Grupos brasileiros avaliam novos investimentos para concorrer com bancos nacionais e participar na consolidação do setor da saúde em Portugal, avança o presidente da Câmara de Comércio e Indústria.
Aproveitando as “margens potencialmente boas”, as áreas do imobiliário, das tecnologias de informação (software), da agroindústria (com destaque para o setor do vinho), do turismo (incluindo restauração) ou da cultura têm sido nos últimos anos os principais focos de atenção dos investidores do Brasil em Portugal, absorvendo o “maior volume de recursos” provenientes daquele país da América do Sul. No entanto, o novo ciclo de investimentos deverá ser marcado pela entrada de novos grupos brasileiros do setor financeiro e da saúde, que estão a “olhar com bons olhos” para o mercado português.
“O setor financeiro brasileiro é bem desenvolvido e [a entrada desses novos operadores] pode aumentar a concorrência com os bancos portugueses. E isso é bom, porque aumenta a competitividade do mercado financeiro português. Alguns já estão aqui na área de wealth management e há empresas de bancos brasileiros como o Itaú, o BTG ou o Banco do Brasil que já se instalaram em Portugal. E outros pediram licenças e os processos estão a ser analisados pelo Banco de Portugal, que é muito criterioso. Há, pelo menos, mais dois à espera”, relata ao ECO o presidente da Câmara de Comércio e Indústria Luso-Brasileira (CCILB), Otacílio Soares.
Um desses pedidos, sabe o ECO, foi submetido pelo banco digital Inter, fundado e participado pelo milionário Rubens Menin, que já investiu mais de 40 milhões nos vinhos do Douro e que é também dono da construtora MRV Engenharia e da CNN Brasil e da rádio Itatiaia no setor dos media. O empresário de Belo Horizonte, conhecido por ser mecenas do Clube Atlético Mineiro, já pediu autorização ao regulador da banca para trazer para Portugal o Inter Shop, um marketplace que combina comércio online e produtos financeiros, planeando fixar aqui o centro de uma futura operação europeia.
Há empresas de bancos brasileiros como o Itaú, BTG ou Banco do Brasil que já se instalaram em Portugal. E outros pediram licenças ao Banco de Portugal. Há, pelo menos, mais dois à espera.
À Câmara de Comércio e Indústria Luso–Brasileira, que tem mais de 200 sócios e tem estado a “identificar os nichos de mercado que podem gerar melhores resultados e melhor potencial de crescimento”, têm chegado igualmente contactos de empresários brasileiros para “ajudar na pesquisa” de oportunidades na área da saúde. É outra em que Otacílio Soares, eleito presidente no ano passado e com a atividade principal de gestão de fortunas centralizada na Suíça antevê “possibilidade de crescer mais e potencial de entrada de investidores brasileiros para ajudar a consolidar o setor em Portugal”.
Na saúde, “os maiores investimentos estão ainda em avaliação, mas existe um bom potencial em Portugal de consolidação de alguns segmentos de atividade”, desde hospitais e clínicas de várias especialidades, além da dentária e da estética, até às residências seniores, sublinha o responsável, que em Portugal tem negócios de produção de vinhos (Domínio do Açor, no Dão) e na área do imobiliário e do arrendamento de propriedades. “Como o mercado brasileiro de saúde é competitivo e com grandes empresas, elas começam a olhar com bons olhos para o mercado português. Ainda estão muito focadas no Brasil e estão a perspetivar a expansão internacional”, acrescenta.
Evolução do investimento direto do Brasil em Portugal
Segundo dados do Banco de Portugal, o stock de investimento direto proveniente do Brasil subiu 2% no ano passado, em termos homólogos, ascendendo a quase 5.300 milhões de euros. No setor industrial destacaram-se a nova fábrica de motores elétricos avaliada em 60 milhões de euros e construída em Santo Tirso pela Weg – aterrou em Portugal em 2002 com a aquisição da então Efacec Universal Motors à família Ricca Gonçalves -, a expansão da siderúrgica CSN Lusosider (Paio Pires, concelho do Seixal) ou a linha de manutenção inaugurada em julho pela empresa de indústria aeronáutica OGMA, controlada pela Embraer, no valor de 90 milhões de euros e que vai gerar mais 200 postos de trabalho em Alverca.
“Um ponto importante é que o empresário brasileiro que quer ampliar os seus negócios fora do país está enxergando Portugal como um porto seguro de entrada para a Europa, como um hub para a partir daqui poder crescer para outros países da União Europeia e estar ligado a um mercado de 400 milhões de consumidores. Até há quatro anos, 80% das consultas dos empresários brasileiros às entidades de promoção de negócios no exterior eram sobre os EUA. Hoje, 70% são sobre Portugal, focando Portugal e a União Europeia. Está mudando o viés”, resume o líder da CCILB, frisando os mais de 20 voos diários da TAP a ligar os dois países que estão “sempre com uma ocupação muito boa” e “têm permitido esse entrosamento cada vez maior”.
A diáspora brasileira é outro fator salientado por Otacílio Soares, que lembra a “quantidade bem expressiva de empresários que se mudaram para Portugal por razões de segurança e até de aposentadoria, mas que, mesmo mantendo os seus negócios no Brasil, estão a trazer dinheiro e começam a ver com bons olhos o investimento” empresarial deste lado do Atlântico. Decisões que “naturalmente” acabam por desafiar os seus próprios fornecedores portugueses a “procurarem instalar-se no Brasil para venderem os seus produtos e serviços às empresas brasileiras”.
