Governo e PS admitem negociar IRC mas há linhas vermelhas insanáveis
Os socialistas desafiam o Executivo "a repensar a estratégia" fiscal, mas Montenegro não abdica de governar com o seu programa, "o único em vigor", e acusou "o PS de se agarrar às costas do Chega".
O debate do Estado da Nação, o primeiro de Luís Montenegro, que decorreu esta quarta-feira, no Parlamento, foi o tiro de partido para as negociações do Orçamento do Estado para 2025 (OE2025) com os partidos que têm já reuniões marcadas para sexta-feira com o Governo. A coordenadora do BE, Mariana Mortágua, ironizou até que este seria um trailer do que se assistirá no Orçamento.
O PS cedeu um pouco no braço de ferro com o Executivo ao admitir negociar o IRC, uma linha vermelha, mas avisou que “o Governo não tem de pedir lealdade ao Parlamento, antes presta contas ao Parlamento”, salientou o secretário-geral do PS, Pedro Nuno Santos. O primeiro-ministro concede sentar-se à mesa com os socialistas, mas avisou que não abdica de governar com o seu programa, “o único em vigor”. No contra-ataque, Pedro Nuno Santos alertou que “é praticamente impossível o PS viabilizar um orçamento que seja uma tradução exclusiva de um programa de Governo” que não tem o apoio do seu partido.
O primeiro-ministro repetiu ao longo de todo o debate a expressão “palavra dada, palavra honrada”, quando elencava o conjunto de medidas que já tinham sido aprovadas pelo Executivo nos seus primeiros 100 dias de governação, mas sem levantar a ponta do véu sobre o OE para 2025.
A grande novidade veio do PS, um dos partidos que o primeiro-ministro, Luís Montenegro, quer que viabilize o documento. Pela voz do seu secretário-geral, Pedro Nuno Santos – mandatado esta semana para negociar com o Executivo sem linhas vermelhas –, o PS desafiou o primeiro-ministro a “repensar” com os socialistas “a estratégia e a política [do Executivo] para o IRC”.
Mais tarde, à margem do debate, Pedro Nuno Santos afirmou que não se pode depreender das suas palavras que isso significa que o PS apenas aceite que o Governo retire a medida, mas também se escusou a esclarecer se os socialistas estão disponíveis para uma solução intermédia, com base em critérios ou compensações.
“Não vou fazer essa negociação na comunicação social”, disse. “Vamos esperar com serenidade [a reunião de sexta-feira]. Se o Governo quer assegurar condições de viabilidade para o seu orçamento tem que ter uma atitude diferente”, acrescentou.
Respondendo ao repto do líder do PS, ainda durante o debate, Luís Montenegro afirmou que tem “toda a disponibilidade para discutir soluções estratégicas para Portugal”, desde que enquadradas no programa do Executivo, e acusou as oposições, “nomeadamente o PS”, de se afirmarem disponíveis para negociar, mas depois serem “intransigentes”.
“Há quem confunda seriedade com arrogância. Há um programa do Governo que tem balizas, que tem uma estratégia que este Parlamento não quis rejeitar. Como não temos maioria no Parlamento, podemo-nos aproximar aos partidos da oposição, mas o programa do Governo que é o único em vigor e em execução”, disse.
O Governo estima gastar 1.500 milhões de euros com a redução gradual da taxa média do IRC, de 21% para 15%, mas Luís Montenegro tem “esperança” que o custo até possa ser menor e recordou a experiência de há 10 anos.
“A proposta de baixa do IRC já foi testada em Portugal. Em 2014, houve uma diminuição de 2 pontos percentuais na sequência de um acordo do PSD e CDS com o PS e a receita de IRC cresceu, apesar da taxa ter diminuído. Somos mais prudentes a fazer contas, estimamos uma perda acumulada de 1.500 milhões nos quatros anos, mas vou confessar que tenho esperança que aquilo que aconteceu em 2014 possa renovar-se nos próximos anos e que possamos ter um impacto inferior”, indicou.
Há um programa do Governo que tem balizas, que tem uma estratégia que este Parlamento não quis rejeitar. Como não temos maioria no Parlamento, podemo-nos aproximar aos partidos da oposição, mas o programa do Governo que é o único em vigor e em execução
Montenegro defendeu ainda que, em Portugal, há 217 mil empresas das 500 mil que entregam declarações que pagam IRC e “97% são PME”. A proposta da redução gradual do IRC é uma das propostas determinantes para a avaliação dos socialistas e Pedro Nuno Santos avisou que “é praticamente impossível o PS viabilizar um orçamento que seja uma tradução exclusiva de um programa de Governo” que não tem o apoio do seu partido.
