Declínio do negócio do papel, subida dos juros e crash na Alemanha. O cocktail explosivo que levou a Inapa à rotura

A distribuidora de papel, que passou de lucros a prejuízos no último ano, viu o seu negócio ser abalado pela crise do papel, pela subida dos juros da dívida, aumento de custos e quebra da procura.

A compra do negócio na Alemanha, em 2019, prometia aumentar as vendas da Inapa em 50% e tornar a distribuidora de papel nacional líder de mercado na Alemanha, em França e Portugal. Cinco anos depois, aquela que era uma das maiores promessas do grupo acabou por revelar-se o cavalo de Tróia da empresa, que emprega mais de 1.400 pessoas e fechou o último ano com uma faturação inferior a 1.000 milhões de euros e prejuízos de oito milhões.

Sem dinheiro para pagar salários e fornecedores na operação alemã, a Inapa tentou recorrer ao maior acionista – a Parpública – para uma injeção de emergência, mas o pedido não foi acolhido. A nega da empresa pública foi a machadada final para uma empresa que já vinha a debater-se com o colapso do negócio do papel, uma dívida grande de mais para a sua dimensão – que se tornou mais pesada com a subida dos juros –, custos mais elevados fruto da inflação e ainda um travão na procura.

A Inapa irá apresentar “nos próximos dias” o seu pedido de insolvência. Este desfecho surge depois da distribuidora de papel, criada em 1965, não ter conseguido junto da Parpública, que controla cerca de 45% do capital social, a aprovação para uma injeção de 12 milhões de euros, da qual nove milhões seriam financiados pelo Estado. Sem este financiamento, a empresa informou o mercado, este domingo, dia 21 de julho, que a Inapa Deutschland seria apresentada à insolvência no dia 22 de julho, tendo adiantado ainda que, face ao impacto da insolvência da operação germânica, “deliberou também apresentar a Inapa IPG à insolvência nos termos da lei portuguesa, o que será formalizado nos próximos dias”.

Após a divulgação dessas notícias, e por sua iniciativa, o Governo convocou a Parpública, responsável pela gestão da posição acionista do Estado na INAPA, para uma reunião, onde lhe foi transmitido que a INAPA havia solicitado uma injeção de 12 milhões de euros no imediato, para fazer face a necessidades de tesouraria da sua participada na Alemanha, quando estaria já em análise um outro pedido de 15 milhões de euros para reestruturar a empresa.

Ministério das Finanças

Em resposta oficial à situação da Inapa, o Ministério das Finanças adiantou que apenas tomou conhecimento da situação da participada da Parpública no passado dia 11 de julho, quando a Inapa adiou o reembolso do pagamento de uma linha das obrigações convertíveis emitidas em 2018 para financiar a aquisição na Alemanha, uma notícia que surpreendeu o Governo, tal como o ECO já tinha noticiado.

“Após a divulgação dessas notícias, e por sua iniciativa, o Governo convocou a Parpública, responsável pela gestão da posição acionista do Estado na Inapa, para uma reunião, onde lhe foi transmitido que a Inapa havia solicitado uma injeção de 12 milhões de euros no imediato, para fazer face a necessidades de tesouraria da sua participada na Alemanha, quando estaria já em análise um outro pedido de 15 milhões de euros para reestruturar a empresa“, explicaram as Finanças.

Perante uma proposta que “não reunia condições sólidas, nem demonstrava a viabilidade económica e financeira que garantisse o ressarcimento do Estado” e “considerando os pareceres negativos a este financiamento, que a Inapa não apresentou qualquer estratégia de recuperação, que a Parpública é detentora de 45% da Inapa mas não é acionista maioritária, que a Inapa é uma empresa privada, não tendo uma atividade considerada como estratégica para a economia portuguesa; o Ministério das Finanças confirmou o parecer da Parpública de não avançar com as operações de financiamento solicitadas pela Inapa“, explicou o ministério das Finanças, que vai acompanhar o processo de insolvência.

A aquisição da Papyrus Deutschland prometia reforçar a posição da Inapa no mercado, “aumentando o volume de faturação do grupo em mais de 50%, tornando-o assim no principal distribuidor de papel da Europa Ocidental. “O grupo passará a ter uma posição de liderança na Alemanha, França e Portugal“, adiantou a empresa em comunicado, aquando da confirmação da luz verde para o negócio por parte das autoridades alemãs.

O então CEO, Diogo Rezende, reforçava, à data, “uma operação de enormíssimo impacto porque a Papyrus Deutschland tem um nível de faturação de 550 milhões”. “A Inapa – que em 2018 faturou 860 milhões – não só crescerá para 1.300 a 1.400 milhões, como será o “player” número 1 nos dois maiores mercados europeus, o que nos permitirá escala de operação”, referiu então o gestor.

