Valorização das carreiras no Estado ainda deixa de fora trabalhadores das escolas e da saúde
Técnicos do INEM, do diagnóstico e pessoal não docente exigem aumentos salariais e ameaçam com protestos se o Governo não lhes der um tratamento igual a outras profissões da Função Pública.
Professores, funcionários judiciais, forças de segurança (Polícia de Segurança Pública e Guarda Nacional Republicana), guardas prisionais, forças armadas, enfermeiros e médicos já alcançaram acordos com o Governo de Luís Montenegro para a valorização das suas carreias. Mas não basta. Outras classes menos ouvidas da Função Pública continuam a fechar escolas e a perturbar o funcionamento de hospitais e centros de saúde com manifestações e greves.
Estabelecimentos de ensino não abrem sem auxiliares de educação, o socorro pode estar em risco sem técnicos do INEM. Análises clínicas e vários tipos de tratamento deixam de se realizar se não houver técnicos superiores de diagnóstico e terapêutica.
Já foi assinado o acordo plurianual para a valorização da Administração Pública 2025-2028, que prevê um aumento, para 2025, de 56,58 euros para quem ganha, neste momento, 2.620,23 euros mensais brutos e de 2,15% para quem tem vencimentos superiores. Os incrementos remuneratórios vão beneficiar todas as carreiras, no entanto, há classes profissionais do Estado que também querem ver reconhecidas as suas especificidades e reivindicam valorizações extraordinárias à semelhança das que o Governo de Luís Montenegro aprovou para docentes, polícias, militares, enfermeiros ou médicos.
Técnicos do INEM exigem um aumento superior a 500 euros no ordenado de entrada
Recentemente, o Executivo acabou por ceder à pressão do Sindicato dos Técnicos de Emergência Pré-Hospitalar (STEPH), do INEM (Instituto Nacional de Emergência Médica), mas foram precisos nove dias de greve às horas extraordinária e mortes para que a ministra da Saúde, Ana Paula Martins, se sentasse à mesa com a estrutura sindical para iniciar a revisão da carreira.
Neste momento, o salário de entrada começa nos 922,47 euros brutos mensais, estando equiparado à base remuneratória dos assistentes técnicos das carreiras gerais, e o presidente do STEPH, Rui Lázaro, não irá aceitar uma proposta que avance apenas dois ou três níveis remuneratórios, como já afirmou. Ao ECO, o dirigente sindical revelou que a proposta que entregou ao ministério passa pela fixação da base remuneratória “acima dos 1.400 euros” mensais brutos. Isto significa um aumento, no mínimo, de 516,15 euros para o nível 17 da Tabela Remuneratória Única (TRU) que corresponde a um salário bruto mensal de 1.438,62 euros.
A reivindicação está mais ou menos em linha com o que foi negociado com os enfermeiros, uma vez que a tutela acordou uma valorização destas carreiras que passa pela subida do salário mínimo desta profissão dos 1.333,35 euros mensais brutos (nível 15) para os 1.491,25 euros (nível 18). Para o presidente do STEPH, “é natural este alinhamento até porque os enfermeiros que trabalham no INEM têm um nível de exigência semelhante aos técnicos de emergência pré-hospitalar”. “Apesar disso, a nossa estrutura remuneratória está muito afastada”, lamenta.
Há abertura para negociar com o Governo patamares mais baixos de valorização, mas Lázaro lembra que o BE já entregou uma iniciativa no Parlamento que coloca a base remuneratória no nível 13 da TRU, isto é, nos 1.228,09 euros. “Por isso, nunca aceitaremos uma proposta do Governo abaixo dos 1.200 euros”, avisa.
Esta é uma profissão muito desvalorizada. Os técnicos de emergência pré-hospitalar têm uma abnegação extrema à missão por 922 euro por mês. A greve foi um grito de revolta.
“Esta é uma profissão muito desvalorizada. Os técnicos de emergência pré-hospitalar têm uma abnegação extrema à missão por 922 euros por mês. A greve foi um grito de revolta”, frisou.
