Tesla entra na corrida ao robôtaxi. Portugal está fora por falta de legislação

  • ECO
  • 11:55

Os serviços de mobilidade sem condutor já são uma realidade em alguns países. Em Portugal, a legislação continua a não permitir veículos autónomos, nem mesmo para investigação.

Protótipo do futuro robotaxi da Tesla.Tesla

Uma das várias visões de Elon Musk passa por um futuro em que somos transportados nas cidades por um serviço de carros autónomos, sem condutor, pedais ou volante. Esse futuro ficou um pouco mais próximo com a apresentação recente pela Tesla do seu projeto de robôtaxi, mas os desafios até ver a luz do dia são muitos. Um deles é a falta de regulação, de que Portugal é um exemplo e impede até a realização de projetos de investigação.

A Tesla apresentou o seu projeto de robôtaxi no evento “We, Robot”, no passado dia 10 de outubro. O modelo “cybercar” de Elon Musk já chega tarde à corrida. Empresas como a Waymo, da Google, e a Cruise, da General Motors, já operam nos Estados Unidos e a Baidu na China.

O veículo autónomo da Tesla, anunciado há duas semanas, é baseado no modelo Y da marca, contém apenas dois lugares, não tem volante nem travões e o carregamento do veículo, segundo explicou o empresário no evento, não será por “plug in”, mas por carregamento indutivo, o que necessita de infraestruturas para providenciar esse carregamento. Este modelo da Tesla só usará câmaras no sistema autónomo de condução, o que reduz os custos de produção mas também a segurança. A Zoox, subsidiária da Amazon, também já apresentou o seu modelo nos Estados Unidos, mas ainda não iniciou as viagens comerciais.

Em Portugal, não há nenhum projeto robôtaxi a ser posto em prática nem está prevista a sua comercialização, pois, segundo o Código da Estrada, todos os veículos que circulem nas vias públicas têm de ter um condutor legalmente habilitado para tal. Logo, os níveis três, quatro e cinco de condução autónoma da Sociedade de Engenheiros de Automóveis (SAE- sigla em inglês) não podem circular em território nacional, visto que não requerem o controlo total do condutor para conduzir o veículo.

Para os especialistas, a legislação é um dos entraves mais importantes para a adoção desta tecnologia. “A responsabilidade em caso de acidente tem de ser assumida por alguém e há assim necessidade de legislação, que no meu entender deve ser feita a nível da Europa e transposta para cada país. Nessa legislação a prioridade é proteger as pessoas”, afirma João Falcão e Cunha, professor do Departamento de Engenharia e Gestão Industrial, da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto.

"A falta de regulamentação está a impedir que a investigação e desenvolvimento nesta área em Portugal possam progredir e aumentar a economia neste setor”

Susana Sargento

Professora no departamento de eletrónica, telecomunicações e informática da Universidade de Aveiro

Susana Sargento, professora no departamento de eletrónica, telecomunicações e informática da Universidade de Aveiro, aponta que a falta de legislação também causa impedimentos na área científica – “a falta de regulamentação está a impedir que a investigação e desenvolvimento nesta área em Portugal possam progredir e aumentar a economia neste setor” – e refere que afeta o projeto em que está inserida, o Route25, por impedir testes reais com veículos autónomos. “Neste projeto adquirimos veículos autónomos na nossa instituição, no Instituto de Telecomunicações (Aveiro), mas temos grandes dificuldades em realizar testes reais com os veículos”, explica a investigadora. Este projeto, financiado pela União Europeia através do Plano de Recuperação e Resiliência, visa desenvolver tecnologias digitais e soluções de condução autónoma para veículos assistidos e autónomos, e facilitar a sua adoção pelo mercado em geral.

