Vendas de elétricos abrandam na Europa. Preços, carregadores e China são travões

Os fabricantes de veículos elétricos têm adiado planos e investimentos face a uma procura menos pujante, na Europa mas também nos Estados Unidos.

O panorama para os veículos elétricos na Europa já foi mais sorridente. A indústria europeia está com dificuldades em baixar os custos de produção e a competir com os fabricantes chineses, ao mesmo tempo que a criação de uma estrutura de carregamento que dê conforto aos consumidores se mantém um desafio. Para já, os modelos híbridos impõem-se como alternativa.

O setor automóvel está a experienciar recuos significativos no que toca à produção e venda de veículos elétricos“, considera Eduardo Ferreira de Lemos, responsável pela área de Energia na Bain&Company. As perspetivas de adesão a este tipo de veículos são agora “menos claras” tendo em conta fatores tão variados como o “cenário económico sombrio, a investigação da União Europeia em relação aos subsídios chineses a elétricos e uma procura mais contida“, assim como “o declínio residual dos preços“, resume o diretor sénior de Empresas e Análise da Fitch, Cigdem Cerit.

As vendas de carros elétricos ainda crescem, mas a ritmos decrescentes, sobretudo nos últimos meses“, relata o economista sénior do Banco Carregosa. 12% dos registos de veículos na Europa, em julho de 2024, eram referentes a veículos elétricos a bateria, mas “a curva de adoção está claramente a ficar mais plana”, indica por sua vez o diretor da Fitch. A S&P Global afirma que os fabricantes norte-americanos têm também reportado um abrandamento nas vendas dos veículos 100% elétricos.

A Bain&Company assinala que “muitos países, em particular na Europa, reduziram ou removeram os subsídios para a compra de elétricos“. Foi o caso da Alemanha, que terminou com os apoios em 2024, “levando a uma quebra significativa”, neste que é “o maior mercado de veículos elétricos na Europa”.

"Precisamos que os carros elétricos acessíveis comecem a penetrar os segmentos de entrada.”

Eduardo Ferreira Lemos

Responsável pela área de Energia na Bain&Company

Em paralelo, os preços teimam em não baixar. “Está ainda a ser muito difícil produzir carros elétricos e respetivas baterias a um custo menor” pelo que os “fabricantes de veículos elétricos ainda não conseguiram lançar modelos a preços mais acessíveis, travando a massificação”, explica Paulo Rosa. “A total eletrificação dos automóveis só será possível com preços bem mais acessíveis“, refere. “Precisamos que os carros elétricos acessíveis comecem a penetrar os segmentos de entrada, que estão muito pouco explorados no mundo ocidental em comparação com a China”, reforça a Bain&Company.

Outro fator de retração na procura, assinala o mesmo analista, são os custos de empréstimo elevados e, finamente, “uma infraestrutura de carregamento insuficiente“. De acordo com Eduardo Lemos, “a lenta implementação” na Europa de diplomas como a Regulação de Infraestruturas para Combustíveis Alternativos (AFIR, na sigla em inglês) está a atrapalhar a implementação de estações de carregamento. “Há consumidores interessados, mas que não compram modelos elétricos porque não conseguem carregar os veículos em casa ou têm receios de que a rede pública de carregadores disponíveis seja ainda insuficiente“, alerta Paulo Rosa.

Como consequência, os produtores estão a recalibrar os planos nesta área. “As grandes fabricantes de veículos elétricos estão a ser forçadas a repensar as suas estratégias“, assinala Paulo Rosa, Economista sénior do Banco Carregosa. A Ford cancelou os planos de comercialização de um novo veículo totalmente elétrico e adiou a data de lançamento de um novo modelo de carrinha elétrica por dois anos, para o final de 2027, “para poupar nos custos da tecnologia da bateria”, aponta a S&P Global, citando a própria empresa. A empresa reportou, em julho deste ano, uma perda de 1,1 mil milhões de dólares no segmento de elétricos, depois de em abril ter declarado uma perda de 1,3 mil milhões de dólares.

Também a General Motors e a Mercedes-Benz adiaram os seus planos no que concerne à produção de carros elétricos. A primeira anunciou em julho o adiamento, por seis meses, para meados de 2026, a construção de uma fábrica dedicada exclusivamente ao segmento elétrico. A segunda registou uma quebra de 35% nas vendas destes veículos, no segundo trimestre. Até os “campeões” dos carros elétricos parecem estar em maus lençóis, nomeadamente a Tesla: o segundo trimestre ficou marcado por uma quebra de 45% nos lucros.

