BCE faz ponte para voltar a baixar juros em setembro

Taxa dos depósitos da Zona Euro deverá permanecer em 3,75%, com o BCE a abrir caminho para uma redução de 25 pontos base na reunião de setembro devido aos progressos alcançados na descida da inflação.

Depois de ter anunciado em junho a primeira redução de juros na Zona Euro em quase cinco anos, o Banco Central Europeu (BCE) vai esta quinta-feira efetuar uma pausa que deverá servir de ponte para uma nova descida em setembro, altura em que a autoridade monetária deverá ter mais dados ao dispor que validem a trajetória da inflação em direção à ambicionada meta dos 2%.

O Comité de Política Monetária do BCE deverá assim anunciar (13:15 hora de Lisboa) a manutenção da taxa dos depósitos em 3,75%. A taxa de juro aplicável às operações principais de refinanciamento e as taxas de juro aplicáveis à facilidade permanente de cedência de liquidez devem permanecer em 4,25% e 4,50%, respetivamente.

Depois do corte de 25 pontos base a 6 de junho, chegou a estar em cima da mesa uma nova descida na reunião desta quinta-feira, sendo que vários membros do Conselho do BCE (incluindo o português Mário Centeno) efetuaram declarações que mantiveram viva esta possibilidade. Contudo, outros responsáveis do BCE mostraram-se algo desconfortáveis com a descida de juros numa altura em que a inflação continua elevada e os salários sobem a um ritmo que gera apreensão.

Os dados da inflação de junho acabaram por “matar” definitivamente este cenário de corte seguido de juros. O ritmo de crescimento anual do índice de preços no consumidor (IPC) da Zona Euro até desceu uma décima em junho para 2,5%, mas a inflação subjacente, que exclui alimentos e energia, permaneceu inesperadamente em 2,9%. Mais preocupante foi a evolução dos preços dos serviços, que está a revelar-se bem mais persistente do que o esperado. A inflação neste segmento atingiu 4,1% em junho, igualando o registo de maio, mês em que tinha aumentado quatro décimas.

A inflação nos serviços não registou qualquer alívio mensal em 2024, o que reforça a necessidade de o BCE manter uma postura cautelosa e vigilante, até que os sinais de desinflação sejam mais evidentes.

A pausa até à reunião de 12 de setembro será a maior desde a pandemia, sendo que neste período o BCE terá mais dois meses de inflação na Zona Euro (julho e agosto) para avaliar.

Na frente da atividade económica, os últimos indicadores têm sido favoráveis ao alívio da política monetária, uma vez que sinalizam um abrandamento. Os indicadores avançados PMI apontam para uma forte travagem em junho, com a evolução ainda forte do setor dos serviços a ser insuficiente para compensar o regresso da indústria a terreno negativo. Os dados do PIB do segundo trimestre, que serão publicados no final deste mês, deverão confirmar esta travagem da economia da Zona Euro.

Lagarde não repete compromisso de corte

Na reunião de 11 de abril, Christine Lagarde foi inesperadamente explícita a indicar que os juros iriam descer a 6 de junho, colocando o BCE no pelotão da frente no ciclo de alívio da política monetária a nível global. A comunicação não caiu bem junto de vários responsáveis do Conselho do BCE e, desta vez, a presidente do banco central não deverá repetir o que muitos consideram ter sido um erro por reduzir a margem de manobra do BCE.

Nas declarações que efetuou no Fórum anula do BCE, que decorreu no início deste mês em Sintra, Lagarde “escondeu o jogo” sobre os próximos movimentos das taxas de juro, salientando que “não iremos descansar até que o jogo esteja vencido e a inflação volte a 2%”.

Na conferência de imprensa que decorre esta quinta-feira após o anúncio das decisões do Conselho do BCE, a presidente da autoridade monetária da Zona Euro deverá repetir esta retórica, assinalando os progressos no combate à inflação ao mesmo tempo que chama atenção para a incerteza elevada que ainda persiste. Ou seja, sem assumir um compromisso firme com a decisão a adotar em setembro, deixará o caminho aberto para novo corte dentro de dois meses.

Na atual conjuntura, seria prematuro, para não dizer irresponsável, que o BCE fornecesse qualquer orientação futura para a reunião de setembro e depois disso”, assinala Carsten Brzeski, acrescentando que o BCE “terá de encontrar um equilíbrio entre potenciais danos à reputação e preocupações crescentes sobre uma previsão de inflação demasiado otimista”.

O economista-chefe do ING salienta que “o enfraquecimento da dinâmica da atividade económica, a inflação doméstica teimosamente elevada e o risco de um crescimento elevado nos salários não são uma combinação para celebrar”. Brzeski lembra que “este não é, ainda, um ciclo típico de reduções de taxas de juro”, que no passado “foram sempre desencadeadas por recessões ou crises”, pelo que desta vez o “BCE não estará em piloto automático”.

