Dunkelflaute. O sol e o vento abandonaram a Alemanha, mas a crise energética não regressou

Os preços do gás e da eletricidade dispararam um pouco por toda a Europa em dezembro, e na Alemanha chegaram quase a 1.000 euros/MWh. Mas uma nova crise energética não parece estar no horizonte.

Céu nublado, mas sem chuva e sem vento. Foi assim que se iniciou o mês de dezembro na Alemanha. Este fenómeno, que em alemão se chama dunkelflaute e se traduz por “acalmia escura”, fez disparar alarmes nos mercados de eletricidade, não fosse ele uma “tempestade perfeita” no que toca à geração de energia. Reduz-se a geração de fontes renováveis e tem de se recorrer mais ao gás natural, que torna os preços mais caros.

Apesar do grande salto nos valores a que os produtores vendem a eletricidade na Alemanha, e que por cá também se sentiu, analistas e especialistas do setor relativizam: estes picos são bem diferentes dos de há dois anos, e as nuvens alemãs não parecem trazer consigo, para já, a sombra de uma nova crise energética, embora existam alguns motivos de preocupação no curto prazo.

O início de dezembro ficou marcado por picos muito elevados no preço grossista da eletricidade – o preço que os comercializadores pagam aos produtores pela eletricidade que querem, por sua vez, vender às empresas e famílias. No mercado ibérico, que junta Portugal e Espanha, o preço grossista da luz ascendeu a 181 euros por megawatt-hora (euro/MWh). Em França, o máximo atingiu os 277 euros/MWh, e na Alemanha disparou mesmo até aos 936,28 euros/MWh.

Estes picos comparam com preços médios, entre janeiro e novembro, de 59 euros por MWh em Portugal, 76,97 euros na Alemanha e 53,98 euros/MWh em França. O ano mais problemático da recente crise energética na Europa, 2022, terminou com um preço médio de 167,89 euros/MWh em Portugal, 275,88 euros/MWh em França e 236,29 euros/MWh na Alemanha, aponta a empresa Aleasoft, que se dedica a fazer análises do mercado energético.

powered by Advanced iFrame free. Get the Pro version on CodeCanyon.

Nota: Se está a aceder através das apps, carregue aqui para abrir o gráfico.
https://public.flourish.studio/visualisation/20815932/

Mas o que se passou, então, para se chegar ao “descalabro” de dezembro? Há um grande culpado: o gás natural. Esta fonte de energia foi mais solicitada, tanto lá fora, como por cá. Na Alemanha, descreve o engenheiro eletrotécnico Gonçalo Aguiar, na semana de 9 a 15 de dezembro, a produção solar e eólica foram praticamente nulas.

Em Portugal, a produção hídrica caiu 53,9% face ao mesmo mês do ano anterior, reduzindo a produção renovável total em 24,7%, acrescenta o economista sénior do Banco Carregosa, Paulo Rosa. Ao mesmo tempo, “a procura por eletricidade disparou, devido a temperaturas mais baixas em comparação com o ano anterior”, fecha a Aleasoft.

E esta necessidade extra de gás natural veio numa altura em que os preços desta matéria-prima estão menos favoráveis — embora longe dos máximos da crise energética. Henrique Tomé, da XTB, resume a montanha russa: “Os preços do gás natural na Europa estão a subir cerca de 19% este ano. Apesar das subidas, estas recuperações surgem depois dos preços terem recuado mais de 90% desde os máximos, sendo que nos últimos 30 dias os preços já caíram mais de 13%”.

O máximo deste ano dos contratos Title Transfer Facility (TTF), que são referência para a Europa e negociados nos Países Baixos, foi atingido a 2 de dezembro, marcando 48,66 euros, quando em 2022 o máximo chegou aos 339,196 euros/MWh, a 26 de agosto.

powered by Advanced iFrame free. Get the Pro version on CodeCanyon.

Nota: Se está a aceder através das apps, carregue aqui para abrir o gráfico.
https://public.flourish.studio/visualisation/20816615/

Em parte, os preços do gás natural são precisamente pressionados pelo inverno frio e portanto pela maior procura. “Isto levou a uma rápida redução das reservas de gás, com o armazenamento na União Europeia a cair para os 80%, em comparação com os 89% que se registavam no mesmo período do ano passado”.