Burocracia a mais, sócios capitalistas a menos
A par da “estabilidade económica e política”, as “vantagens fiscais” concedidas ao investimento estrangeiro produtivo e gerador de empregos, e a possibilidade de acesso a apoios financeiros “até mesmo a fundo perdido” no âmbito do Portugal 2030 são outras vantagens citadas pelo porta-voz da CCILB, que acaba de lançar um “banco de empregos” para as empresas publicitarem as suas ofertas. Atesta que “as empresas brasileiras têm vindo e aproveitado esses recursos para investir em Portugal e, a partir daqui, analisar novos mercados” comunitários, conseguindo colocar mais facilmente o produto de uma empresa de origem brasileira no mercado comum europeu.
Já questionado sobre quais as principais barreiras que subsistem ao investimento brasileiro em Portugal, Otacílio Soares responde que “apesar de as culturas brasileira e portuguesa serem próximas – e isso facilitar a integração -, não são exatamente a mesma [e] há essa questão, de ambos os lados, de subestimar a adaptação cultural”. Por outro lado, “a burocracia portuguesa, a que o Brasil está acostumado, é algo que às vezes dificulta um pouco as coisas”. “A burocracia portuguesa é um tema um pouco delicado, os processos são lentos. Podia ser mais facilitado para que as empresas brasileiras possam expandir as suas operações em Portugal”, completa.
Em sentido contrário, o investimento português no Brasil concentra-se sobretudo nos setores agroalimentar, da construção, energia, serviços e tecnologia, com projetos de grupos de relevo como as energéticas Galp e EDP Renováveis, Secil (cimentos), Evertis (plásticos), Sogrape (vinhos) ou Vila Galé (hotelaria). Dados do Banco de Portugal evidenciam que o investimento direto português (IDP) no Brasil cresceu 16,4% ao ano entre 2015 e 2022, atingindo nesse ano um montante recorde equivalente a 4,6% do total do IDP no estrangeiro.
Perspetivando os riscos, o líder da CCILB recorda que “o mercado brasileiro é muito dinâmico, mas há muitas mudanças do ponto de vista fiscal e político que às vezes atrapalham”. Aconselha, por isso, os grupos portugueses que queiram entrar no Brasil a associarem-se a parceiros locais com experiência nesse mercado, “o que facilita o aculturamento à dinâmica brasileira”. E inclusive a permitir a sua entrada no capital da empresa para poderem adaptar o projeto à escala do gigante mercado do Brasil.
“Nem sempre o empresário português está disposto a ter sócios para gerar escala nos negócios. Esse é um ponto cultural que pode mudar e facilitar o crescimento das empresas portuguesas no Brasil. É algo que tenho percebido que é uma questão cultural e que aos poucos tem de ser desenvolvida para diminuir essa questão de o português não querer sócios. Têm percebido que para crescer têm de se expandir e, para isso, precisam de sócios capitalistas e com experiência nos negócios desses países. No Brasil ter um sócio local facilita muito”, conclui.
No que toca ao comércio, confirmando o desequilíbrio histórico da balança comercial, as exportações portuguesas para o Brasil renderam 2.815,6 milhões de euros em 2023, ao passo que as importações totalizaram 4.161,3 milhões. Segundo o INE, o Brasil foi o 12º melhor cliente de Portugal (quota de 1,3%), em especial nos produtos agrícolas (quase metade do total), veículos e outro material de transporte, produtos alimentares, máquinas e aparelhos e produtos químicos. E ocupou a 7ª posição nas compras nacionais (quota de 3,5%), sobretudo de combustíveis, produtos agrícolas e alimentares, metais e madeira e cortiça.
“Tem como complementar [esse portefólio de produtos] e esse é o novo objetivo da Câmara de Comércio e Indústria Luso – Brasileira, em colaboração com a [portuguesa] AICEP e com a Apex [Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos]: diversificar setores para que a qualidade dos negócios aumente. Há muitas oportunidades para o crescimento do comércio, principalmente na área da tecnologia e da prestação de serviços”, vaticina Otacílio Soares.
Prémio “Aproxima Portugal – Brasil”
A 12 de setembro, a CCILB vai celebrar “Os Melhores de 2023” com a entrega do prémio “Aproxima Portugal – Brasil”. Numa cerimónia agendada para o Pátio da Galé, em Lisboa, a iniciativa contará com 200 convidados e vai distinguir a ação de um conjunto de “personalidades impulsionadoras da cooperação luso-brasileira”, num total de 12 categorias, que vão desde a exportação e do empreendedorismo ao turismo, cultura, responsabilidade social e ambiental ou relações internacionais.
Veja a lista completa de premiados:
- Jorge de Melo (Sovena)
- Zeferino Ferreira Costa (Instituto Pernambuco)
- Rijarda Aristóteles (Clube Mulheres de Negócios em Língua Portuguesa)
- Nuno Guedes Vaz Pires (blue Travel, Gula e Revista de Vinhos)
- Paula Amorim (Galp) e Francisco Gomes Neto (OGMA – Grupo Embraer)
- Jorge Rebelo de Almeida (Vila Galé), Rubens Menin (Menin Douro Estates)
- Miguel Setas (Grupo CCR)
- Luís Faro Ramos e Raimundo Carreiro (Embaixadores de Portugal no Brasil e do Brasil em Portugal, respetivamente)
- Marco Stefanini (Grupo Stefanini)
- Estado de Minas Gerais
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Investidores brasileiros “namoram” setor financeiro e da saúde em Portugal
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