Para além dos aumentos salariais, a estrutura sindical defende ainda uma reformulação da carreira que deverá passar a designar-se “técnico de emergência médica como nos outros países da Europa em vez de técnico de emergência pré-hospitalar”. As três categorias de técnico, coordenador operacional e coordenador geral devem ser eliminadas, sendo criadas outras cinco: “técnico de emergência médica estagiário, técnico de emergência médica, técnico de emergência especialista, técnico de emergência supervisor e técnico de emergência gestor”, de acordo com a proposta que o sindicato remeteu à tutela.
A formação, que é da exclusiva responsabilidade do INEM, “tem de passar para as instituições de ensino superior de forma a permitir a obtenção de grau académico com vista a chegar à carreira de medicina”, indica Rui Lázaro que exige ainda “um novo sistema de avaliação, específico para a carreira”.
Face à carência de trabalhadores, uma vez que existem “pouco mais de 700 face aos 1.480 que deveriam estar no quadro”, o Ministério já se comprometeu “a contratar 200 funcionários e, no futuro, abrir um novo aviso para recrutar mais 200”, referiu. O dirigente sindical explicou que “não é possível admitir, no imediato, os 400 trabalhadores, porque o INEM não tem capacidade para formar tanta gente ao mesmo tempo”, explicou. Na próxima reunião com o Ministério da Saúde, marcada para dia 21, o sindicato espera obter uma contraproposta da tutela ao caderno reivindicativo que foi apresentado.
Técnicos de diagnóstico e terapêutica querem valorização idêntica à dos enfermeiros
Depois de greves em várias Unidades Locais de Saúde (ULS) em julho e agosto, por não contarem corretamente os pontos de avaliação, e de quatro dias de paralisação a nível nacional, em setembro, os técnicos superiores de diagnóstico e terapêutica esperam que, “até ao final do mês de novembro, o Ministério da Saúde arranque com as negociações para a valorização da carreira à semelhança do que já fez para outras carreiras especiais como a dos enfermeiros”, indicou ao ECO o presidente do Sindicato Nacional dos Técnicos Superiores de Diagnóstico e Terapêutica (STSS), Luís Dupont. Caso contrário, o dirigente sindical admite “novas formas de luta, incluindo manifestações e greves”.
Apesar desta carreira ter sido revista em 2022, através de uma iniciativa do Parlamento, “a tabela remuneratória encontra-se desatualizada comparativamente com a de técnico superior da carreira geral e com a de enfermeiro”, refere Dupont. O salário de entrada de um técnico superior de diagnóstico começa no nível 15, o que corresponde a um vencimento mensal ilíquido de 1.333,35 euros, enquanto o ordenado mínimo de um técnico superior da carreira geral arranca no patamar 16, o que dá 1.385,99 euros por mês, de acordo com o sistema remuneratório da Administração Pública para 2024.
Os enfermeiros também estavam no nível remuneratório 15, mas a recente assinatura de acordo para a valorização da carreira permitiu elevar esse patamar, já com efeitos em novembro, para o número 18 da Tabela Remuneratória Única (TRU), o que fez crescer a base salarial desta profissão em 157,9 euros para 1.491,25 euros face aos 1.333,35 euros que estavam em vigor. Nos próximo anos e até ao final da legislatura, a carreira de enfermagem terá novas valorizações, de forma faseada, até o ordenado de entrada desta profissão atingir o nível 21, isto é, os 1.649,15 euros da TRU atual.
Exigimos ver uma atualização da tabela remuneratória da nossa carreira à luz dos princípios das carreiras especiais da saúde, nomeadamente a dos enfermeiros.
“Exigimos ver uma atualização da tabela remuneratória da nossa carreira à luz dos princípios das carreiras especiais da saúde, nomeadamente a dos enfermeiros”, defende o dirigente sindical. Mas o objetivo não é ficar nos 1.649,15 euros (nível remuneratório 21) para o salário de entrada, mas sim “chegar ao nível 23”, o que se traduz num vencimento de 1.754,41 euros, “tal como reivindicaram os enfermeiros”, salienta Luís Dupont. “Vamos ver até onde conseguimos nas negociações”, assinalou.
