Exclusivo “A melhor solução para a estabilidade na EDP era eu sair”, diz ex-chairman Talone

Três meses depois de sair da EDP, João Talone falou ao ECO sobre a opção de não aceitar novo mandato. As relações entre acionistas eram "equilíbrios instáveis" e tinham de "ser geridas com pinças".

“A ideia era tentar agradar a gregos e troianos, a culpa foi minha, não consegui”. Três meses depois de deixar de ser chairman da EDP EDP 0,37% , João Talone falou pela primeira vez, e em exclusivo ao ECO, sobre as razões que o levaram a optar por não aceitar um novo mandato na energética.

Confirmou que tentou encontrar uma solução para acomodar o interesse dos acionistas institucionais em ter mais independentes no Conselho Geral e de Supervisão (CGS), com a diminuição da representação dos acionistas estratégicos, interesse com o qual concordava, mas não conseguiu e para assegurar a estabilidade optou por sair.

“Eu não falo sobre as empresas de onde saí”, começou por dizer, mas sublinhou que “vocês [imprensa] puseram de uma forma correta, e não foi por mim porque eu não falei com ninguém, aquilo que aconteceu antes da minha saída da EDP”.

A 4 de janeiro o ECO noticiou que o gestor defendia alterações ao modelo de governação da EDP e, particularmente, a redução do número de representantes da China Three Gorges e do grupo Masaveu neste órgão de fiscalização, mas não obteve resposta e por isso comunicou formalmente, através da CMVM a 2 de janeiro, que não estava disponível para fazer um segundo mandato.

O racional por trás da indisponibilidade de Talone para continuar no cargo ficou expressa no relatório do CGS para 2023, citado pelo Jornal Económico a 17 de abril, já depois de ser sucedido por António Lobo Xavier na presidência desse board.

Esse relatório sublinhava a importância de o Conselho manter uma trajetória crescente da percentagem de membros independentes e de a sua dimensão total ser adequada para garantir que as decisões são tomadas de forma justa e equilibrada.

Questionado pelo ECO, à margem de um almoço-debate organizado pela Associação Cristã de Empresários e Gestores (ACEGE), sobre o desafio de lidar com a relação entre os diversos acionistas da energética, Talone frisou que “é preciso ser gerida com pinças”.

“Manter os equilíbrios, que são equilíbrios instáveis, em equilíbrio, sempre na defesa dos interesses da empresa,” acrescentou. “Os interesses da empresa e de todos os seus stakeholders têm de estar à frente de tudo“.

João Talone salientou que a ideia de maior equilíbrio no board “vinha de uma manifestação dos próprios acionistas institucionais“.

Principalmente os acionistas norte-americanos como a BlackRock ou a Canada Pension Plan Investment Board? “Não, de todo o mundo, inclusivamente da Ásia também, fundos soberanos, portanto a ideia [de mais equilíbrio no board] não nasce da minha cabeça, vem de um conjunto”.

“Tentei tudo para fazer a ponte”

Na palestra aos associados da ACEGE, João Talone recordou que a saída da EDP este ano não foi a primeira vez que deixou a empresa. Em 2003 foi nomeado CEO, “num período que foi difícil, em que acabara de ser consagrada a liberalização do mercado, e era importante transformar uma empresa que fazia parte do Estado, que era monopolista, numa empresa dinâmica, flexível, ambiciosa e combativa, para ganhar lugar entre os gigantes”.

Talone frisou que teve a oportunidade, nesse período de três anos, de pôr em prática muitas das coisas que aprendeu nos 15 anos na equipa de gestão no BCP, sob a batuta de Jorge Jardim Gonçalves.

“Fizemos coisas loucas, não vou entrar em detalhes, mas coisas que as pessoas nem acreditavam que estávamos a fazer e de facto conseguiu-se iniciar que se fizesse a mudança na empresa e depois foi consagrado pelo meu sucessor [António Mexia], transformando a empresa numa multinacional, é a única multinacional portuguesa, trabalha em quatro continentes, tem cerca de 13 mil pessoas, mais de metade da sua faturação fora da Península Ibérica”, referiu.

Quando saí da EDP a primeira vez estava outra vez incomodado, a ser sujeito a pressões políticas a dizerem vai por aqui, vai por acolá e não aguento isso muito tempo, até que chegou uma altura em que pus, a 2 de janeiro de 2004, cá fora uma carta através da CMVM a dizer que não faria novo mandato.

João Talone

Ex-CEO e chairman da EDP

O gestor recordou, no entanto, que assumiu bastante cedo que iria cumprir apenas um mandato. “Quando saí da EDP a primeira vez estava outra vez incomodado, a ser sujeito a pressões políticas a dizerem vai por aqui, vai por acolá e não aguento isso muito tempo, até que chegou uma altura em que pus, a 2 de janeiro de 2004, cá fora uma carta através da CMVM a dizer que não faria novo mandato”.

O convite para voltar à empresa em 2021, agora na posição de chairman, foi “inesperado” e resultou “numa experiência fantástica porque é uma posição totalmente diferente da posição executiva”.

Fez logo um acordo com Miguel Stilwell de Andrade para que fosse apenas “a cara e o nome do CEO a aparecer nos jornais e em público, mesmo com os acionistas” deixando para o chairman “a relação com os acionistas na área do governance“.

A área do governance, por definição, tem de ser o chairman a fazer e a falar com os acionistas“, referiu, antes de explicar como essa área resultou na segunda saída da energética.

Quando vi que estava a ser usado e que estavam a protelar a situação para chegar a uma altura em que eu já estava amarrado ao segundo mandato, porque já não havia tempo para encontrar um novo ‘chairman’, nessa altura falei com eles e disse ou tenho uma solução, não tem que ser a minha, mas tem que se aproximar do que os institucionais pediram até ao final do ano, ou no dia 2 de janeiro ponho cá fora uma carta na CMVM a dizer que não faço um segundo mandato.

João Talone

Ex-CEO e chairman da EDP

“No fim voltou a acontecer a mesma coisa. Ou seja, seis meses antes de terminar o mandato tive pressão, e eu concordava com ela, dos acionistas institucionais para mudar a composição e o desenho do governance“, afirmou.

“E os acionistas institucionais tinham tanto ou mais posição acionista do que os acionistas estratégicos, cerca de 30% versus 26%, e estavam sub-representados no board“, sublinhou.

Talone revelou que “tentou tudo” para fazer a ponte entre os acionistas estratégicos e os institucionais. “Quando vi que estava a ser usado e que estavam a protelar a situação para chegar a uma altura em que eu já estava amarrado ao segundo mandato, porque já não havia tempo para encontrar um novo chairman, nessa altura eu falei com eles e disse ou tenho uma solução, não tem que ser a minha, mas tem que se aproximar do que os institucionais pediram até ao final do ano, ou no dia 2 de janeiro ponho cá fora uma carta na CMVM a dizer que não faço um segundo mandato”.

E assim aconteceu. “No dia 2 de janeiro pus cá fora uma carta a dizer que não fazia segundo mandato”, recordou.

A estabilidade da empresa era fundamental e por isso a melhor solução para a estabilidade era eu sair“, vincou Talone ao ECO no final do evento.

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