Matti Leppälä, secretário-geral e CEO do PensionsEurope, considera que o PPR europeu está muito longe de se tornar uma solução para os investidores e para as pensões na Europa.
Os fundos de pensões em Portugal e na Europa enfrentam desafios significativos ao mesmo tempo que se revelam como um dos pilares para contornar a pressão que se faz sentir sobre as contas da Segurança Social.
Em Portugal, o setor tem sofrido um forte revés dos investidores, que só nos últimos dois anos reduziram em 48% a subscrições dos Plano Poupança-Reforma (PPR) sob a forma de fundos, seguros e fundos de pensões. Para Matti Leppälä, secretário-geral e CEO da PensionsEurope, este chumbo das famílias aos produtos para a reforma pode ser atribuído, principalmente, à natureza voluntária do sistema e à limitada capacidade de poupança dos cidadãos.
No entanto, Leppälä nota também que para contornar esta tendência descendente é crucial os fundos de pensões, o Plano Poupaça-Reforma e restantes produtos desenhados para construir um complemento reforma terem uma maior transparência, especialmente em contextos de baixa literacia financeira como sucede em Portugal.
“Todos os fundos de pensões precisam de ser transparentes, explicar e permitir que as pessoas vejam e comparem”, destaca Leppälä em entrevista exclusiva ao ECO à margem da sua participação no II Fórum da Gestão do Investimento e das Pensões, promovido pela Associação Portuguesa de Fundos de Investimento, Pensões e Patrimónios (APFIPP).
E nesta discussão, os Produtos Pan-Europeus de Pensões Pessoais (PEPP) são um tema central. Porém, o CEO da PensionsEurope considera que “o PEPP não vai ser uma grande solução para as pensões na Europa”, desde logo por continuar a enfrentar obstáculos como limites de custos muito baixos, questões fiscais e requisitos de proteção contra a inflação, resultando em uma implementação lenta.
Para os Estados é importante olhar para o futuro a longo prazo, ver os desafios e questões relacionados com uma provisão de reforma adequada e planear os sistemas de forma holística.
Nos últimos quatro anos, houve uma queda drástica de 60% nas subscrições de Planos Poupança-Reforma em Portugal. Só nos últimos dois anos assistimos a uma queda de 48%. Quais são os motivos para este afastamento dos investidores dos PPR sob a forma de fundos, seguros e fundos de pensões?
Em Portugal, os fundos de pensões são voluntários, o que é um fator importante. Em muitos países existem fundos de pensões obrigatórios ou quase obrigatórios, baseados em acordos coletivos geralmente vinculativos, como nos Países Baixos ou na Dinamarca, o que resulta numa cobertura elevada. Com um sistema voluntário como o de Portugal, a capacidade de poupança é limitada e, para as empresas, oferecer pensões não é fácil. Isto precisa de ser apoiado pela legislação e, em grande medida, pela tributação.
Considera que esta queda significativa das subscrições dos PPR está mais relacionada com a regulamentação, questões fiscais e decisões políticas do que com o desempenho destes produtos?
Pode ser uma causa de tudo isso. As pessoas têm enfrentado desafios económicos, o que limita a sua capacidade de poupança em muitos países, provavelmente também em Portugal. Em alguns níveis, os benefícios não se desenvolveram tão bem como as pessoas gostariam. Num sistema de pensões voluntário, as pessoas podem ter outras prioridades. No entanto, para os Estados é importante olhar para o futuro a longo prazo, ver os desafios e questões relacionados com uma provisão de reforma adequada e planear os sistemas de forma holística.
No entanto, em Portugal, a generalidade dos fundos de pensões e dos outros produtos desenhados para a reforma seguem uma estratégia de investimento muito conservadora que acaba por gerar parcos resultados. Há grandes diferenças nas alocações por ativos dos portefólios entre os países?