Outra das matérias que o sindicato pretende ver “rapidamente resolvida” é “a correta contagem dos pontos para avaliação de desempenho dos técnicos pelas várias instituições do Serviço Nacional de Saúde e do setor empresarial do Estado, designadamente os hospitais”, referiu o líder do STSS.
Em 2018, quando houve o descongelamento das carreiras da Função Pública, “o Ministério das Finanças e a DGAEP – Direção-Geral da Administração e do Emprego Público consideraram que o sistema de avaliação dos técnicos superiores de diagnóstico, que dá 1,5 pontos com satisfaz e -1 com não satisfaz, tinha caducado”, relata o sindicalista. “Desde então, várias instituições não têm dado o ponto e meio a quem teria direito, atribuindo só um ponto ou nenhum”, denuncia, exigindo que, no âmbito das negociações com a tutela, “esta matéria seja clarificada”. “Temos inclusivamente vários tribunais a dar razão aos trabalhadores, por isso, queremos que todos os pontos sejam contados com efeitos retroativos a 2018″, sublinha.
Mas o sindicato quer passar a ser “avaliado pelo novo SIADAP, porque é muito mais vantajoso”. Enquanto o regime dos técnicos de diagnóstico é trianual, exige 10 pontos para progredir na carreira e apenas tem duas menções (satisfaz que dá 1,5 pontos e não satisfaz que dá -1), o novo sistema integrado de gestão e avaliação do desempenho na Administração Pública (SIADAP) é anual, requer oito pontos para subir uma posição remuneratória e tem cinco classificações: excelente que dá três pontos; muito bom que atribui dois; bom com 1,5 pontos; regular com um ponto; e, na menção adequado, o trabalhador tem zero pontos, deixando de existir pontos negativos.
Pessoal não docente pede carreira especial como na saúde
O pessoal não docente das escolas públicas do ensino básico e secundário é outra das classes profissionais da Função Pública que têm sido pouco ouvidas pelo Executivo de Luís Montenegro. A 4 de outubro, realizou uma greve nacional convocada pela Federação Nacional dos Sindicatos dos Trabalhadores em Funções Públicas e Sociais (FNSTFPS), afeta à CGTP.
“Até agora, só tivemos uma reunião como o Ministério da Educação no dia 3 de julho, onde entregámos o nosso caderno reivindicativo. Estava marcada uma outra para 28 de agosto, mas o ministro demarcou e não tivemos mais reposta da tutela”, lamenta Artur Sequeira, dirigente da FNSTFPS com a coordenação da pasta da educação.
A federação sindical exige a criação de carreiras especiais, com melhores salários, para os assistentes operacionais, que passariam a auxiliares de ação educativa, e para os assistentes técnicos que iriam integrar a carreira de assistente administrativo de administração escolar, à semelhança do que já aconteceu na saúde, com a implementação da carreira de técnico auxiliar de saúde, para onde transitaram os assistentes operacionais, e da de técnico auxiliar de saúde principal, que absorveu os assistentes técnicos que trabalham nos hospitais e centros de saúde.
De lembrar que, até 2008, estes trabalhadores tinham carreiras especiais, sendo designados de auxiliares de ação educativa, nos estabelecimentos de ensino, tal como havia a carreira de auxiliar de ação médica, no SNS. Mas a reforma do Governo socialista de José Sócrates extinguiu estas categorias e os funcionários passaram para as carreiras gerais em 2009, perdendo as valorizações específicas das suas funções.
A reposição destas carreiras é uma reivindicação antiga dos sindicatos. Com o anterior Governo socialista, de António Costa, foi possível criar a carreira especial para os auxiliares de saúde, mas, no caso da educação, não houve avanços.
