Garantia pública não assegura casa para a maioria dos jovens

Nem com a ajuda da garantia pública a maioria dos jovens conseguirá comprar casa em Lisboa, no Porto e em mais de dois terços dos 24 municípios mais populosos. Mas há quem seja beneficiado.

A garantia pública está quase a ser disponibilizada aos jovens que pretendam comprar a primeira casa. Margarida Balseiro Lopes, ministra da Juventude e Modernização, reiterou que a medida “vai estar em pleno funcionamento” até ao final do ano junto de 17 instituições financeiras. A expectativa é, por isso, muita entre os futuros jovens proprietários com menos de 35 anos que veem nesta medida uma forma de contornar as parcas poupanças que acumularam e que se revelam insuficientes para dar como entrada de um crédito à habitação. No entanto, o preço elevado das habitações e os baixos rendimentos limitam o impacto da medida.

Segundo a Portaria que regula esta medida (publicada a 27 de setembro), vão poder beneficiar desta garantia os jovens entre os 18 e 35 anos, com domicílio fiscal em Portugal e rendimentos até ao 8.º escalão do IRS. Os candidatos não podem ser proprietários de outro imóvel habitacional e o valor da transação não pode exceder os 450 mil euros. A garantia do Estado incidirá sobre 15% do valor da transação, permitindo assim que os bancos financiem a totalidade do valor do imóvel, salvaguardando que esta percentagem seja “ajustada para um valor proporcionalmente inferior no caso de a instituição de crédito financiar menos de 100% do valor da transação”, refere ainda a Portaria.

A garantia pública permitirá assim financiar a totalidade de uma habitação sem recorrer a capitais próprios ou a créditos pessoais (tradicionalmente com taxas bastante elevadas) para dar como entrada num empréstimo à habitação. Porém, nem tudo são rosas.

“Acredito que a medida da garantia pública, embora positiva, terá um impacto limitado no mercado, especialmente para os jovens até 35 anos”, refere Ricardo Sousa, CEO da Century 21 Portugal. O responsável desta rede de imobiliária sublinha que “o verdadeiro desafio de acesso à habitação para esta faixa etária está muito mais ligado aos seus baixos rendimentos e à precariedade laboral, que são barreiras significativas para a compra de casa.”

Essa realidade é espelhada por um rendimento salarial médio mensal líquido de apenas 926 euros dos trabalhadores por conta de outrem entre os 18 e os 35 anos, segundo dados do Instituto Nacional de Estatística (INE).

Quem pretender financiamento a 100% dispensando a entrega de poupança para dar entrada na casa [recorrendo à garantia pública] terá uma prestação mais elevada, tendo de cumprir na mesma as regras dos limites de taxa de esforço e maturidades. Ou seja, poderá ser uma medida que beneficia apenas um nicho dentro do segmento de jovens.

Ricardo Guimarães

Diretor da Confidencial Imobiliário

Isso faz com que, na melhor das hipóteses, considerando as condições atuais do mercado e já usufruindo da garantia pública, um jovem com estes rendimentos só consiga, atualmente, obter um crédito à habitação até 82 mil euros, e desde que o contrato seja celebrado pelo prazo máximo de 40 anos por forma a cumprir a exigência do Banco de Portugal em matéria de taxa de esforço – isto é, não ultrapassar o limite do rácio de debt service-to-income (DSTI) das medidas macroprudenciais do supervisor, que determina que o conjunto das prestações de créditos não deve ultrapassar 50% do rendimento líquido do mutuário.

Estes números revelam que mesmo com o apoio da garantia pública, continua a ser muito complicado para a maioria dos jovens comprarem casa em Lisboa, no Porto ou na grande maioria dos 24 municípios mais populosos do país.

Segundo cálculos do ECO, com base nos rendimentos médios dos jovens e no preço médio de venda das casas no terceiro trimestre do Confidencial Imobiliário, apenas em Barcelos é que um jovem com rendimentos salariais médios de 926 euros consegue comprar uma casa com o apoio da garantia pública, mas desde que o imóvel não ultrapasse os 60 metros quadrados de área disponível.

Nota: Se está a aceder através das apps, carregue aqui para abrir o gráfico.

É certo que o passo de comprar casa é muitas vezes feito em casal, havendo dois mutuários do crédito à habitação e por isso também um rendimento disponível superior. No entanto, em virtude do atual preço das casas e dos baixos salários praticados em Portugal, a situação não é muito diferente.

Segundo dados do Confidencial Imobiliário, as casas vendidas no terceiro trimestre em Portugal continental foram transacionadas por um preço médio de 2.572 euros o metro quadrado. Significa que um imóvel com 85 metros quadrados, por exemplo, foi negociado no mercado, em média, por cerca de 219 mil euros.

Um jovem casal que aufere salários líquidos de 1.000 euros (8% acima da média nacional), que gera um rendimento líquido do agregado familiar de 2.000 euros, só consegue atualmente contratualizar um crédito à habitação de 194 mil euros no máximo (por forma a cumprir com o limite do DSTI definido pelo Banco de Portugal). O que significa que a compra de uma casa de 85 metros quadrados torna-se inviável para a grande maioria dos jovens, pois o financiamento é 11% inferior ao preço médio dessa casa.