O “BCE parece confiante de que a inflação vai regressar à meta antes do final de 2025, mas necessita de uma convicção mais forte de que o crescimento dos preços e dos salários está a inverter antes voltar a descer os juros”, refere o Deutsche Bank, prevendo por isso que o BCE evite dar uma orientação explícita sobre o rumo da política monetária. “O BCE não quer comprometer-se sobre quando e quanto irá cortar os juros. Quer ser liderado pelos dados”, reforçam os economistas do banco alemão numa nota enviada aos seus clientes.

“O crescimento forte dos salários e da inflação subjacente reforça os argumentos para o BCE agir com cautela”, refere Jack Allen-Reynolds. “Continuamos a pensar que haverá novo corte de juros em setembro, mas ainda não é garantido”, salienta o economista da Capital Economics.

Na atual conjuntura, seria prematuro, para não dizer irresponsável, que o BCE fornecesse qualquer orientação futura para a reunião de setembro e depois disso. O BCE terá de encontrar um equilíbrio entre potenciais danos à reputação e preocupações crescentes sobre uma previsão de inflação demasiado otimista.

Carsten Brzeski, economista-chefe do ING

Três razões para cortar em setembro

As expectativas dos mercados e da generalidade dos economistas também apontam para o cenário de redução do grau de restritividade da política monetária no final do verão. É o caso do Goldman Sachs, que da reunião de hoje aguarda uma “ponte para setembro” devido aos progressos na inflação, crescimento económico mais baixo e evolução favorável nos salários. Os economistas do banco de investimento norte-americano enumeram três razões para considerar provável a descida de juros em setembro:

  • O crescimento do PIB no segundo trimestre deverá ficar aquém dos 0,4% estimados pelo staff do BCE nas projeções de junho. O Goldman Sachs mantém a projeção de crescimento de 0,3% na Zona Euro entre abril e junho, mas vê riscos de uma evolução mais fraca devido à debilidade recente da indústria alemã.
  • Os analistas do banco de investimento estimam um abrandamento no crescimento dos salários no segundo trimestre, tendo em conta que a aceleração que se verificou no primeiro trimestre foi motivada por pagamentos extraordinários e reflexo das negociações referentes a períodos anteriores.
  • Existe um apoio mais abrangente para um novo corte de juros tendo em conta os progressos alcançados na inflação. Além disso, o staff do BCE deverá rever em baixa a projeção para a inflação e a 12 de setembro o banco central já terá mais indicações de que também a Fed vai iniciar o ciclo de corte de taxas de juro em setembro (dia 18).

O BCE parece confiante de que a inflação vai regressar à meta antes do final de 2025, mas necessita de uma convicção mais forte de que o crescimento os preços e dos salários está a inverter. O BCE não quer comprometer-se sobre quando e quanto irá cortar os juros. Quer ser liderado pelos dados.

Deutsche Bank

Uma descida por trimestre

Se a descida de juros em setembro é vista como muito provável pelos economistas, a trajetória posterior é mais incerta e dependerá sobretudo da evolução da inflação.

Uma sondagem da Bloomberg junto de vários especialistas aponta para um corte de 25 pontos base por trimestre, com o BCE a utilizar as reuniões em que atualiza as projeções económicas para aliviar a política monetária até a taxa dos depósitos atingir 2,5% num ano.

A confirmar-se, o BCE voltaria a descer os juros em dezembro, com a taxa dos depósitos a fechar o ano em 3,25%. Os restantes 75 pontos base seriam reduzidos em março, junho e setembro do próximo ano. A sondagem da Reuters aponta um caminho semelhante para os juros da Zona Euro ao longo do próximo ano.

O Goldman Sachs espera um progresso adicional da inflação após setembro, com o indicador subjacente a fechar o ano nos 2,6%. Mantém por isso a previsão de um terceiro corte de juros em dezembro, seguido de reduções trimestrais de 25 pontos base até uma taxa terminal de 2,25% no final de 2025.

Apesar de salientar que o corte de juros em setembro “não é um negócio fechado”, o Deutsche Bank também tem uma previsão de mais duas reduções este ano. O banco alemão aponta para uma taxa terminal entre 2% e 2,5%, que será alcançada no final de 2025 ou início de 2026.

A Capital Economics aponta igualmente a decidas de 25 pontos base por trimestre até aos 2,5%. Alerta, contudo, que tendo em conta o “regresso da economia ao crescimento e a força contínua da inflação subjacente, os riscos estão direcionados para a trajetória futura das taxas de juro acima da nossa previsão”.

Embora as perspetivas para a evolução da política monetária sejam o principal foco da reunião do BCE desta quinta-feira, a instabilidade política em França e a vitória mais provável de Donald Trump nas eleições de 5 de novembro também serão tema da conferência de imprensa.

Lagarde deverá repetir que o BCE está vigilante com o aumento do risco da dívida francesa, embora descartando uma intervenção do banco central. Sobre as eleições nos EUA, a presidente do BCE não deverá esconder o desconforto com o regresso do Republicano à Casa Branca.

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