Buscas de correio eletrónico pela AdC são compatíveis com direito europeu

Tribunal Constitucional julgou inconstitucional a busca e apreensão de mensagens de correio eletrónico em várias investigações realizadas pela Concorrência, comprometendo coimas de milhões de euros.

O recurso à busca e apreensão de mensagens de correio eletrónico por parte da Autoridade da Concorrência, em processos de investigação de práticas anticoncorrenciais, é compatível com o direito europeu, quando está em causa o direito de concorrência no espaço europeu, considera o Tribunal de Justiça da União Europeia. Esta leitura vem contrariar o acórdão do Tribunal Constitucional que, em dois momentos, considerou inconstitucional o acesso a emails por parte do regulador liderado por Nuno Cunha Rodrigues.

O Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão submeteu ao Tribunal de Justiça três questões prejudiciais no âmbito de três processos que opõem a IMI – Imagens Médicas Integradas S.A. (IMI), várias sociedades do grupo SIBS (SIBS) e a Synlabhealth II S.A. (Synlabhealth) à Autoridade da Concorrência (AdC), relativamente à legalidade da apreensão de mensagens de correio eletrónico de colaboradores das referidas sociedades, efetuada aquando de buscas realizadas nas suas instalações no âmbito das investigações conduzidas pela AdC.

No caso da IMI, a Concorrência acusa a empresa de ter participado num cartel em concursos públicos para a prestação de serviços de telerradiologia a hospitais e centros hospitalares, o que resultou numa multa de 1.139.200 euros.

No caso da SIBS, a gestora da rede Multibanco foi recentemente multada em em 13,9 milhões de euros — uma decisão que vai contestar — por abuso de posição dominante ao obrigar fintechs a contratarem os seus serviços de processamento para acederem à sua rede.

Já a investigação da Synlabhealth diz respeito a uma alegada prática anticoncorrencial, que consistia na troca de informação sensível entre concorrentes e na concertação no quadro da negociação de preços de testagem à COVID-I9, com as autoridades de saúde pública portuguesas.

Segundo um documento a que o ECO teve acesso, as operações de busca, recolha e apreensão em questão decorreram entre janeiro de 2021 e março de 2022, tendo sido apreendidos milhares de ficheiros informáticos, considerados relevantes para a investigação. Todas as sociedades citadas se opuseram a estas apreensões, alegando que eram ilegais e violavam o seu direito à confidencialidade da correspondência, além de não terem sido autorizadas pelo juiz de instrução. Em seguida, as sociedades impugnaram, no Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão, as decisões da AdC que indeferiam as suas oposições.

Numa análise a estes casos, as conclusões tiradas pela advogada-geral com o processo em mãos recomenda ao Tribunal de Justiça a responder ao Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão que, de acordo com o artigo 7.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, o direito ao respeito da vida privada e familiar não se opõe à legislação de um Estado‑Membro ao abrigo da qual, durante uma inspeção nas instalações de uma empresa, conduzida no quadro de uma investigação por violação do direito da concorrência da União, a autoridade nacional da concorrência procede à busca e à apreensão de mensagens de correio eletrónico cujo conteúdo está relacionado com o objeto da inspeção sem dispor de uma autorização judicial prévia.

O Tribunal Constitucional (TC) considerou, em dois acórdãos proferidos em junho do ano passado, que a regra que permite as buscas e apreen­sões de emails feitas pela Autoridade da Concorrência (AdC), apenas com base na autorização do Ministério Público e sem a intervenção de um juiz de instrução, é inconstitucional.

Relativamente a esta leitura, o Tribunal de Justiça salvaguarda que a importância que o objetivo de proteção de uma concorrência efetiva e não falseada no mercado interno reveste pode justificar uma ingerência, mesmo grave, no direito ao respeito pelas comunicações das sociedades, tendo também em conta que a ingerência pública pode ir mais além no caso de instalações ou de atividades profissionais ou comerciais. Além disso, hoje em dia, a correspondência eletrónica constitui uma das principais formas através das quais as empresas atuam.

As conclusões do Tribunal de Justiça sublinham ainda que os Estados‑Membros são, em princípio, livres de aplicar às ingerências decorrentes das referidas inspeções e apreensões as garantias constitucionais previstas na sua própria ordem jurídica, incluindo a necessidade de uma autorização judicial prévia, sob reserva do respeito pelo direito da União.

No entanto, no quadro das investigações por infrações ao direito da concorrência da União, a aplicação de garantias nacionais que asseguram um nível de proteção do direito fundamental ao respeito pela correspondência mais elevado do que o garantido pela Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia depende nomeadamente da questão de saber se essa aplicação pode prejudicar a eficácia da repressão das práticas anticoncorrenciais na União.

Assim, ainda que as regras relativas às condições de obtenção das provas e à sua utilização nos processos administrativos nacionais de aplicação do direito da concorrência da União sejam da competência dos Estados Membros, estes devem exercer essa competência no respeito pelo direito da União, estabelecendo regras que permitam às autoridades nacionais de concorrência investigar práticas anticoncorrenciais.

Tendo os acórdãos do Tribunal Constitucional o potencial de comprometer processos com coimas de milhões de euros, o Tribunal de Justiça refere que cabe ao Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão assegurar uma aplicação efetiva das regras de concorrência da União e que o seu desrespeito é punido. Por outro lado, os tribunais portugueses podem ser levados a não aplicar uma regra nacional que reconhece à interpretação adotada nos Acórdãos de 2023 um efeito retroativo que tem como consequência pôr em causa as coimas aplicadas às empresas em que a Autoridade da Concorrência concluiu que houve infrações do direito da concorrência da União.

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