Sim, são muito diferentes. A Europa como um todo assume muito menos risco de investimento do que os fundos de pensões americanos. Nos EUA, há muito mais investimentos em ações e os retornos são muito mais altos. Na Europa, muitos países são muito conservadores. Por exemplo, os fundos de pensões alemães investem partes muito pequenas em ações. Preferem investir principalmente em obrigações governamentais ou corporativas. Na Finlândia, mais de 50% dos portefólios dos fundos de pensões estão investidos em ações e uma parte significativa em diferentes alternativas; e os finlandeses procuram aumentar a exposição das carteiras a ações para 60%.
Essa é uma realidade bem diferente do que se passa em Portugal e nos restantes países do sul da Europa.
Sim, a exposição a ações é muito, muito mais baixa. Para alcançar bons retornos é importante assumir riscos de investimento. A questão é quem suporta o risco e se tem capacidade para suportar os riscos. O investimento em ações tem volatilidade a curto ou mesmo a médio prazo. Mas se for um investidor de longo prazo, as ações oferecem retornos muito melhores.
É crucial melhorar a compreensão de que as pensões são investimentos a longo prazo?
Na Europa, o grande desafio atual é canalizar as poupanças existentes para investimentos mais vantajosos, tanto para a economia europeia como para os próprios aforradores. Embora a Europa poupe significativamente, a maioria dessas poupanças está em depósitos bancários. A nova Comissão Europeia está a focar-se nas pensões, tanto ocupacionais como pessoais, visando desenvolvê-las ou incentivar os Estados-Membros a fazê-lo.
No entanto, é importante notar que a capacidade de ação da União Europeia nesta área é limitada, sendo principalmente responsabilidade dos Estados-membros desenvolver os seus sistemas de pensões. O objetivo é encorajar as pessoas a transferir as suas poupanças dos depósitos bancários para investimentos, incluindo fundos de pensões. Este debate está no centro da recém-formada Comissão de Investimento e Concorrência.
As pensões, as poupanças para a reforma e os seus investimentos na economia europeia, incluindo investimentos de risco como startups, capital de risco e private equity, são temas fundamentais nesta discussão. A Comissão pretende assim estimular um ambiente de investimento mais dinâmico e diversificado na Europa, beneficiando tanto a economia como os cidadãos a longo prazo.
Quais são as suas expectativas para a nova Comissão Europeia em relação a estas questões?
Espero que venham com muitas medidas diferentes, mas espero que não tentem obrigar os fundos de pensões a investir em algo específico. Espero que desenvolvam o mercado para haver oportunidades de investimento. Não acho que venham com um novo produto europeu, porque já há muitos produtos e podemos ver pelo PEPP que não é necessariamente bem-sucedido.
Acabámos por ter um PEPP que não funciona. Está no mercado há quase dois anos e não tem expressão. Tem apenas um fornecedor, uma pequena startup na Eslováquia, a oferecer o produto.
Uma das coisas que os investidores têm esperado há muito tempo são os Produtos Pan-Europeus de Pensões Pessoais (PEPP). Qual é a sua visão sobre o papel dos PEPP no mercado português?
Tem sido um projeto longo e diferentes opções foram consideradas antes de ser legislado. Na PensionsEurope, muitos dos nossos membros também fornecem pensões pessoais voluntárias, por isso apoiámos o PEPP, mas queríamos um produto que realmente funcionasse. Porém, acabámos por ter um PEPP que não funciona. Está no mercado há quase dois anos e não tem expressão. Tem apenas um fornecedor, uma pequena startup na Eslováquia, a oferecer o produto.
Por que está a demorar tanto tempo para este produto chegar ao mercado?
Há várias razões. A questão do limite de custos a 1% é crucial, mas também muitos Estados-membros atrasaram-se na implementação do quadro e da legislação. A questão fiscal é crucial. Há questões sobre se é possível transferir as poupanças existentes para o PEPP e se é viável para os prestadores de serviços abrir compartimentos em diferentes países. Também houve o requisito de fornecer proteção contra a inflação. Além disso, os produtos existentes geralmente não se encaixam no PEPP. Por isso, qual é o incentivo para as seguradoras que têm fornecido produtos de pensões pessoais mudarem?
