Aumento extra nas pensões pode passar à revelia do Governo
PS insiste num aumento extra permanente das pensões a partir de janeiro, que pode ser viabilizado pela oposição. Governo só admite 'bónus' extraordinário, "caso as condições económicas o permitam".
O Orçamento do Estado poderá sair da discussão na especialidade com uma alteração de fundo sobre um tema que se tornou uma bandeira para a oposição: o aumento extraordinário das pensões, que poderá ser aprovado contra a vontade do Governo. No IRC, o PS acabou por dizer que viabiliza a descida de um ponto percentual, depois do PSD colocar em cima da mesa a possibilidade de avançar com um corte de dois pontos.
A proposta orçamental do Governo avança com o aumento regular em janeiro, previsto na lei das pensões, o que significa que as pensões até cerca de mil euros terão um acréscimo de 3,10% no arranque de 2025, de acordo com cálculos do ECO. Isto porque a ministra do Trabalho revelou esta sexta-feira que prevê que o Indexante dos Apoios Sociais (IAS) aumentará 3,10% no próximo ano, passando dos atuais 509,26 euros para 525,05 euros.
No entanto, a Aliança Democrática (AD), coligação que junta os dois partidos que suportam o Governo – PSD e CDS -, apresentou no âmbito da especialidade uma proposta para verter na lei para o próximo ano o compromisso assumido pelo Executivo de Luís Montenegro de um ‘bónus’ extraordinário para os pensionistas “caso as condições económicos e financeiros” o permitam. A proposta não define, contudo, concretamente o que o Ministério das Finanças entende por condições que o permitam.
AD quer verter na lei do Orçamento para o próximo ano o compromisso assumido pelo Governo de um ‘bónus’ extraordinário para os pensionistas “caso as condições económicos e financeiros” o permitam.
Porém, os pensionistas poderão ter mais do que um ‘bónus’ no próximo ano, uma vez que o PS avançou com a proposta para uma atualização extraordinária de forma estrutural e permanente para as pensões até aos 1.566 euros, o que corresponde a três Indexantes dos Apoios Sociais (IAS) em 1,25 pontos percentuais, acima da atualização regular de janeiro. A medida, avançada pelo ECO, que o partido já tinha levado às negociações orçamentais, foi anunciada esta sexta-feira pela líder parlamentar socialista, Alexandra Leitão.
O aumento suplementar e permanente, que o PS assume como uma das três medidas essenciais, permite dar até mais 275 euros aos reformados, no conjunto do próximo ano, segundo as simulações apresentadas pelo grupo parlamentar socialista, que estima um impacto de 265 milhões de euros, o que, garante, não porá em causa as contas públicas.
“O saldo orçamental definido nesta proposta de Orçamento é de um saldo positivo de 863 milhões de euros e que corresponde ao objetivo de 0,3% de excedente. Com as projeções do Conselho das Finanças Públicas (CFP) teremos um crescimento do PIB maior em 2024, o que terá um efeito de arrastamento no saldo de 2024, que será de 0,6% e, no próximo ano, o CFP e a Comissão Europeia indicam que o saldo será de 0,4%”, explicou o antigo do secretário de Estado dos Assuntos Fiscais socialista, António Mendonça Mendes. Ou seja, segundo o parlamentar há mais 314 milhões disponíveis para continuar a assegurar um saldo de 0,3%.
PS avançou com uma proposta de atualização extraordinária de forma estrutural e permanente para as pensões até aos 1,566 euros.
O ministro das Finanças, Joaquim Miranda Sarmento, reiterou, contudo, que a AD não irá aprovar a proposta “por uma questão de cautela” e no sentido de “não criar mais despesa” permanente e estrutural. “Entendemos que não é o momento de um aumento [das pensões]”, afirmou o governante durante a audição parlamentar sobre o OE2025.