Assim, o salário de entrada dos assistentes operacionais do SNS, que correspondia ao ordenado mínimo do Estado, de 821,83 euros, passou para 869,84 euros, com a criação da carreira de técnico auxiliar de saúde. No caso dos assistentes operacionais na categoria de encarregado, o vencimento, que começava nos 961,40 euros, subiu para 1.228,09 euros mensais brutos com o estabelecimento da nova carreira de técnico auxiliar de saúde principal.
Mas não foram atendidas todas as reivindicações do pessoal da saúde, uma vez que os sindicatos também defendem uma carreira especial para os assistentes técnicos do SNS. Com a criação desta carreira, estes trabalhadores passariam a designar-se de técnicos secretários clínicos. A este respeito, foi lançada uma petição pelo Sindicato dos Profissionais Administrativos da Saúde que vai ser discutida na Assembleia da República, depois do debate do OE2025 na especialidade, uma vez que ultrapassou as 7.500 assinaturas necessárias para poder ser apreciada em plenário.
A 29 de novembro, dia da votação final global do Orçamento do Estado, a federação vai entregar no Parlamento uma petição pela criação de carreiras especiais para os trabalhadores não docentes.
É este tipo de valorização que a FNSTFPS pretende ver refletida nos assistentes operacionais das escolas e nos assistentes técnicos. Mas Artur Sequeira está pessimista, indicando que, na reunião de julho, com o ministro da Educação, Fernando Alexandre, “não houve abertura para criar novas carreiras especiais”.
O secretário-geral da Federação dos Sindicatos da Administração Pública (Fesap), José Abraão, tem outra visão. “No acordo plurianual para a valorização da Administração Pública que assinámos com o Governo, há uma cláusula que determina a análise dos conteúdos funcionais das carreiras com especificidades que justifiquem a densificação e/ou especialização”, indica o dirigente da estrutura sindical afeta à UGT. É neste âmbito que se poderá “negociar uma carreira especial” para o pessoal não docente, defende.
Na proposta que entregou ao Governo, a Fesap exige a criação da carreira de técnico auxiliar de educação, que irá absorver os assistentes operacionais, a de técnico administrativo de educação para os assistentes técnicos, e a de técnico superior de educação para onde deverão passar os técnicos superiores.
A federação sindical ligada à CGTP tem ainda outras reivindicações que colocou em cima da mesa, designadamente “o fim da precariedade, o aumento do número de trabalhadores e a exclusividade de funções nos estabelecimentos de ensino”, matérias que o ministro admitiu analisar. O dirigente da FNSTFPS revela que, “com a passagem destes trabalhadores para as autarquias, no âmbito da descentralização de competências, aumentaram os recibos verdes e o recurso a desempregados do IEFP através de contratos emprego inserção que dão uma bolsa mínima e ajudas de custo para os transportes”. Perante esta realidade, “nem o Ministério sabe quantos trabalhadores não docentes têm as escolas”, critica.
Outra das práticas que o sindicalista quer combater é “o uso abusivo destes trabalhadores por parte das câmaras”. “Nos períodos não letivos, alguns municípios costumam requisitar os funcionários para outras tarefas que, assim, andam a pulular de um sítio para o outro, por isso, defendemos a exclusividade de funções nas escolas”, acrescentou.
A federação sindical tem enviado várias missivas à tutela para marcar uma reunião e avançar com as negociações, mas, até ao momento, não obteve resposta. “Caso se mantenha em silêncio, vamos ao Ministério da Educação, informando com antecedência que queremos reunir. Se não formos recebidos, vamos apresentar uma queixa à comissão de educação do Parlamento contra o ministro, acusando-o de colocar em causa a negociação coletiva”, ameaçou Artur Sequeira.
Para já, estão afastadas novas greves, mas, caso a tutela vire completamente as costas, o sindicato admite novos protestos. O dirigente sindical lembra ainda que, “a 29 de novembro, dia da votação final global do Orçamento do Estado, a federação vai entregar no Parlamento uma petição pela criação de carreiras especiais para os trabalhadores não docentes”.
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