Carlos Lobo: “O nosso sistema de contabilização de caixa é medieval”
Reunidos na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, vários especialistas em Finanças Públicas identificaram as principais dificuldades do sistema de contas português.
Os incentivos à gestão do dinheiro público estão ao contrário, há dogmas que devem ser quebrados, a informação leva demasiado tempo a chegar às mãos do ministro das Finanças e falta uma conta patrimonial das administrações públicas. As críticas ao atual sistema de contabilidade pública são muitas e comuns a vários dos especialistas que se reuniram esta quinta-feira, na conferência “Reforma das Finanças Públicas em Portugal,” em Lisboa.
“A não consignação [da despesa] é um princípio de desresponsabilização,” defendeu Carlos Lobo, ex-secretário de Estado dos Assuntos Fiscais. “Se desintegramos a receita da despesa, como é que tomamos boas decisões financeiras?”, questionou.
Para o especialista, o problema deste princípio de base, seguido nas contas públicas portuguesas, é que ao separar a receita dos fins a que se destina, o responsável pela coleta passa a ser avaliado apenas pelo valor que consegue arrecadar, sem que se tenha em conta os impactos que pode provocar. Do mesmo modo, quem está responsável pela despesa passa a ser avaliado em função dos montantes que executa: “Quer é gastar o máximo que puder, sem justificação”, diz Carlos Lobo. “Isto é só um simples exemplo de dogmas que têm de ser alterados,” frisou.
Carlos Lobo, um “sonhador”, como disse Hélder Reis, ex-secretário de Estado do Orçamento e atual assessor da Presidência da República, lançou outra ideia para debate “que é o sonho de todos os ministros das Finanças”: o ministro ter em tempo real, no seu computador, o exato ponto de situação da execução orçamental.
“O desfasamento temporal entre as estatísticas e o conhecimento da realidade impede que algumas decisões sejam tomadas a tempo. O sistema deve evoluir para que tudo [o reporte em contas públicas e nacionais] seja feito pelo Ministério das Finanças” e, depois, deve haver uma autoridade oficial a certificar.
(…) É essencial assegurar aos cidadãos que os seus representantes são efetivamente responsáveis pelo desempenho e pelos resultados alcançados.
Vítor Caldeira, presidente do Tribunal de Contas, foi ainda mais longe: “É fundamental que se confira ao gestor público a informação de que necessita para a tomada de decisões eficientes do ponto de vista financeiro”, mas também “é essencial assegurar aos cidadãos que os seus representantes são efetivamente responsáveis pelo desempenho e pelos resultados alcançados.”
Mas ainda não é tudo: a ausência de uma conta patrimonial das administrações públicas, que permita dar conta da evolução dos ativos públicos, enviesa os incentivos para determinadas medidas. Por exemplo: não há um cadastro dos territórios nacionais, o que prejudica a implementação de uma política florestal, defendeu Carlos Lobo. Mas “não temos cadastro porque o Estado, como não tem qualquer interesse em ter os ativos no balanço, também não tem interesse em criar valor nos seus ativos”, argumenta o especialista. E o mesmo com os edifícios públicos que precisam de ser reabilitados, garante: se os reabilitar vai aumentar a despesa, mas o ganho com o aumento de valor destes edifícios não é registado.
O nosso sistema de caixa, que é um sistema medieval, significa que o Estado só pode gastar o dinheiro que tem, é um sistema de conta corrente.
E remata: “O nosso sistema de caixa, que é um sistema medieval, significa que o Estado só pode gastar o dinheiro que tem, é um sistema de conta corrente.”
Vítor Caldeira, presidente do Tribunal de Contas, explicou que a “substituição do tradicional modo de enquadramento orçamental, até aqui assente num sistema centralizado, anual e de caixa, por um modelo de governação que potencia a descentralização e que aposta no enquadramento plurianual da política orçamental” terá várias vantagens:
- conferir maior previsibilidade aos recursos disponíveis;
- incrementar a responsabilidade de todos os que intervêm no processo de execução orçamental
- e reforçar a eficácia das políticas públicas.
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