China é ameaça e tarifas não resolvem

A China é uma das ameaças. “A indústria automóvel europeia, sobretudo alemã, é cada vez mais ameaçada pela forte concorrência dos fabricantes de automóveis chineses”, observa Paulo Rosa, classificando a indústria chinesa como “robusta” e “competente”. O gigante asiático “tem colocado pressão nas margens de lucro e impactado a competitividade dos produtores europeus e norte-americanos“, identifica Eduardo Ferreira de Lemos. Os fabricantes alemães deparam-se com custos mais altos, tanto no que diz respeito aos salários mais elevados como às matérias-primas necessárias.

Face aos preços conseguidos pela China, a Comissão Europeia iniciou uma investigação a subsídios entregues pelo Estado chinês aos fabricantes de veículos elétricos instalados no país. Concluiu existir uma “subsidiação injusta” que estaria a “ameaçar os produtores destes veículos na União Europeia”. Avançou com uma tributação adicional sobre a importação destes veículos, a título provisório, e que poderá tornar-se definitiva em outubro — decorrem, de momento, as negociações. Vão de 17% a 36,3%, salvo exceções. Também o Canadá deverá avançar com tarifas no final deste ano.

"É a indústria automóvel que tem um grave problema nas mãos e não são as tarifas que a vão salvar.”

Paulo Rosa

Economista Sénior do Banco Carregosa

O economista sénior do Banco Carregosa é perentório: “É a indústria automóvel que tem um grave problema nas mãos e não são as tarifas que a vão salvar“. A Fitch também não atribui grande relevância a estas sanções: “É pouco provável que afetem materialmente o panorama competitivo na Europa no curto-prazo, tendo em conta o abrandamento na procura por carros elétricos”, indica Cigdem Cerit. O maior risco, identifica, é uma retaliação do lado chinês que incida sobre outro tipo de veículos, o que poderia afetar a Alemanha mais duramente.

Mas os efeitos não “param” na produção. A redução do investimento em elétricos e em inovação nesta área “levou a cadeia de valor das baterias a adaptar-se, e as empresas de mineração e refinação [de lítio, um minério base para as baterias] a recuar na escala dos respetivos planos”, alerta a Fitch. Além disso, a cadeia global sai afetada do contexto geopolítico, tendo em conta as restrições ao comércio e a menor disponibilidade de materiais chave provenientes da Ásia, assinala Eduardo Lemos. Já no seio da Europa, os anseios ambientais das populações estão a barrar o caminho a novas unidades de produção de baterias, acrescenta.

Híbridos ganham

As perspetivas de médio prazo para a adoção de veículos elétricos são menos claras” face ao atual cenário, considera a Fitch. Já a Bain&Company espera que a adoção de veículos elétricos volte a acelerar “à medida que os avanços tecnológicos reduzam os custos“. Políticas mais exigentes no que toca às emissões poluentes e elétricos a preços mais acessíveis deverão resultar numa “penetração significativa” destes veículos até 2030, da China aos Estados Unidos, passando pela Europa, prevê a mesma entidade. E, ao mesmo tempo que muitos fabricantes se retraem, outros estão de momento a lançar investimentos em novos modelos e na produção, ressalva.

"As perspetivas de médio prazo para a adoção de veículos elétricos são menos claras.”

Cigdem Cerit

Diretor sénior de Empresas e Análise da Fitch

Para já, os modelos híbridos parecem estar a tomar a dianteira. Ao mesmo tempo que a Ford está a cancelar investimentos em elétricos, está a mudar o foco para modelos híbridos. O CEO, Jim Farley, afirma que o portefólio híbrido da empresa, a nível global, deverá crescer 40% até ao final do ano, depois de um aumento de 36% no primeiro trimestre e de 34% no segundo. Um cenário semelhante é vivido na Mercedes-Benz: as vendas de híbridos subiram 27% no segundo trimestre, em contramão com o segmento 100% elétrico. Nos Estados Unidos, enquanto caem as vendas de veículos elétricos, estão a subir as de veículos híbridos plug-in. Enquanto não vingam os veículos elétricos, o foco estará “nos híbridos e outros carros mais acessíveis”, conclui Paulo Rosa.

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