Contudo, a proposta do PS pode mesmo ver a luz do dia, passando com a abstenção do Chega, tal como aconteceu com viabilização das alterações ao IRS introduzidas pelos socialistas. O partido de André Ventura já entregou uma proposta de alteração ao OE2025 semelhante à do PS, que determina uma subida extraordinária de 1,5% para reformas até 1.018,52 euros mensais brutos. Também o BE e o PCP apresentaram propostas para um aumento extraordinário, partidos que a par do Livre e do PAN são tradicionalmente favoráveis à melhoria das reformas.
A AD procura, assim, pressionar os socialistas. “O PS parece estar baralhado. O secretário-geral [Pedro Nuno Santos] critica facilitismos, mas depois apresenta essas propostas”, afirmou o líder parlamentar social-democrata, Hugo Soares, acrescentando que se a proposta passar “a cumplicidade entre Chega e PS está à vista”.
Proposta socialista poderá assegurar 92 votos: 78 do PS, 5 do BE, 4 do PCP, 4 do Livre e um do PAN. Ainda assim, seriam insuficientes para viabilizar o diploma, porque são precisos pelo menos 116. Com o voto favorável ou a abstenção dos 50 parlamentares do Chega, a aprovação estaria garantida.
Para passar, a proposta do PS precisa de somar aos 78 votos do PS, o voto favorável ou a abstenção dos 50 parlamentares do Chega. A abstenção favorece sempre o lado com mais votos e o PSD, com 78 lugares, o CDS, com dois, e a IL, com oito, perfazem 88, ou seja, menos do que os 92 de toda a esquerda junta.
A Iniciativa Liberal (IL) já assumiu que aumentos adicionais das pensões não estão entre as prioridades do partido. “Não é, neste momento, uma prioridade da IL fazer aumentos adicionais às pensões. Recordo que, nas pensões, existe uma fórmula de aumento aplicável todos os anos, têm crescido”, disse.
PS viabiliza descida do IRC para 20%
Outro tema que gerou discórdia foi a descida do IRC. PSD e CDS avançaram na sexta-feira com uma proposta para uma descida de dois pontos percentuais na taxa do imposto, caso o corte de um ponto, previsto no Orçamento do Estado, não fosse viabilizado pelo PS.
Para conseguir um compromisso com Pedro Nuno Santos, o Governo de Luís Montenegro teve de ceder em várias matérias: retirar a sua proposta de IRS Jovem que iria custar mil milhões de euros e aprofundar o modelo existente, que dá abstenções faseadas, da autoria do PS, e recuar na descida do IRC em dois pontos, de 21% para 19%.
No que diz respeito ao IRC, o Governo acabou por inscrever uma proposta de baixa do imposto de apenas um ponto, de 21% para 20%. Mas a bancada do PS mantém-se totalmente contra uma “diminuição transversal do imposto”, afirmou esta sexta-feira a líder parlamentar, Alexandra Leitão, durante a apresentação das propostas de alteração do PS para o OE. O ECO apurou mesmo que a indicação é para os socialistas votarem contra a redução do IRC.
“O PS nunca escondeu e afirmou repetidamente que essa não é a nossa visão para o IRC. A nossa visão é de que a economia deve ter reduções seletivas e não uma diminuição transversal”, defendeu Leitão. Aliás, lembrou a deputada, “foi por causa desse um ponto que não houve acordo com o PS para este Orçamento”.
O PS nunca escondeu e afirmou repetidamente que essa não é a nossa visão para o IRC. A nossa visão é de que a economia deve ter reduções seletivas e não uma diminuição transversal. Foi por causa desse um ponto que não houve acordo com o PS para este Orçamento.
Tomada esta posição, PSD e CDS ameaçaram aprovar uma redução mais acentuada do IRC em dois pontos para pressionar o PS a abster-se na proposta de descida de um ponto, que consta da proposta orçamental.