Esta realidade financeira cria um cenário desafiante para os mais jovens que aspira a tornarem-se proprietários nos centros urbanos mais populosos. Municípios como Almada, Amadora, Loures, Maia, Matosinhos, Odivelas, Sintra, Seixal, Vila Nova de Gaia e Oeiras, além das metrópoles de Cascais, Lisboa e Porto, tornam-se praticamente inacessíveis para muitos jovens casais, mesmo com a ajuda da garantia pública. E isto assumindo já um limite máximo de 50% da taxa de esforço do agregado familiar. Porque se fosse considerada a taxa de esforço recomendada — com a prestação da casa a não ultrapassar um terço do rendimento disponível do agregado familiar — então seria completamente impossível um jovem casal comprar casa com a ajuda da garantia pública em mais de dois terços dos 24 municípios mais populosos de Portugal continental.

Nota: Se está a aceder através das apps, carregue aqui para abrir a tabela.

Os jovens e as regiões que beneficiam com a garantia pública

Apesar das limitações impostas pelos baixos rendimentos dos jovens e pelo elevado preço das casas em Portugal, a nova medida da garantia pública, em que o Estado entra como fiador até 15% do crédito à habitação, poderá revelar-se útil para uma franja específica de jovens, sobretudo quando combinada com isenções no pagamento de IMT e IS.

Trata-se de um grupo de potenciais proprietários que, embora não tenha poupanças suficientes para cobrir a entrada inicial na compra de uma casa por via do financiamento bancário, possui rendimentos que lhes permitem suportar a prestação mensal do crédito sem ultrapassar o rácio da DSTI de 50% exigida pelo Banco de Portugal ou, preferencialmente, manter a taxa de esforço do agregado familiar abaixo dos 33%.

Desde a implementação em agosto da isenção do pagamento do IMT e do Imposto do Selo, a medida já gerou uma poupança acumulada de 25 milhões de euros para os jovens que avançaram na compra de habitação, segundo dados do Ministério das Finanças.

Este apoio, que reduz os custos iniciais de aquisição da habitação, é uma das iniciativas complementares à garantia pública. Em conjunto, estas medidas procuram responder à dificuldade de jovens com rendimentos intermédios, mas estáveis, que estão em posição de assumir uma prestação compatível com os seus rendimentos e dentro dos limites regulamentares.

Não me parece que esta medida [garantia pública] em concreto contribua para uma subida dos preços, até porque estes têm vindo a subir consecutivamente de há anos a esta parte.

Rui Torgal

CEO da ERA Portugal

Ainda assim, o impacto da garantia pública e das isenções fiscais é inevitavelmente condicionado pelo preço das habitações. Em municípios mais acessíveis estas medidas poderão ser suficientes para viabilizar a compra de uma primeira casa. Já em zonas urbanas de maior pressão imobiliária, como Lisboa ou Cascais, onde o preço do metro quadrado é de quase 5 mil euros, ou em Oeiras e Porto, onde as casas vendidas no terceiro trimestre foram transacionadas por valores entre os 3 mil e os 4 mil euros o metro quadrado, as condições financeiras exigidas para a compra de casa estão fora do alcance da maioria dos jovens, mesmo com todas as ajudas adicionais.

“A garantia permite, de facto, contratar um empréstimo a 100%, mas este vai estar na mesma indexado ao rendimento dos jovens e a uma determinada taxa de esforço”, salienta Ricardo Guimarães, diretor da Confidencial Imobiliário. “Na prática, quem pretender financiamento a 100% dispensando a entrega de poupança para dar entrada na casa terá uma prestação mais elevada, tendo de cumprir na mesma as regras dos limites de taxa de esforço e maturidades. Ou seja, poderá ser uma medida que beneficia apenas um nicho dentro do segmento de jovens”, diz.

Assim, para uma parte dos jovens que se encontram na “margem” do mercado imobiliário, as medidas podem representar uma oportunidade concreta de aquisição de habitação. Este grupo inclui casais com rendimentos conjuntos que lhes permitem obter um crédito compatível com os requisitos do Banco de Portugal, e que, por estarem dispostos a procurar alternativas fora dos centros urbanos, podem aceder a imóveis mais económicos.

No entanto, a abrangência destas políticas continua a ser limitada, estando a sua eficácia dependente das características do mercado imobiliário local e da capacidade financeira individual dos jovens. O efeito da garantia pública deverá ser assim circunscrito, não se prevendo alterações significativas na dinâmica dos preços na generalidade do mercado

“Não me parece que esta medida em concreto contribua para uma subida dos preços, até porque estes têm vindo a subir consecutivamente de há anos a esta parte”, antecipa Rui Torgal, CEO da ERA Portugal, sublinhando que “a principal causa para este aumento contínuo verificado no mercado imobiliário português pende-se tão-somente com a falta de casas disponíveis no mercado devido à falta de construção nova registada nos últimos 20 anos.”

Além disso, Ricardo Guimarães revela que “os jovens são uma fatia relativamente pequena da procura de habitação, pelo que o impacto no mercado como um todo é relativamente reduzido, especialmente do ponto de vista de equilíbrio dos preços”, destacando que “a questão estrutural a influenciar os preços continua a ser a falta de oferta.”

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