“Dizer que há um modelo único para semana de trabalho 4 dias é completamente errado”, dizem coordenadores do piloto
"Mudou tudo nos últimos anos, mas continuamos a trabalhar da mesma forma". Foi assim que Pedro Gomes arrancou a audição. Coordenadores do piloto à semana de quatro dias frisam que não há modelo único.
Os coordenadores do projeto-piloto da semana de trabalho de quatro dias defenderam esta quinta-feira, numa audição parlamentar, que é “completamente errado” considerar que um único modelo de redução do tempo de trabalho funcionará para todas as empresas, em todos os setores. Pedro Gomes e Rita Fontinha sublinharam também que o modelo adequado deve ser encontrado “de baixo para cima”, isto é, com o envolvimento dos trabalhadores. Quanto ao futuro, recomendaram que se continue a experimentar, sem fixar na lei, e sugeriram que até no setor da saúde seria interessante testar a semana de trabalho mais curta.
O teste português à semana de quatro dias arrancou no verão do ano passado. Durante seis meses, 21 empresas experimentaram a semana de quatro dias, tendo o relatório final sido publicado em junho deste ano pelo Instituto do Emprego e Formação Profissional (IEFP).
Já esta quinta-feira, os coordenadores foram chamados ao Parlamento para explicarem aos deputados da comissão de Trabalho os resultados deste projeto-piloto.
“A semana de trabalho de quatro dias não é apenas porque devemos trabalhar menos para ser mais felizes. Todas as mudanças estruturais que aconteceram nas últimos 30 ou 40 anos… Mudou tudo, mas continuamos a trabalhar da mesma forma. Não nos soubemos adaptar às mudanças estruturais”, começou por sublinhar Pedro Gomes, que é também autor do livro sobre o mesmo tema “Sexta-feira é o novo sábado”.
O também professor universitário salientou ainda que as tais 21 empresas implementaram de forma diferente a semana de trabalho de quatro dias, o que “é natural” tendo em conta que as funções nos vários setores de atividade têm características, diversas. “Demos um quadro branco para que as empresas encontrassem o seu modelo“, explicou Pedro Gomes.
Na mesma linha, Rita Fontinha defendeu que dizer que one size fits all é “completamente errado” e realçou que mesmo dentro de uma empresa podem ser adotados vários modelos, para os vários departamentos, consoante as características das funções.
Por outro lado, quanto aos resultados do projeto-piloto, Rita Fontinha adiantou que os lucros das empresas não caíram e a saúde mental dos trabalhadores registou “melhorias significativas”, tendo detalhado que as mulheres, as pessoas com filhos e os trabalhadores com salários mais baixos foram quem mais valorizou a semana de trabalho mais curta.
As mulheres valorizam muito mais do que os homens, as pessoas com filhos ou enteados também valorizam mais, e as pessoas que auferem menos de 1.100 euros também. Tem que ver com o custo do tempo.
No que diz respeito, especificamente, aos lucros das empresas, importa notar que, de acordo com o relatório final, mais de 70% das organizações que participaram no piloto registaram um aumento. Em média, o salto foi de 12%. “É importante salientar que estes dados não indicam que os lucros aumentaram devido à implementação da semana de quatro dias, mas sugerem que a adoção da mesma não está associada a um desempenho negativo nas receitas ou nos lucros“, lê-se no relatório.
À parte destes resultados, Pedro Gomes deixou um recado: é a reorganização do trabalho que dá viabilidade à semana de quatro dias, isto é, não basta reduzir as horas de trabalhar, é preciso, por exemplo, criar tempos de foco, apostar em reuniões mais curtas e abraçar as ferramentas tecnológicas que ampliam a produtividade.
Conforme escreveu o ECO em junho, a maioria das empresas que participaram neste projeto-piloto decidiu manter a semana de trabalho mais curta. Nessa altura, Pedro Gomes destacou ao ECO como “indicador mais interessante” – em linha com a mensagem deixada esta tarde no Parlamento – o facto de ter sido entre as empresas que fizeram mais mudanças aos seus processos que o teste à semana de trabalho mais curta correu melhor.
Menos absentismo e menos rotatividade geram poupança
Os deputados da Comissão de Trabalho aproveitaram a audição desta quinta-feira para questionar os coordenadores do referido piloto sobre o impacto efetivo na economia. Rita Fontinha explicou, citando também o exemplo do teste feito no Reino Unido, que as empresas poupam com a redução da semana mais curtas porque há uma “grande redução do absentismo”, mas também uma “grande redução da rotatividade”.
Nesse sentido, Pedro Gomes acrescentou que um trabalhador a trabalhar quatro dias durante cinco anos é mesmo mais vantajoso para uma empresa do que um que esteja durante um ano a trabalhar cinco dias por semana, porque “quanto mais tempo está na empresa, sabe resolver melhor os problemas“.
Por ouro lado, alguns deputados criticaram a amostra do piloto, uma vez que foi composta por empresas que se voluntariaram, em vez de terem sido escolhidos para representarem a economia portuguesa.
Sobre isto, Pedro Gomes adiantou que ter uma amostra aleatória exigiria dar subsídios às empresas participantes, o que custaria 40 milhões de euros ao Estado. “Optamos por uma outra forma de avaliação. Optamos por trabalhar com as empresas que queriam, mas sem subsídio“, disse.
Os problemas do SNS são precisamente aqueles que a semana de quatro dias pode resolver.
Já quanto ao futuro, o professor defendeu que “ainda é cedo” fixar a semana de trabalho de quatro dias na lei e recomendou que se continue a experimentar em diferentes setores em Portugal, o que até pode incluir a Função Pública. “Se houver acordo e luz verde, pode avançar [na Administração Pública]”, argumentou. O Governo anterior chegou a indicar que tal aconteceria, mas o novo Executivo não tem dado sinais nesse sentido.
Sobre o setor público, Pedro Gomes deixou um desafio: “Teria muito interesse” haver um teste num hospital. “Os problemas do SNS são precisamente aqueles que a semana de quatro dias pode resolver”, garantiu o coordenador. Nesse âmbito, seria preciso fazer uma reorganização do trabalho, uma adoção da inteligência artificial e eventualmente um aumento dos trabalhadores, esclareceu o mesmo.
Rita Fontinha revelou que inclusivamente houve “muitos centros de saúde” que mostraram interesse em participar no piloto que decorreu no último ano, mas não conseguiram avançar, porque este esteve limitado ao setor privado.
Numa última mensagem, a coordenadora assinalou que é preciso prudência quanto ao futuro, para que a redução da semana de trabalho seja feita de forma sólida.
Notícia atualizada às 19h19
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