Costa tenta resistir a uma “meia vitória” no Conselho Europeu. E Meloni pede mais

Especialistas ouvidos pelo ECO acreditam que proposta para divisão do mandato no Conselho Europeu é "pouco viável", reiteram confiança em Costa e rejeitam que Meloni tenha margem para negociar.

Foi uma proposta tirada da cartola do Partido Popular Europeu (PPE) que não agradou aos socialistas do S&D. Uma divisão a meias do mandato de presidente do Conselho Europeu entre os dois maiores grupos políticos, em Estrasburgo, seria uma “meia vitória” para António Costa, que já vinha a trilhar caminho para Bruxelas e que esperava ficar à frente do órgão que representa os 27 Estados-membros por, pelo menos, cinco anos, como acontece sempre.

Não me parece que seja uma luta interessante. É uma tentativa de o PPE vender caro um acordo com os socialistas”, simplifica Henrique Burnay. Poderá ser uma proposta sem pernas para andar, e que, se for avante, criaria “instabilidade política e não traria vantagens para a União Europeia”, antecipa o consultor de assuntos europeus e professor convidado no Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica Portuguesa. Isto porque a proposta prevê que, caso António Costa seja nomeado e fique à frente do Conselho Europeu, ficaria apenas por dois anos e meio. O que significaria que, em 2026 aconteceriam novas negociações, “e especulações”, sobre que líder social-democrata preencheria a segunda parte do mandato. “A menos que já se saiba quem seria”, propõe Burnay. O que poderá ser o caso.

A ideia de dividir a presidência do Conselho Europeu foi lançada pelo primeiro-ministro croata Andrej Plenković, sob o argumento de que na União Europeia existem atualmente 12 líderes que pertencem à família do PPE, enquanto os socialistas são representados apenas por quatro. Ainda assim, os sociais-democratas não estão à frente dos Governos em França (liberal), Alemanha e Espanha (socialistas) ou Itália (conservador), quatro países-chave para assegurar a eleição do presidente do Conselho Europeu. Embora tenham expectativas de que isso possa vir a mudar em 2027.

O timing do croata pode sugerir que a proposta nasceu “por interesse próprio”, indica Tiago Antunes, ex-secretário de Estado de Assuntos Europeus ao ECO. Mas isso só seria viável se o seu mandato, renovado em março passado, fosse interrompido, uma vez que o primeiro-ministro da Croácia terá o seu lugar assegurado, pelo menos, até 2028. Uma situação que poderia verificar-se com mais líderes europeus que estejam agora em plenas funções caso fossem chamados a preencher a segunda metade do mandato no Conselho Europeu. “Pouco conveniente”, diz Burnay.

Não sendo ainda claro quem poderia suceder a António Costa na presidência do Conselho Europeu, torna-se difícil que a proposta seja adotada na próxima e última reunião entre os líderes europeus a 27 de junho, depois de, no primeiro encontro informal, em Bruxelas, não ter sido possível chegar a acordo. Olaf Scholz e Pedro Sánchez, os principais negociadores dos socialistas, estarão encarregues de que isso não acontece.

Chanceler alemão Olaf Scholz (à direita), o primeiro-ministro espanhol Pedro Sanchez (à esquerda) e o primeiro-ministro português António Costa (à direita) conversam na varanda da Chancelaria em Berlim, Alemanha, a 14 de outubro de 2022.EPA/JOHN MACDOUGALL / POOL

Vejo pouco caminho para a proposta fazer vencimento. É desequilibrada”, considera o socialista Tiago Antunes, argumentando que, caso se concretize, significaria que o PPE ficaria com quatro mandatos nos cargos de topo da União Europeia: Um de cinco anos, renovável, metade da presidência do Parlamento Europeu e outra metade no Conselho Europeu, “enquanto o S&D ficaria apenas com dois”, conclui o ex-secretário de Estado dos Assuntos Europeus.

No entanto, os resultados das eleições dão ao PPE alguma margem para fazer exigências. A família política do PSD e do CDS foi a grande vencedora das eleições europeias de 9 de junho, tendo conseguido assegurar 190 mandatos no Parlamento Europeu (mais 14 face a 2019). Enquanto os socialistas perderam três eurodeputados para 136.

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Tudo bem que ganharam as eleições, mas não foi pelo dobro. A proposta não faz sentido”, remata Tiago Antunes, que pertenceu ao Governo de António Costa.

Não é viável que venha a acontecer”, corrobora o politólogo José Filipe Pinto, relembrando que nesta fase do diálogo os grupos políticos estão focados em “regatear” face o resultado das eleições, recordando o resultado do processo negocial em 2019. “Foi uma ronda de 24 horas. Quando os líderes saíram da sala, estavam completamente de rastos”, relembra.

Até 27 de junho ainda está tudo em aberto, mas não se esperam grandes surpresas para o quarteto já proposto, à semelhança do que aconteceu em 2019: Ursula von der Leyen para a Comissão Europeia, António Costa para o Conselho Europeu, Kaja Kallas para a alta representante da União Europeia para a política externa e Roberta Metsola para os primeiros dois anos e meio à frente do Parlamento Europeu – a única instituição em Bruxelas cujo mandato é dividido pelos dois maiores grupos políticos. A segunda metade ficará nas mãos dos socialistas. Assim, espera-se que a lógica se mantenha na próxima legislatura.