“Vamos apresentar uma proposta de redução de dois pontos percentuais do IRC. Esta proposta só será viabilizada pelos grupos parlamentares da Aliança Democrática se a solução de compromisso que consta no Orçamento de redução do um ponto não for aprovada, revelou esta sexta-feira o líder parlamentar do Hugo Soares em conferência de imprensa, no Parlamento. Assim, se a redução de um ponto do IRC for chumbada, “os grupos parlamentares do PSD e CDS votarão a favor da proposta”, porque terá “legitimidade”, defendeu.
O social-democrata rejeitou qualquer “jogada política” e atirou: “Trata-se de uma questão muito simples. Temos tido ocasião de ouvir dirigentes destacados do PS a dizer que são contra a descida de IRC. Temos de ser responsáveis”. “Quando vemos o PS a dizer que não acompanha a descida de um ponto, então a AD sente-se legitimada em apresentar a sua proposta inicial”, reforçou.
Para Hugo Soares, “o PS tem todas as condições para viabilizar a descida do IRC em um ponto”. “Remeto apenas para as razões indicadas pelo PS para a viabilização do Orçamento do Estado e, perante essas razões, não parece que essa situação esteja em causa”, sublinhou. Ainda assim, e acautelando um eventual chumbo por parte do PS à descida do IRC em um ponto, de 21% para 20%, o PSD vai entregar uma proposta de redução do imposto em dois pontos.
Vamos apresentar uma proposta de redução de dois pontos percentuais do IRC. Esta proposta só será viabilizada pelos grupos parlamentares da Aliança Democrática se a solução de compromisso que consta no Orçamento de redução do um ponto não for aprovada.
O desacordo em relação ao IRC acabaria por ser sanado já na noite de sexta-feira, com o PS a garantir a viabilização da proposta para uma descida de um ponto percentual, com críticas ao Governo, acusando-o de protagonizar uma “manobra política infantil e irresponsável”. “
“O PS anunciou que ia viabilizar o Orçamento do Estado para 2025, que incluía a redução de um ponto percentual no IRC [de 21‰ para 20%]. Portanto, não inviabilizará essa redução na especialidade“, indicou o grupo parlamentar do PS numa nota enviada à Lusa.
Mesmo que o PS votasse contra o alívio fiscal em um ponto, a proposta do Governo deveria ter a aprovação garantida com o apoio do Chega. O partido de André Ventura admitiu esta sexta-feira viabilizar reduções mais modestas do IRC face à sua proposta de descida de dois pontos. Ou seja, os 50 deputados do Chega poderão votar favoravelmente a baixa do IRC do Governo em ponto, assegurando assim a sua aprovação.
Para além das pensões, a proposta dos grupos parlamentares da AD para a redução do IVA das touradas para a taxa mínima de 6% vai agravar ainda mais as tensões entre PS e os partidos que suportam o Governo. Para o líder da bancada do CDS, Paulo Núncio, trata-se de “acabar com a discriminação entre os vários espetáculos de natureza artística” que já beneficiem da tributação reduzida. “Esta proposta acaba com esta discriminação criada pelo Governo socialista”, defendeu o parlamentar, indicando que a redução do IVA dos bilhetes das touradas terá um impacto do lado da perda de receita de “cerca de um milhão de euros por ano”.
Foi precisamente o Governo socialista de António Costa que revogou a taxa reduzida da tauromaquia e inscreveu, no Orçamento do Estado para 2020, um agravamento do imposto para a taxa máxima, de 23%. A proposta contou com os votos favoráveis do PS, BE e PAN. PCP, PSD E CDS votaram contra e o Iniciativa Liberal e o Chega abstiveram-se.
O prazo para a entrega das propostas de alteração ao Orçamento do Estado para 2025 termina esta sexta-feira. Até às 20h43, deram entrada, na Assembleia da República, 2.212 iniciativas: 70 do PSD, 69 do CDS, 42 do PS, 637 do Chega, 79 da IL, 301 do BE, 512 PCP, 264 do Livre e 238 do PAN, segundos os registos do site do Parlamento. Trata-se de um novo recorde. No Orçamento do Estado para 2024, foram apresentadas mais de 1.900 propostas.
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