“Faremos as nossas propostas, negociaremos com o Governo essas propostas e depois avaliaremos o resultado dessa negociação. Não é segredo para ninguém que as propostas do Governo para o IRS e o IRC, tal como as conhecemos, são muito problemáticas para o PS”, afirmou.
Faremos as nossas propostas, negociaremos com o Governo essas propostas e depois avaliaremos o resultado dessa negociação. Não é segredo para ninguém que as propostas do Governo para o IRS e o IRC, tal como as conhecemos, são muito problemáticas para o PS
O líder socialista reiterou que se o Executivo de Montenegro quiser “de forma genuína evitar eleições antecipadas, tem de reconhecer a sua condição minoritária” e “negociar seriamente e ter disponibilidade para ceder”.
“O PS aguarda a iniciativa do Governo e as suas sugestões para ultrapassar um eventual impasse orçamental”, afirmou, acrescentando que o partido irá apresentar as suas propostas e avaliar o resultado das negociações. “No fim, se fizermos uma avaliação positiva viabilizaremos, se não chumbamos”, concluiu Pedro Nuno Santos.
A proposta do IRC, bem como as restantes medidas fiscais do Executivo como a redução do IRS Jovem ou a isenção do IMT e Imposto de Selo na compra da primeira casa por jovens até aos 35 anos, vão ficar fora do Orçamento, tendo entrado como diplomas autónomos na Assembleia e sob a forma de pedidos de autorização legislativa, mas a oposição tem destacado que o impacto das medidas estará espelhado na proposta.
Sobre esta decisão, o PS, pela voz da líder parlamentar, Alexandra Leitão, já tinha avisado, na semana passada, que retirar as medidas fiscais do Orçamento “não facilita, antes dificulta a viabilização”.
Governo critica PS e Chega e avisa que programa do Governo é o “único” em vigor
Durante todo o debate, o primeiro-ministro apontou baterias ao PS e ao Chega, pela viabilização de medidas à revelia do Governo, acusando os socialistas de “comer o fruto que dizia que era proibido”. “Se alguém ousasse ter dito antes das eleições que o Chega ia levar o PS às cavalitas para o PS se agarrar às costas do Chega para ambos governarem a partir do Parlamento, é uma realidade destes 100 dias”, atirou.
Referindo-se à aprovação da proposta dos socialistas para a descida do IRS e à abolição das portagens nas antigas SCUTS, Montenegro afirmou que “são opções” e “são legítimas”, mas “o PS não se importou de comer o fruto que dizia que era proibido, o Chega não se importou de comer o fruto que dizia apodrecido”, acusou.
“Querem exigir a este Governo que faça em 60 dias o que o PS não fez em 3.050 dias”, frisou, acrescentando que “isto é um contorcionismo político digno de uma peça tragico-cómica”, reforçou.
Por seu lado, o líder do Chega, André Ventura, acusou o primeiro-ministro de sonhar com uma moção de censura e com eleições antecipadas, uma ideia negada por Luís Montenegro. “Era tempo de esquecer as moções de censura, esquecer os sonhos com eleições num mês qualquer, que acha que vai ganhar, e centrar-se no que interessa”, atirou.
Luís Montenegro afirmou que nunca se deitou “a pensar numa moção de censura”, ripostando que o líder do Chega “tem uma certa obsessão com esse instrumento, mas não tem coragem de o utilizar”.
Direita pede mais medidas fiscais, esquerda acusa Montenegro de governar para os ricos
O primeiro-ministro garantiu que o Governo foi “ao limite dos limites” na atribuição do subsídio de risco às forças de segurança e acusou o Chega de estar a instrumentalizar os sindicatos e as associações socioprofissionais.
“Olhámos para os nossos compromissos e disse, olhos nos olhos para as forças de segurança: fomos ao limite dos limites, não foi a pensar nem nos sindicatos nem nas associações socioprofissionais e que estão a ser instrumentalizadas por um partido. Decidimos a olhar para cada guarda da GNR e para cada agente da PSP”, afirmou, após o líder da bancada do Chega, Pedro Pinto, ter acusado o Governo de falhar “a justa equiparação ao suplemento da Polícia Judiciário” como tinha prometido em campanha.