Além da legislação, outros entraves são as vias inacessíveis por carro e a informação errada e incompleta dos mapas. “A informação sobre vias muito estreitas não consta em geral dos mapas que temos”, refere o professor João Falcão e Cunha. Para a professora Susana Sargento, “as infra-estruturas de estrada também têm de ser melhoradas com faixas específicas, numa primeira fase, para estes veículos”. Nuno Jardim Nunes, professor e fundador do Instituto de Tecnologias Interativas do Técnico de Lisboa declara que “o principal obstáculo é garantir o seu funcionamento seguro num contexto urbano real muito complexo. Uma coisa é ter um robôtaxi a circular numa zona residencial ou mesmo de escritórios com pouco tráfego e com condições bem definidas”, “outra é termos um robôtaxi a tentar-se movimentar no bairro alto ou em zonas de grande intensidade de tráfego e com velocidades médias altas e sem segregação de modos de transporte, como infelizmente é o caso em grande parte das nossas cidades”.

Os especialistas não acreditam que os serviços de condução autónoma sejam uma solução viável para a mobilidade nas cidades e meios urbanos, destacando antes a importância de investir em meios de transporte públicos e coletivos. Também não acreditam que o serviço de robôtaxis, quando aplicado em Portugal, leve as pessoas a abandonarem os veículos próprios. “Há uma tendência nas cidades para haver progressivamente menos pessoas com o seu próprio carro. Os robôtaxis também teriam um contributo, mas baixo”, explica o professor João Falcão e Cunha. O professor Nuno Jardim Nunes indica que “as soluções para a mobilidade baseadas em carros particulares (sejam a combustão, elétricos ou partilhados – tipo Uber/Bolt) não são soluções sustentáveis para uma mobilidade urbana sustentável. Um carro é um carro, seja partilhado ou autónomo e o que temos que fazer é promover formas de mobilidade coletiva mais sustentáveis e que gerem menos poluição e congestionamentos”.

Os investigadores pensam que esta tecnologia não será adotada rapidamente em Portugal. “Nos Estados Unidos há uma abertura muito maior para os veículos autónomos, e essa generalização poderá ser uma realidade ainda esta década. Para Portugal e países europeus será muito mais difícil”, refere a professora Susana Sargento.

Nos Estados Unidos, já estão em operação os carros da Waymo e da Cruise, desde 2022, nas cidades de São Francisco, Phoenix, Los Angeles e Austin. Após um acidente com um modelo da Cruise, a empresa foi obrigada a retirar os carros, mas já foram repostos em maio deste ano. Nem a Waymo, nem a Cruise utilizam veículos próprios no serviço dos robôtaxis, apenas desenvolveram e adaptaram o software de condução autónoma a veículos existentes como os Hyundai, na Cruise, e os Jaguares elétricos, no caso da Waymo.

Na China – o país com mais patentes registadas de carros autónomos desde 2021, – a Baidu lançou o seu serviço há dois anos e conta com 500 veículos nas cidades de Pequim, Cantão, Xangai, Wuhan, Chongqing e Shenzhen.

Na Europa, a empresa croata Rimac anunciou em julho o seu projeto de robôtaxi, que segundo a empresa vai começar a circular em 2026 em Zagreb. Depois da estreia, a Rimac espera expandir para outras cidades europeias, inicialmente no Reino Unido e Alemanha, e também para o Médio Oriente. O veículo segue a mesma política da Tesla, sem volante ou pedais, com dois lugares e portas deslizantes, mas ao contrário da marca americana, além de câmaras, tem sensores lidar que permitem detalhar o ambiente ao redor do carro, detetando pedestres, outros veículos e animais.

A Rimac está também a desenvolver “mother ships”, estações onde os veículos serão inspecionados, reparados e limpos antes de voltarem a operar. A empresa croata desenvolve e produz carros desportivos elétricos, sistemas de transmissão e sistemas de bateria para empresas automóveis. Na Croácia não há regras que proíbam explicitamente o uso de veículos autónomos de nível 3 a 5 em vias públicas, sendo que as licenças de teste estão sujeitas ao consentimento prévio do Ministério de Assuntos Internos.

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