“Até 2019, o critério era: quem presidia a Comissão era o partido que tinha tido mais votos nas eleições para o Parlamento. Por sua vez, presidia o Conselho Europeu o grupo político com mais chefes do Governo e o Parlamento era dividido entre os dois maiores grupos”, recorda Henrique Burnay. Mas isso mudou com as eleições anteriores, altura em que os liberais foram chamados a participar no processo e lhes foi atribuída a presidência do Conselho Europeu, hoje ocupada pelo belga Charles Michel, considerado por José Filipe Pinto como alguém com “franco peso político”, ao contrário do “europeísta convicto, quase federalista”, António Costa.

Conselho Europeu com António Guterres - 23MAR23
Charles Michel (à esquerda) e António Costa (à direita)European Union

Muito dificilmente António Costa deixará de ser eleito porque cumpre com vários critérios que são pedidos aos candidatos à presidência do Conselho Europeu”, explica o politólogo e professor catedrático de Relações Internacionais na Universidade Lusófona, referindo que a paridade, origem geográfica e orientação política continuam a ser fatores determinantes. “Os socialistas não vão aceitar dividir o mandato com o PPE, que, apesar de ser a maior força, está longe de ser maioritária”, diz José Filipe Pinto.

Assim, o ex-primeiro-ministro português poderá chegar mesmo a Bruxelas. O próprio pediu que se deixasse “o Conselho Europeu trabalhar“, afastando qualquer preocupação quanto ao decorrer das conversas.

No Conselho [Europeu] é fácil chegar a acordo. Há uma maioria mais do que suficiente para que António Costa seja aprovado”, garante Henrique Burnay, relembrando que nesta situação nem os votos da extrema-direita serão postos em causa, ao contrário do que se está a passar com a reeleição de Von der Leyen para a presidência da Comissão Europeia. “Nenhum socialista diz que Costa não quer os votos de Viktor Orbán, que já concordou, ou de Meloni”, sublinha o consultor europeu.

Exigências de Meloni sobem de tom

O primeiro encontro entre os líderes não contou apenas com uma proposta surpresa dos sociais-democratas. Também houve mal-estar da primeira-ministra italiana e líder dos Conservadores e Reformistas Europeus (ECR), que, após ter saído vitoriosa nas eleições europeias em Itália, viu-se excluída das conversações para os cargos de topo. A italiana criticou o método levado a cabo pelos três principais grupos políticos que, ao invés de analisarem, primeiro, o resultado das eleições — que revelaram uma subida da direita, sobretudo dos grupos mais extremados –, colocaram em cima da mesa os quatro nomes propostos para os cargos de topo.

“O método está errado. Não vou aceitar este pacote de nomeações pré-definidas. As soluções discutidas não foram abordadas entre todos. Mas, acima de tudo, faz pouco sentido que se fale em nomes antes de se analisar os votos”, cita o Corriere Roma as declarações de Georgia Meloni após o encontro de 17 de junho. “Penso que aqueles que estão a tentar fazer este acordo tentaram apressar-se porque se aperceberam que poderia ser um acordo frágil“, cita também o Politico as palavras da governante.

Giorgia Meloni, primeira-ministra de ItáliaEuropean Union

Para a primeira-ministra italiana, o ECR tem o direito de se sentar à mesa das negociações, e, perante o possibilidade de o grupo se manter como a terceira força política no Parlamento Europeu (as negociações para a formação dos grupos vão continuar até ao dia 4 de julho), o cargo de alta representante da UE para a política externa cai sobre o colo dos conservadores. Afinal, os cargos de topo são distribuídos pelos três maiores grupos políticos. Mas isso não se deverá suceder.

“As negociações estão a decorrer e os números não estão estabilizados. Mas mesmo que haja uma inversão da ordem, e o ECR passe a ser a terceira força política, os termos da negociação não vão mudar porque há uma maioria no Parlamento de partidos pró-europeus. Se o ECR for incluído nas conversas, essa maioria deixaria de existir, porque o S&D deixaria de querer fazer parte dela”, explica Tiago Antunes.

“Neste momento, não é relevante quais foram os partidos que subiram ou desceram mas sim onde está a maioria. Há uma maioria entre PPE, S&D e liberais. Uma maioria entre PPE, S&D e ECR não existe”, sublinha o ex-secretário de Estado dos Assuntos Europeus. Ou seja, um candidato conservador (possivelmente Elisabetta Belloni, chefe dos serviços secretos italianos) ao cargo de alto representante nunca seria viabilizado, mesmo que Von der Leyen procure votos do PPE para ajudar Meloni nessa missão.

As três maiores famílias [PPE, S&D e liberais] não precisam de negociar com o ECR para conseguir a eleição de todos os cargos. Conseguem fazê-lo entre eles”, explica José Filipe Pinto. “Mesmo que o ECR se mantenha como terceira força política, não é garantido que o PPE e o S&D negociem com o ECR porque, ideologicamente, estão mais próximos dos liberais”, diz.

Perante as fracas chances de conseguir um lugar na mesa dos cargos de topo, Meloni explora as suas opções. Citando fontes próximas de Itália, o Politico aponta que a primeira-ministra italiana está de olho nas pastas de maior relevo na Comissão Europeia, como a da Economia (atualmente a cargo de Paolo Gentiloni) ou até mesmo uma das três vice-presidências do executivo comunitário. Raffaele Fitto, ministro dos Negócios Estrangeiros, é um dos nomes apontados.

Mas, neste momento, “é tudo provisório”. E assim continuará a ser até 27 de junho, dia do Conselho Europeu, e até 4 de julho, altura em que terminam as negociações para a formação dos grupos políticos para o Parlamento Europeu. No dia 16 de julho, os 720 eurodeputados tomarão posse.

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