Falta reforçar “isco” do consumo para aumentar oferta das renováveis, alerta setor

A consulta pública do Plano Nacional para a Energia e Clima termina esta quinta-feira, 5 de setembro. Conheça alterações sugeridas pelo setor.

A consulta pública do Plano Nacional da Energia e Clima 2030 (PNEC 2030) termina esta quinta-feira, 5 de setembro. O setor aplaude a ambição do documento, em particular no que diz respeito à fatia de energias limpas prevista. No entanto, assinala algumas dificuldades, como a necessidade de estimular o lado do consumo para que a oferta de renováveis cresça.

A mensagem transmitida no PNEC é a mensagem correta. Representa um desafio que Portugal tem condições de enfrentar”, considera Pedro Amaral Jorge, presidente da Associação Portuguesa de Energias Renováveis (APREN). A nova versão do documento, que entrou em consulta pública em julho, propõe que a fatia de renováveis no consumo de energia suba para 51%, acima dos anteriores 47%. Olhando só para a eletricidade, o objetivo é que as renováveis sejam a fonte de 93% do total produzido, em vez de apenas 80%.

Outro dos grandes números em destaque nesta versão é a previsão de que o consumo de eletricidade em Portugal atinja os 90 terawatts-hora (TWh) em 2030, acima dos cerca de 50 TWh que se verificam atualmente. E o setor deixa alguns alertas neste ponto: “O consumo tem de aumentar, e muito, para que estas metas do PNEC façam sentido”, avalia Duarte Sousa, diretor-geral da Engie Hemera, que nota a falta de eletrificação nos processos industriais e da atração de novas empresas eletrointensivas para Portugal.

Do lado da APREN, o investimento do lado do consumo “é uma preocupação”. Pedro Amaral Jorge defende que deve haver um alinhamento entre as diferentes tutelas – Ambiente, Economia e Finanças – para criar incentivos para aumentar a eletrificação de consumos junto da indústria. Sugere o apoio a pequenas e médias empresas para que estas assinem Contratos de Aquisição de Energia, de forma a permitir preços estáveis e ao mesmo tempo receitas estáveis aos produtores, estimulando a criação de projetos renováveis. “Espanha não deixou de trabalhar e acelerar. Nós temos de fazer o mesmo, caso contrário o investimento vai para Espanha e Portugal pode passar ao lado da oportunidade”, defende o presidente da associação de produtores.

Existem outros desafios à concretização das metas do PNEC, que se têm vindo a arrastar. Barreiras tecnológicas, regulatórias e de licenciamento, assim como a mobilização de avultados investimentos são alguns dos obstáculos apontados por Duarte Sousa. Amaral Jorge defende que as entidades afetas ao licenciamento devem adequar-se do ponto de vista de digitalização, aumento de quadros e formação de pessoas. Além disso, relembra os constrangimentos de capacidade e cobertura geográfica da rede elétrica: precisa também de digitalização e que o regulador aprove novos investimentos.

Por outro lado, alerta o CEO da Voltalia em Portugal, João Amaral, os projetos continuam dependentes da “capacidade de aceitação do poder local”. A criação de zonas de aceleração de projetos renováveis (com menos constrangimentos ambientais, que permitam licenciamentos mais rápidos) assim como a transposição da diretiva europeia, na qual está previsto que as energias renováveis sejam consideradas de interesse público superior, são medidas administrativas que a APREN considera importantes para concretizar a ambição do PNEC.

Numa avaliação mais geral, do ponto de vista de João Amaral, a versão final do documento deveria “dar um maior detalhe nas estratégias de implementação e na ligação do que está no papel (e é abstrato) à realidade concreta”, uma opinião que é acompanhada pela maioria dos interlocutores contactados pelo ECO/Capital Verde. O CEO da Voltalia sugere indicadores claros para tecnologias emergentes e juntar planos de financiamento específicos. O líder da APREN considera também importante que esteja prevista a monitorização.

Da eficiência energética aos fósseis, passando pelo armazenamento

Na 28ª Conferência das Partes (COP28), a principal conferência mundial sobre clima, a União Europeia comprometeu-se a duplicar a taxa de melhoria da eficiência energética até 2030. Os Estados Membros terão de clarificar qual será a sua contribuição. Na ótica de Alice Khouri, responsável pelo departamente Legal da Helexia, o PNEC é “pouco claro” na forma como pretende corresponder a este repto. O diretor-geral da Engie Hemera vê também como “ponto fraco” do PNEC a manutenção das metas para a eficiência energética, “que deveriam ser um dos principais focos deste plano nacional”, já que “a melhor descarbonização é aquela da energia que não é necessária”.

Em paralelo, Duarte Sousa considera que “a meta deste plano para o armazenamento é insuficiente face à ambição definida do lado da geração renovável, sobretudo no que se refere à energia solar”, e espera que após a consulta pública esta meta se torne mais ambiciosa, de forma a incentivar estas soluções. Também as metas da geração solar distribuída ficam aquém, no entender do mesmo gestor. Isto porque, na revisão, o solar distribuído pesa cerca de 27% da totalidade de potência solar em 2030, enquanto no final de 2023, ao nível dos 27 países da UE, este tipo de geração representava cerca de 2/3 da totalidade do solar fotovoltaico instalado.

Outra das críticas que Alice Khouri tece é a falta de esclarecimento sobre como Portugal irá reduzir ou eliminar os incentivos à cogeração a partir de combustíveis fósseis. Já Filipe de Vasconcelos Fernandes, especialista em Economia e Fiscalidade da Energia, acredita que o plano peca pela parca referência à dessalinização, um processo que requer largas quantidades de energia, “num PNEC de um país com parcelas de território em stress hídrico tão relevante”.

A descida da ambição no hidrogénio verde, de 5,5 gigawatts (GW) para 3 GW, não merece críticas das partes consultadas pelo Capital Verde. “Há ainda muito caminho para descarbonizar por via da eletrificação, antes dos gases renováveis”, entende Duarte Sousa, embora veja o hidrogénio verde como oportunidade estratégica para descarbonizar setores difíceis. Filipe Vasconcelos Fernandes, também membro da direção da Associação Portuguesa para a Promoção do Hidrogénio (AP2H2), aplaude mesmo a “alusão ao relevo dos gases renováveis” no documento.

Após a consulta pública, o PNEC será debatido na Assembleia da República, uma discussão da qual resultará a versão final do documento. Sejam quais forem as alterações, o presidente da APREN é perentório: “Questionar a ambição das metas é o raciocínio errado. Se não for possível até 2030, tem de se equacionar outra data a nível europeu, como 2032 ou 2033. Mas a ambição é a certa”.

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