Martifer volta a desmantelar navios nos estaleiros de Aveiro

Três anos após perder a licença, a Navalria prepara-se para recuperar a reciclagem de navios e quer embarcações maiores. CCDR Centro já emitiu Declaração de Impacte Ambiental favorável condicionada.

A Navalria prepara-se para retomar a operação de reciclagem de navios nos estaleiros que ocupam uma área concessionada pelo Porto de Aveiro, que já tinha exercido entre 2012 e 2021. Mais de três anos depois de ter visto caducar o alvará como operador de gestão de resíduos, a empresa comprada em janeiro de 2008 pelo grupo Martifer está agora na fase final da renovação da licença para voltar a acolher navios para reciclagem, agora com dimensões superiores, embora mantendo a construção e reparação naval como principais atividades.

A Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR) do Centro confirma ao ECO que já “foi emitida Declaração de Impacte Ambiental (DIA) favorável condicionada para o projeto” apresentado, mas adverte que a Navalria “só pode [executá-lo] quando tiver sido emitida a respetiva licença de exploração”. O que ainda depende do aval à conformidade ambiental do projeto de execução e de outros no âmbito da prevenção e controlo da poluição, recursos hídricos ou operações de tratamento de resíduos.

Para poder receber navios de dimensões superiores às do passado, na área total a licenciar para a atividade de reciclagem é incluída a totalidade das infraestruturas específicas para receção e processamento naval (docas, construção, reparação e reciclagem). Segundo a descrição do projeto incluída na DIA, consultada pelo ECO, “a área a afetar à unidade de reciclagem de navios será de 21.022 metros quadrados, ou seja, 2,1 dos 12,46 hectares” do estaleiro aveirense, sendo estimada ainda uma produção anual de 10.700 toneladas de resíduos.

“Da avaliação realizada verifica-se a existência de impactes positivos significativos ao nível da emissão de gases com efeito de estufa, na medida em que se perspetiva uma redução da emissão devido ao processo de reaproveitamento dos materiais a realizar a posteriori. Destaca-se ainda a oportunidade que o projeto promove ao nível de potenciar a reciclagem de navios existentes na Ria de Aveiro, inutilizados nos cais e em degradação, atualmente em situação de passivo ambiental”, lê-se nas conclusões do Estudo de Impacte Ambiental da unidade de reciclagem de navios da Navalria.

Da pesca do bacalhau à descontaminação

Fundada em 1978 para responder às necessidades de reparação e manutenção dos navios pesqueiros da região de Aveiro, nomeadamente da pesca do bacalhau, na década seguinte, aproveitando a expansão da indústria que levou os armadores a investirem na renovação de frotas associou-se aos estaleiros de São Jacinto para aumentar a capacidade de construção de embarcações em aço. Até que nos anos 1990, o desinvestimento sucessivo na área do mar e das pescas refletiu-se na construção, e a empresa que integra atualmente a sub-holding Martifer Metallic Constructions passou nessa altura a dedicar-se apenas à manutenção e reparação.

Foi em 2009 — um ano após ser comprada pelo grupo fundado pelos irmãos Carlos e Jorge Martins, que juntou mais tarde também a subconcessão dos Estaleiros Navais de Viana do Castelo através da West Sea — que a Navalria se associou a um consórcio espanhol para o projeto europeu “Life + Recyship”, ficando com a descontaminação e desmantelamento de navios em fim de vida. O licenciamento como operador de gestão de resíduos permitiu ao estaleiro aveirense exercer a atividade de reciclagem em embarcações até um máximo de 104 metros de comprimento, 6,5 metros de largura e 6,5 metros de calado. Até ser excluída da lista europeia, culpando nessa altura o Estado pela transposição do regulamento e pela perda de encomendas internacionais.

Volvidos cerca de três anos, a Administração do Porto de Aveiro (APA), uma das entidades que foram consultadas diretamente pela CCDR Centro, emitiu parecer favorável ao projeto. A entidade liderada por Eduardo Feio frisou que o licenciamento para o desmantelamento e reciclagem “de modo ambientalmente correto e sustentável” possibilitará “pôr fim a situações de risco para o ambiente, provocadas por navios abandonados ao cais ou em fim de vida, e libertar infraestruturas há muito ocupadas e necessárias à operação portuária”.

A existência de “várias embarcações de pesca em fim de vida aguardando desmantelamento” foi também sublinhada na fase de consulta pública, que terminou a 16 de julho, por entidades como a Câmara de Comércio e Indústria do Distrito de Aveiro (AIDA) ou a ADAPI – Associação dos Armadores das Pescas Industriais, que representa 36 empresas e notou que não têm condições para serem levadas para outros estaleiros no estrangeiro, devidamente licenciados.

No primeiro semestre deste ano, em que o lucro do grupo aumentou 26% para 11,5 milhões de euros, os rendimentos operacionais na indústria naval ascenderam a 50,9 milhões, perto de 90% acima do período homólogo, com a construção a representar 62% e a reparação os restantes 38% neste segmento de negócio.

A 30 de junho, a carteira de encomendas da Martifer no ramo naval totalizava 484 milhões de euros. Um valor que inclui a adjudicação à Navalria, já em 2024, da construção de dois barcos para a Tomaz do Douro: “esteticamente aproximados aos tradicionais rabelos”, com 26,8 metros de comprimento e 6,74 metros de boca, e com capacidade para 148 passageiros sentados e dois tripulantes.

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