Ano de guerra em Gaza trouxe “crise humanitária, diplomática e moral”
"Há algo fundamentalmente errado na forma como esta guerra está a ser conduzida", disse Guterres, para quem proibir a atividade da UNRWA "seria uma catástrofe que se somaria ao que já é um desastre".
A guerra em Gaza significou para o mundo “um ano de crises”, a nível humanitário, político, diplomático e moral, lamentou esta terça-feira o secretário-geral da ONU, António Guterres, prevendo a entrada do conflito numa fase “atroz e abominável”.
Gaza “tornou-se o marco zero para um nível de sofrimento humano difícil de conceber”, afirmou o secretário-geral à imprensa, em Nova Iorque, antes de se focar nos deslocamentos massivos – como o caso de uma família forçada a mudar-se seis vezes –, as mortes de mulheres e crianças, de jornalistas, assim como nos ataques a hospitais e escolas. “Há algo fundamentalmente errado na forma como esta guerra está a ser conduzida”, avaliou Guterres.
O ex-primeiro-ministro português dedicou especial atenção à Agência da ONU para os Refugiados Palestinianos (UNRWA), que está prestes a ser declarada ilegal pelo parlamento israelita, após ter sido superado o primeiro procedimento parlamentar. O líder das Nações Unidas disse ter escrito pessoalmente uma carta ao primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu – que não responde às suas tentativas de contacto há um ano – para expressar a sua séria preocupação com o futuro da UNRWA, “a espinha dorsal da resposta humanitária em Gaza”.
Guterres alertou Israel que proibir a UNRWA “iria diametralmente opor-se à Carta das Nações Unidas e violaria as obrigações de Israel ao abrigo do direito internacional”, porque “as leis nacionais não podem alterar essas obrigações”. Na carta, o secretário-geral afirma que proibir as atividades da UNRWA “seria uma catástrofe que se somaria ao que já é um desastre absoluto”, o que também complicaria a situação política, uma vez que a conduziria a uma maior instabilidade e insegurança.
Além disso, António Guterres alertou contra a extensão do conflito ao Líbano e a outras regiões vizinhas, e equiparou a situação no Médio Oriente a “um barril de pólvora com muitas partes a segurar o fósforo”. O líder da ONU frisou que ainda há tempo para parar a escalada no Líbano, apesar dos bombardeamentos em áreas civis, do deslocamento de milhares de pessoas e das incursões terrestres de Israel em resposta aos ataques aéreos do Hezbollah.
Guterres quis também prestar homenagem aos “homens e mulheres da UNIFIL (missão da ONU no sul do Líbano) que servem naquele que é hoje o ambiente mais complicado para capacetes azuis em qualquer lugar do mundo”. “Todas as partes devem garantir a sua segurança” a esses quase 10.000 agentes, afirmou.
Israel pediu à UNIFIL que evacuasse parte das suas posições na área perto da fronteira, mas a missão recusou-se a cumprir essas ordens, acrescentando um novo fator de tensão entre Israel e a ONU. Além disso, Guterres apelou a um maior compromisso internacional com o Líbano no capítulo financeiro, uma vez que dos 426 milhões de dólares (467,4 milhões de euros) necessários para responder ao apelo humanitário, apenas 12% foram arrecadados.
Finalmente, o chefe da ONU reiterou mais uma vez o seu apelo ao cessar-fogo tanto em Gaza como no Líbano, assim como à libertação incondicional dos reféns detidos pelo Hamas e à entrada imediata de assistência humanitária aos habitantes de Gaza, que foi dificultada por numerosos obstáculos impostos por Israel.
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