Qual é a sua melhor previsão temporal para quando teremos mais países a adotarem os PEPP e esses produtos serem disponibilizados de forma mais ampla aos investidores?
Vai levar tempo, pois são necessárias mudanças na regulamentação. Mas isto é uma questão de longo prazo. O PEPP não vai ser uma grande solução para as pensões na Europa, mas pensamos que há muitas pessoas que poderiam beneficiar. Trabalhadores móveis poderiam continuar a poupar no mesmo produto. Há muitas pessoas fora do âmbito das pensões ocupacionais, como trabalhadores independentes ou trabalhadores de plataformas, que não são cobertos por pensões ocupacionais.
Na última edição do “global Pension Index”, desenvolvido pela Mercer e pelo Institute de CFA, Portugal aparece como o segundo país com a menor proporção da população em idade ativa como membros de planos de poupança-reforma. Por que acha que isto acontece?
Está relacionado com o design do sistema. Se for um sistema voluntário, como em Portugal, a cobertura tende a ser menor. Em sistemas obrigatórios, é possível atingir até 100% de cobertura. Uma opção intermédia são os sistemas quase obrigatórios baseados em acordos coletivos, como nos Países Baixos ou nos países nórdicos, onde se pode atingir taxas de cobertura muito altas, próximas de 100%.
Por diversas vezes tem enfatizado a importância da transparência nos fundos de pensões e das sociedades gestoras destes produtos. Qual a importância da transparência em países como Portugal, onde há uma baixa literacia financeira?
A literacia financeira é baixa em todo o lado e as pensões são complexas em toda a parte. É um desafio. Precisamos de melhorar a literacia financeira, mas também de fornecer às pessoas não apenas informação, mas meios para compreender essa informação, tornando-a simples e acessível. É importante fornecer às pessoas ajuda para tomar as decisões certas. Um desenvolvimento importante em muitos Estados-membros europeus é a criação de serviços de rastreamento de pensões ou painéis de controlo, onde as pessoas podem aceder à informação sobre a sua própria situação.
Todos os fundos de pensões precisam de ser transparentes, explicar e permitir que as pessoas vejam e comparem.
Quando fala de dar às pessoas mais informação e disponibilizar meios para compreender essa informação está também a pensar na transparência dos produtos, nomeadamente em matéria relacionada com comissões e retornos?
Sim, a transparência é necessária, especialmente quando os riscos estão a ser transferidos para os indivíduos. Há uma grande mudança na Europa nos fundos de pensões ocupacionais, passando do benefício definido para o contributo definido. Neste cenário, questões como retornos, custos e diferentes opções tornam-se muito mais importantes.
Se o desafiasse a fazer um ranking dos 24 países que a PensionsEurope acompanha em termos de transparência, onde colocaria Portugal?
Não consigo fazer isso porque não estou ciente dos problemas de transparência de Portugal e de muitos outros países. No entanto, tem sido dado uma ênfase crescente na comunicação dos custos. Há uma discussão a nível europeu sobre o “valor pelo dinheiro”, que começou com os produtos de investimento de retalho. Todos os fundos de pensões precisam de ser transparentes, explicar e permitir que as pessoas vejam e comparem.
Tem visto uma melhoria nos últimos três anos em matéria de transparência?
Sim. Há muito mais relatórios a nível nacional e europeu sobre todas as questões relevantes para os fundos de pensões e os custos. Mas irá mais longe, também nas pensões, com uma ênfase crescente em todos os custos operacionais, todos os custos de investimento, porque as pensões são cada vez mais vistas como uma questão de produto de consumo.
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O PPR europeu “não funciona. Está no mercado há quase dois anos e não tem expressão”
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