Provedora da Santa Casa “encontrou um cancro financeiro, mas tratou-o com paracetamol”, diz ministra
Com críticas muito duras, ministra disse que a provedora da Santa Casa "encontrou um cancro financeiro, mas tratou-o com paracetamol" e admite que as perdas no Brasil podem atingir os 80 milhões.
A ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social reitera que a mesa da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML) teve uma atuação “negligente” na gestão da instituição, acusando Ana Jorge de se preocupar “apenas com a gestão corrente” e de “usar a bengala do Estado” para “tapar” o défice. Com críticas muito duras, Maria do Rosário Ramalho afirmou ainda que a provedora “encontrou um cancro financeiro, mas tratou-o com paracetamol” e admite que as perdas com o projeto de internacionalização no Brasil podem atingir os 80 milhões de euros.
O Governo decidiu exonerar, na semana passada, toda a mesa da SCML, incluindo a provedora Ana Jorge, acusando a administração de ser “incapaz de enfrentar os graves problemas financeiros e operacionais da instituição” e de “atuações gravemente negligentes”, que poderão comprometer a “curto prazo” a “fundamental tarefa de ação social que lhe compete”. Ainda assim, a provedora vai manter-se em gestão corrente até ser nomeada nova equipa.
Na intervenção inicial, a ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social reiterou que tem os “fundamentos” todos para exonerar a mesa da SCML, referindo que a “situação financeira muito grave” da Santa Casa “já vem da mesa anterior, mas agravou-se com esta provedora”, acusando a atual administração de “incapacidade de gestão”. “A provedora encontrou um cancro financeiro, mas tratou-o com paracetamol”, atirou Maria do Rosário Ramalho, que está a ser ouvida na comissão de Trabalho, Segurança Social e Inclusão, na sequência de um requerimento do PS da Iniciativa Liberal (IL).
A ministra reitera, perante a “rutura iminente de tesouraria”, que a atual mesa da SCML não foi capaz de “implementar um plano estratégico de restruturação”, tendo tomado apenas “medidas avulsas” e “anulado” o impacto da eliminação dos suplementos remuneratórios de “40 dirigentes”, no valor de um milhão de euros”, com “um aumento das despesas com pessoal“, à boleia da revisão do acordo de empresa, que fez os gastos com pessoal aumentaram de 147,6 milhões de euros em 2022, para 151 milhões de euros em 2023 e estando orçamentados 162 milhões em 2024. “Ou seja, os custos com pessoal subiram cerca de 11 milhões de euros de 2023 para cá”, sustentou.
Suspensão da parceria no Brasil “sem plano de desinvestimento” e perdas podem atingir os 80 milhões de euros
Por outro lado, Maria do Rosário Ramalho aplaude a decisão de suspender as operações no Brasil, mas diz que esta “foi executada sem plano de desinvestimento que pudesse mitigar” as perdas, que “podem atingir os 80 milhões de euros”.
Segundo a ministra, Ana Jorge decidiu ainda suspender “inexplicavelmente” a operação de venda da sociedade gestora do Hospital Cruz Vermelha Portuguesa (CVP) – na qual a SCML detém uma participação de 55% – “o que custou 29 milhões de euros” e de ter “transferido responsabilidades” para a Parpública (que detém os restantes 45% do capital da CVP) no valor de “três milhões de euros”. Ou seja, apesar de o processo ter sido retomado há um saldo negativo para a Santa Casa de 33 milhões de euros, cujas contas serão “saldadas com a venda” do hospital, explicou.
Por fim, a governante considera que a atual mesa revelou uma “incapacidade manifesta” de fazer face ao decréscimo das receitas das jogos, pelo aponta que não percebe o “racional” para que a mesa estime, no Plano de Atividades e Orçamento, um “acréscimo de 12% das receitas para este ano, face a 2023. “Mas o primeiro trimestre já demonstra o erro”, dado que caíram 10%, diz. Além disso, Maria do Rosário Ramalho diz que há uma “preocupação da deterioração” da atividade assistência de ação social da Santa Casa, que foi inclusivamente “confirmada” pela Câmara Municipal de Lisboa (CML).
A governante aponta ainda que o relatório e contas referente a 2023, apesar de apontar para um resultado líquido positivo de 2,4 milhões de euros, “veio confirmar” que a situação da Santa Casa “é mais grave” do que quando a atual mesa tomou posse, sustentando que o passivo “aumentou cerca de 31% de 2022 para 2023”, dado que as “decisões [tomadas] em vez de diminuírem prejuízos aumentaram os prejuízos” e que a mesa da SCML “não apresentou estratégia de reestruturação”.
“A rutura [de tesouraria só não se concretizou em 2023 pelo recorrente recurso a fundos públicos”, acusou a ministra do Trabalho, apontando como exemplos a transferência de uma dívida antiga da Segurança Social no valor de 34 milhões de euros, mas que só foi paga em agosto, a “transferência de responsabilidades da CVP para a Parpública” ou a “solicitação à tutela em fevereiro deste ano de mais 15 milhões de euros de 15 milhões de euros da almofada financeira do saldo de tesouraria”. A “preocupação” da provedora “era apenas a gestão corrente” e usar bengala do Estado para tapar défice financeiro”, rematou.
Ministra acusa mesa de “ocultar dois contratos” para aumento de 20% de salários de médicos e enfermeiros
A ministra lamentou ainda “mensagem pública de vitimização da provedora” e diz-se “estupefacta com membro da mesa que confundia um plano de atividades com plano de restruturação”. “A inação custou dinheiro” e as “medidas avulsas contraditórias resultaram num aumento da despesa”, argumentou. Maria do Rosário Ramalho acusou ainda a “ocultar” que assinou dois contratos tendo em vista aumentos salariais de 20% para médicos em enfermeiros (dois quais 10% em 2024 e 10% em 2025%), ou seja assumindo “compromissos”.
Já sobre o acordo de empresa, que permitiu atualizações salariais médias de 6,5% para os trabalhadores da Santa Casa a ministra deu o exemplo da Caixa Geral de Depósitos (CGD) que é “talvez a empresa mais rica do Estado” e aumentou os funcionários em 3,5%, referindo que lhe faz “confusão” que uma empresa na situação financeira da SCML “tivesse essa opção”. E ao contrário do que havia sido sugerido pelo ex-provedor Edmundo Martinho a ministra garantiu ainda que a privatização dos jogos sociais da Santa Casa “não está em cima da mesa neste Governo. Nunca esteve”, rematou.
Na sua audição, Ana Jorge garantiu que desde junho de 2023 tem aplicado medidas urgentes para fazer face à situação financeira da Santa Casa e que na reunião que teve com a nova ministra do Trabalho, a 12 de abril, entregou 35 documentos (entre os quais relatórios de contas de 2021 e 2022 e a auditoria da consultora BDO).
A antiga ministra contou ainda que quando a governante lhe falou no plano de reestruturação lhe perguntou quantos funcionários iria despedir. “Eu disse nenhum”, garantiu. A ministra rejeita essa indicação referindo que nunca falou em despedimentos coletivos.
(Notícia atualizada pela última vez às 21h24)
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