Fisco nega isenção de IVA à Santa Casa de Lisboa nas operações bancárias dos jogos sociais
AT entende que a Misericórdia tem de entregar ao Estado 23% do valor das faturas que passa a um banco para fazer a gestão dos pagamentos dos prémios. Instituição deverá recorrer da decisão.
A Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML) está obrigada a entregar ao Estado 23% de IVA sobre as comissões que paga a uma instituição financeira pelas operações bancárias dos jogos sociais, como o Totoloto ou o Euromilhões, segundo uma informação vinculativa da Autoridade Tributária (AT) publicada no final de julho, no Portal das Finanças.
A instituição pediu para ficar isenta, invocando uma norma do código do imposto que dispensa a tributação sobre “pagamentos, transferências, recebimentos”. E admite recorrer da decisão do Fisco.
Questionada pelo ECO sobre quanto poderia poupar se pudesse beneficiar da isenção de IVA sobre aquelas operações, a entidade, liderada pelo provedor Paulo Duarte de Sousa, refere apenas que “a Santa Casa não tem qualquer comentário a fazer, estando, neste momento, ainda a analisar a resposta ao pedido de informação vinculativa”.
O pedido de isenção da Santa Casa surge depois de se tornar público um buraco financeiro de cerca de 25 milhões de euros e que poderia chegar aos 100 milhões relativo às contas de 2023 da entidade. Perante este cenário, a atual ministra do Trabalho, Maria do Rosário Palma Ramalho, decidiu demitir a anterior provedora, Ana Jorge.
Na exposição enviada à AT, a Santa Casa de Lisboa, que detém a exclusividade da exploração dos jogos sociais no país, começa por justificar o ajuste direto que celebrou a 24 de junho de 2021 com uma instituição financeira para a prestação de serviços bancários.
“Para concretização das operações referidas no Portal dos Jogos, nomeadamente as relacionadas com os pagamentos de jogo e/ou de prémios através de referência multibanco via canais digitais, existe necessidade de recorrer aos serviços de pagamento online prestados por uma entidade bancária autorizada e regulada pelo Banco de Portugal”, escreve a Santa Casa.
O banco, cuja identificação a Santa Casa omitiu, “transfere/credita em tempo real e em conta bancária” titulada pela instituição “todos os montantes que os apostadores pretendem depositar na respetiva conta de jogo; debita todos os valores solicitados pelos jogadores sempre que aqueles pretendem realizar levantamentos da sua conta de jogo, quer porque não pretendem jogar/apostar mais, quer porque desejam receber os valores correspondentes aos prémios de jogo de que são titulares”, descreve a SCML.
Para além disso, a mesma entidade financeira “credita em conta bancária titulada” pela Santa Casa “os montantes que cada mediador”, isto é, comerciante, “deve depositar na respetiva conta de jogo por conta das vendas realizadas” e retira do saldo da SCML o valor pagar aos vendedores ou lojas que comercializaram as apostas”, lê-se na exposição enviada à AT.
Por este tipo de operações, que a SCML entende serem “meras transferências para a sua conta bancária, o banco cobra comissões, às quais faz acrescer IVA à taxa normal”, de 23%, constata a Misericórdia de Lisboa. Porém, considera que, face ao que está previsto no Código de IVA (CIVA), as comissões que paga ao banco “qualificam-se como operações isentas”, salientando que este tipo de serviço “não têm qualquer conexão com a cobrança de dívidas”, operação que seria alvo de tributação.
A Autoridade Tributária reconhece que o artigo 9.º do CIVA, que transpôs para o ordenamento jurídico nacional a Diretiva comunitária sobre IVA, “determina que estão isentas do imposto ‘as operações, compreendendo a negociação, relativas a depósitos de fundos, contas correntes, pagamentos, transferências, recebimentos, cheques, efeitos de comércio e afins, com exceção das operações de simples cobrança de dívidas'”. “Depreende-se do exposto que o CIVA, isenta, de uma forma geral, as operações relativas a pagamentos, transferências e recebimentos”, acrescenta.
Contudo, alerta que o Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) emitiu já reiteradamente a sua opinião de que as isenções referidas no artigo 135.º da Diretiva IVA são de interpretação estrita, uma vez que constituem exceções ao princípio geral de que o IVA deve ser cobrado sobre todos os serviços prestados a título oneroso por um sujeito passivo”.
No âmbito da aplicação limitada da isenção, a AT indica que a Diretiva comunitária estabelece que “a isenção em causa pode abranger serviços que não são intrinsecamente transferências”. “O simples facto de um serviço ser indispensável para a realização de uma operação isenta não permite concluir pela isenção do mesmo”, sublinha, citando a Diretiva do IVA.
Isenção só é possível com faturas diferentes para os vários serviços
Embora a AT não exclua que “transferências, pagamentos, recebimentos, possam beneficiar do âmbito da isenção prevista”, “esta isenção só pode dizer respeito às operações que formam um conjunto distinto, apreciado de modo global, e que têm por efeito preencher as funções específicas e essenciais das referidas operações”.
Mas, anota, “o contrato de prestação de serviços bancários celebrado entre as partes, não se limita a simples operações de transferências/pagamentos, pelo contrário, incluem um conjunto de serviços que extravasam o âmbito da isenção em análise”.
“Dessa forma, e tendo em consideração a interpretação estrita das isenções do IVA constante da jurisprudência do TJUE, concluímos que no presente pedido, o conjunto de serviços adquiridos” pela Santa Casa ao banco, “quando avaliado no seu todo, não podem ser considerados no sentido de que executam uma função específica e essencial de uma operação de pagamento ou de transferência”, escreve a AT.
Por outro lado, o Fisco refere que a Santa Casa não passa faturas separadas para as várias operações bancárias, o que impossibilita a aplicação diferenciada de taxas de IVA. “Os serviços prestados pelo banco […] constituem uma prestação única, que engloba uma série de elementos e de atos estreitamente ligados que formam objetivamente uma única operação económica indissociável”. Por isso, “não podem aproveitar o âmbito da isenção prevista, sendo toda a prestação de serviços passível de tributação à taxa normal”, argumenta.
No entanto, se “os serviços em análise puderem ser faturados prestação a prestação, sendo, assim, possível diferenciar as operações abrangidas” pela isenção das restantes, “as primeiras beneficiarão da isenção […], enquanto as segundas serão tributadas à taxa normal do imposto”, conclui o Fisco.
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