O elevado endividamento e a incapacidade de criar sinergias e responder aos desafios atuais e futuros do mercado do papel, como a crescente digitalização, que precipitaram a empresa numa espiral negativa, que culminou com o atual pedido de insolvência.

Nuno Mello

Analista da XTB

Nuno Mello, da XTB, nota que a Inapa Deutschland foi apresentada como “uma empresa supostamente mais preparada e com uma gama de produtos unificada e uma logística mais forte, que tornava a Inapa no maior distribuidor de papel da Europa Ocidental, não só em dimensão, mas também em proposta de valor”.

No entanto, “nem sempre estas operações se revelam benéficas para a saúde de uma empresa e foi o elevado endividamento e a incapacidade de criar sinergias e responder aos desafios atuais e futuros do mercado do papel, como a crescente digitalização, que precipitaram a empresa numa espiral negativa, que culminou com o atual pedido de insolvência”, explica.

Declínio do papel: crónica de uma morte anunciada?

Mas os problemas da Inapa são bem anteriores à compra da unidade alemã. Num negócio que está em declínio há vários anos, devido à digitalização, que tem acelerado uma redução do consumo de papel, a distribuidora de papel – entretanto apostou também na área das embalagens e da comunicação visual – tem vindo a lutar para manter resultados positivos, o que não aconteceu em 2023.

A companhia, até esta segunda-feira liderada por Frederico Lupi, que tinha sido cooptado para CEO da holding em junho de 2023, após a saída de Diogo Rezende, e que apresentou a renúncia ao mandato após a notícia de falência, fechou o último ano com um prejuízo de oito milhões de euros em 2023, que compara com os lucros de 17,8 milhões no ano anterior. A margem bruta ascendeu a 18,1% das vendas, 1,9 pontos percentuais abaixo do registo passado.

A Inapa fechou o último ano com prejuízos de oito milhões de euros e receitas inferiores a 1.000 milhões de euros, enquanto a dívida líquida manteve-se acima de 200 milhões de euros.

Numa mensagem na apresentação destes resultados, o presidente destacava que, “a nível setorial, registou-se uma quebra substancial na procura de papel, associada a um processo de destocking ao longo de toda a cadeia de valor, mas também a uma redução efetiva da procura”, acrescentando que, “em termos de performance, as receitas em 2023 foram 969 milhões de euros, o que representa uma redução de 243 milhões de euros face a 2022″.

Os números partilhados pela empresa na apresentação de resultados confirmam a evolução muito negativa no negócio do papel. Segundo refere a empresa, “na Europa Ocidental, em 2023, a redução no consumo de papel para artes gráficas, escrita e impressão foi, segundo a EuroGraph (European Association of Graphic Producers) de 25,4% (no primeiro semestre a redução foi de 29,9%). Essa redução afetou a procura de papéis revestidos (coated woodfree) e não revestidos (uncoated woodfree).” Em termos globais, o decréscimo do consumo de papel na Europa Ocidental comparativamente com o período pré-pandemia foi de cerca de 40%.

Em termos de mercados, a Inapa refere que, nos seus principais mercados de atuação – Alemanha, França, Espanha, Portugal e Bélgica – se registou uma redução conjunta de volumes de 26%. E, tal como no ano anterior, todos estes países registaram quebras da procura. Alemanha registou uma redução de 25,6%, França de 25%, Espanha de 29% e Portugal de 28,4%.

Nos últimos 25 anos a Inapa perdeu quase 95% do seu valor em bolsa, dos 250 milhões de euros de valor de mercado em 2000 para os atuais 15 milhões de euros, vítima sobretudo da gradual perda de importância do negócio do papel no mundo atual. (…) nos últimos 15 anos, os prejuízos têm acompanhado a empresa na maior parte dos exercícios.

Pedro Oliveira

Trader do Banco Carregosa

“Apesar do atual pedido de insolvência da Inapa ser justificado por dificuldades de tesouraria de curto prazo, nomeadamente da sua subsidiária alemã Inapa Deutschland, GmbH, no montante de 12 milhões de euros, os problemas da distribuidora portuguesa de papel de impressão, embalagens e comunicação visual, já existem há vários anos”, referencia Pedro Oliveira.

Segundo o trader do Banco Carregosa, “nos últimos 25 anos a Inapa perdeu quase 95% do seu valor em bolsa, dos 250 milhões de euros de valor de mercado em 2000 para os atuais 15 milhões de euros, vítima sobretudo da gradual perda de importância do negócio do papel no mundo atual”.