Os partidos à esquerda atacaram o primeiro-ministro de ter adotado um discurso “arrogante” e criticaram as posições assumidas, considerando que beneficia os “mais ricos”. Em declarações aos jornalistas à margem do debate, Pedro Nuno Santos considerou que “as intervenções do primeiro-ministro foram desajustadas”, com um “nível de agressividade e de arrogância” inaceitáveis.
Uma ideia já defendida minutos antes durante o debate, por Mariana Mortágua, que acusou o Executivo de governar “com arrogância”, beneficiando “os donos” da riqueza, enquanto o secretário-geral do PCP, Paulo Raimundo, criticou a governação por “servir uns poucos e grandes” com a redução dos impostos sobre as empresas.
O deputado bloquista José Soeiro reforçou a teoria e denunciou um Governo que vive “numa bolha de classe”. “2/3 ganham menos de mil euros e as medidas do governo é para quem ganha mais de mil euros. Um Governo que confunde Portugal com a bolha de privilégio em que vive não acha que é um Governo condenado a ser um governo dos ricos?”, atirou.
As palavras enfureceram o primeiro-ministro: “É governar para acabar com os pobres, tenham tento, dizer que governamos para os ricos? Tenham vergonha. Este governo não governa para os ricos, governa para a criação de riqueza”.
Já Rui Tavares defendeu que “o diálogo se faz no parlamento à vista de todos” e que o excedente orçamental “está a ser distribuído de mão beijada aos que menos fizeram”. “Se já usou o excedente as nossas conversas de sexta-feira não servem para nada”, disse.
Governo recua na descida das derramas mas quer incentivos para empresas que abram creches
O IRC é mais para baixar, mas em relação à descida das derramas estaduais e municipais daquele imposto, a orientação do Governo agora é outra. Apesar de a medida estar inscrita no programa eleitoral, o primeiro-ministro rejeita para já dar esse alívio fiscal, pois poderia colocar em causa “as contas públicas equilibradas”, argumentou, em resposta ao líder da IL, Rui Rocha.
O deputado liberal tinha alertado que “é preciso dar um sinal claro” na redução dos impostos sobre as empresas. Nesse sentido, “quando o Governo mantém a questão das derramas está a dar um sinal errado, ficou a meio caminho, está a dar sinal que não vale a pena crescer”, criticou.
Mas Luís Montenegro indicou que não é possível, “de uma assentada, descer o IRS de forma transversal, descer o IRS dos jovens com grande impacto, descer o IRC e agora a derrama”. “Se optarmos pela sua redução iríamos acrescer um custo de cerca de 1.800 milhões de euros”, contabilizou.
Apesar disso, Montenegro reiterou que o Governo quer “aliviar os impostos” e, nesse âmbito, até admitiu “aprimorar” o IRS Jovem em linha com o que defende a IL, “quer que as empresas tenham mais capacidade para investir, mas não pode prejudicar aquilo que é ter contas públicas equilibradas”. “Não podemos voltar a ter em Portugal programas de intervenção externa e que são conhecidos pela dimensão no esforço e sacrifício”, frisou.
A redução das derramas não avança já, mas o chefe do Executivo compromete-se a concretizar as cinco medidas pró-natalidade que constam do programa eleitoral como a criação de um incentivo fiscal para empresas que abram disponibilizem creches para os seus trabalhadores.
O líder da bancada do CDS, Paulo Núncio, recordou que, no programa do Governo, estão previstas medidas como “a redução do IVA para a taxa mínima na alimentação para crianças, consagrar as vantagens fiscais paras as famílias com filhos, especialmente as numerosas, incentivos fiscais para empresas que criem creches para os filhos dos trabalhadores, incentivos fiscais para as empresas que contratem pessoas com deficiência acima da cota e isenção de IRS e contribuições sociais sobre os prémios de desempenho“. “Vai cumprir estas cinco medidas pró-natalidade?”, perguntou.
Luís Montenegro assegurou que “vai continuar na mesma rotina de trabalho, a cumprir o programa do Governo”. “E, em matéria fiscal, quero atingir os objetivos que aqui enunciou, sem colocar em causa as contas públicas”, salientou.
“Para nós, a política fiscal é, em primeiro lugar, um objeto de política económica, em segundo lugar, um objetivo de justiça social e, só em terceiro lugar, no âmbito do estímulo da economia, fazemos as contas às receitas e à alocação das receitas às despesas que temos pela frente”, frisou.
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