicada pelo Governo à generalidade dos trabalhadores”, uma vez que a secretária de Estado não cumpria os requisitos para integrar o plano de rescisões por mútuo acordo.
Tal como aconteceu com Alexandra Reis, também o caso de Cristina Dias tem merecido críticas dos partidos da oposição. O PS pediu à CP – Comboios de Portugal e à Autoridade da Mobilidade e dos Transportes (AMT) que envie ao Parlamento documentos sobre a saída com indemnização de 80.000 euros da secretária de Estado Cristina Dias. “É necessário esclarecer se a Sra. Cristina Dias foi beneficiada em relação a outros funcionários em situações semelhantes, tanto em termos da rapidez do processo quanto do montante da indemnização“, justifica o PS no documento, sublinhando que “este esclarecimento é vital para garantir que não houve tratamento preferencial, salvaguardando a equidade e a justiça administrativa”.
Já Leitão Amaro referiu também que se trata de uma indemnização “igual a perto de 400 trabalhadores e dentro de um programa aberto durante quatro anos com regras aplicáveis a todos”. No ano passado, em fevereiro de 2023, após o primeiro relatório da IGF apontar para ilegalidades no acordo com a TAP, Luís Montenegro, atual chefe do Governo, não perdeu tempo a pedir responsabilidades ao então Governo: “Temos de saber quantas irregularidades foram cometidas, em quantos processos indemnizatórios, quem decidiu e aprovou esses processos e que tutelas políticas respondem politicamente por aquilo que foram essas decisões”.
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