O mesmo especialista lembra que nos últimos 15 anos, os prejuízos têm acompanhado a empresa na maior parte dos exercícios. Em 2023, as receitas da Inapa caíram 20,1% e a empresa passou de lucros a prejuízos de 7,99 milhões de euros, “resultados penalizados sobretudo pelo aumento dos custos financeiros de financiamento, impulsionados pelo agravamento das condições de crédito”, salienta

O elevado endividamento face à sua dimensão é um dos problemas estruturais da empresa ao longo dos últimos anos e que levou a que vários credores da empresa, como o BCP ou o Novobanco, acabassem por tornar-se acionistas de referência. A CGD, que vendeu em 2019 a totalidade da sua participação de 33% ao Estado por 15,8 milhões de euros, era até à entrada da Parpública o maior acionista.

Mas também o BCP chegou a deter uma participação de 30% – o banco vendeu quase 9% das ações ao longo do ano passado, mas ainda mantinha uma participação (que passou a ser não qualificada) de cerca de 4,7% [que entretanto colocou à venda]; e o Novobanco detém 6,55%. Já a Nova Expressão detém 10,85% do capital, segundo a informação relativa ao final de 2023.

No final do ano passado, a dívida líquida situava-se em 207 milhões de euros, representando uma redução 14 milhões de euros face ao período homólogo de 2022, quando estava nos 221 milhões de euros. Apesar desta descida, os custos com juros dispararam, a refletir o aumento de 450 pontos base das taxas e juro, nos últimos dois anos. Os custos financeiros passaram de 16 para 20 milhões de euros, no final de 2023.

Reestruturação e mudança de sede

Além da subida dos juros, da quebra constante da procura, dos problemas na Alemanha, a empresa enfrentou ainda um aumento de custos, devido à inflação. Depois do disparo em 2022, influenciado sobretudo pelos custos da energia na sequência do início da guerra na Ucrânia, os preços do papel não desceram no mercado europeu, com os produtores locais a optarem por reduzir capacidade e readaptar a oferta à procura. E no início deste ano, os fornecedores avançaram mesmo com novos aumentos de 5% a 7%, nomeadamente no produto de escritório, com o mesmo argumento da subida dos custos da pasta de papel.

Face a esta conjuntura difícil, a empresa decidiu acelerar, no início do ano, o seu processo de reestruturação das operações logísticas na Alemanha, França e Portugal, que inclui o encerramento de vários armazéns e a redução do número de trabalhadores. Em Portugal, o número de instalações foi reduzido para metade. Além de ter saído do escritório que ocupava no centro de Lisboa e mudado a sede da holding para Sintra, onde trabalham agora 150 pessoas, a distribuidora de papel acaba de encerrar um armazém que tinha no Porto, na zona de Campanhã, concentrando em Santa Cruz do Bispo (Matosinhos) as funções logísticas e administrativas no Norte do país.

Já no mercado alemão, que representa 60% das vendas, a empresa vai concluir ainda este ano todo o projeto de reinstalação logística, que estava calendarizado apenas para 2025. O número de localizações baixa de 14 para 11.

Depois de, no início do ano, ter mudado a sua sede do edifício Heron Castilho, no centro de Lisboa, para Sintra, a distribuidora de papel decidiu antecipar e acelerar o seu processo de reestruturação com fecho de armazéns logísticos e despedimentos.

Perante esta situação financeira, Pedro Oliveira considera que “uma injeção [do Estado] teria permitido comprar mais algum tempo, mas seria muito provavelmente adiar o atual desfecho, tendo em conta a tendência de deterioração do negócio de distribuição de papel, sobretudo na Europa Ocidental, geografia de atuação da Inapa”. Também Nuno Mello defende que “uma injeção por parte da Parpública iria apenas adiar o problema. É que já havia em curso um segundo plano de auxílio além dos 12 milhões de euros iniciais, no valor de 15 milhões de euros.

Administradores sem ações

Cotada em bolsa desde a década de 1980, a Inapa conta com 37,71% do capital disperso em bolsa. As ações da empresa, que foram suspensas na segunda-feira pela Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM), valem atualmente 0,0294 euros, com a distribuidora de papel avaliada em pouco mais de 15,47 milhões de euros – apenas pouco mais de três milhões de euros do que a empresa precisava para fazer face a pagamentos na Alemanha.

Ao contrário do que habitualmente acontece com empresas cotadas, em que vários membros da administração têm participações no capital, na Inapa nenhum membro dos órgãos de administração e de fiscalização detinha títulos da companhia, o que poderá demonstrar que os gestores já não tinham confiança na evolução positiva do negócio que geriam.

Os investidores da empresa, que incluem o Estado, terão agora de aguardar o processo de insolvência, à luz do qual os acionistas ordinários são os últimos a receberem. Em primeiro lugar está o próprio Estado e os trabalhadores, seguindo-se os detentores de dívida sénior, subordinada, as ações preferenciais e, em último, as ações ordinárias. Uma vez iniciado o processo de insolvência, o próximo passo será a liquidação do património da empresa e a repartição do produto obtido pelos credores, processo este que poderá demorar, por lei, até três anos.

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