Esta constatação “levantou preocupações do nível a que estarão as reservas no final do inverno e da necessidade de as preencher mais no verão, pressionando ainda mais os preços do gás”, indica a Aleasoft. Em paralelo, “as tensões geopolíticas e os conflitos em regiões produtoras de energia acrescentam um risco geopolítico ao mercado”, refletindo receios sobre interrupções no fornecimento, complementa Paulo Rosa.

Crise não é a palavra certa

A situação corrente reflete um desequilíbrio temporário causado por fatores sazonais”, relativiza a Aleasoft, “e não uma crise sistémica”. A mesma visão é partilhada pelo líder da Associação Portuguesa de Energias Renováveis (APREN), Pedro Amaral Jorge, que é perentório: “Não estamos a caminhar para uma crise energética”, já que “este é um episódio muito circunscrito a um período no ano”. O mesmo aponta que, em Portugal, 81% da eletricidade consumida em 2024 foi de origem renovável. “Este ano também tivemos horas a marcar preço zero”, recorda.

“Não estamos a caminhar para uma crise energética”, já que “este é um episódio muito circunscrito a um período no ano”

Pedro Amaral Jorge

Presidente da APREN

Henrique Tomé, da XTB, também afasta para já a hipótese de se estar a iniciar uma nova crise energética, pois a Europa já encontrou fornecedores para substituir as importações da Rússia e já assegurou o aprovisionamento do gás necessário para aguentar este Inverno.

A Europa está atualmente mais abastecida de gás natural do que em 2022, observa Paulo Rosa, apesar de considerar que “é essencial manter uma vigilância constante, sobretudo devido às incertezas climáticas e geopolíticas”. “É altamente improvável que os preços do gás retornem aos máximos históricos registados em 2022”, pontua a Alesoft.

Tendo em conta os níveis de armazenamento de gás natural atuais, Gonçalo Aguiar concede que “poderá haver algum motivo para preocupação”, mas aponta fatores que abonam a favor dos preços, como a capacidade cada vez maior de produção com energias renováveis e a desaceleração da produção industrial alemã.

“Com a integração gradual de mais fontes de energia renovável no mix energético e a expansão do armazenamento, a exposição dos preços da eletricidade aos do gás vão diminuir paulatinamente”, reforça a Aleasoft.

Os picos recentes nos preços da eletricidade deverão ter um impacto limitado nas contas da energia para a maioria dos lares. Contudo, para consumidores com contratos indexados aos preços grossistas, como algumas indústrias eletrointensivas, o impacto pode ser mais significativo.

Aleasoft

As previsões dos mercados de energia são animadoras, pelo menos em comparação com os anos anteriores a 2024, mais marcados pela crise energética. Os contratos futuros para 2025 apontam para um preço de 90,81 euros por MWh na Alemanha, 71,15 euros/MWh em França e em Portugal aponta-se para os 68,90 euros por MWh. Muito longe dos três dígitos que cada um destes países apresentou na média de 2022.

Apesar de compararem bem com os anos da crise, estas expectativas para 2025 ficam acima dos preços que se registaram entre janeiro e novembro deste ano, em cada um dos três territórios. Nesse sentido, podem haver más notícias para os consumidores para o ano, apesar de os preços grossistas da eletricidade não serem o único fator a pesar no preço da luz?

“Os picos recentes nos preços da eletricidade deverão ter um impacto limitado nas contas da energia para a maioria dos lares”, indica a Aleasoft, apontando que o habitual é existirem contratos a preços fixos para estes clientes, protegendo-os dos picos.

Contudo, para consumidores com contratos indexados aos preços grossistas, como algumas indústrias eletrointensivas, o impacto pode ser mais significativo”, ressalva, considerando que nestes casos se podem notar “aumentos notáveis” nos custos da energia relativos a novembro e dezembro.

Assine o ECO Premium

No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.

De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.

Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.

Comentários ({{ total }})

Dunkelflaute. O sol e o vento abandonaram a Alemanha, mas a crise energética não regressou

Respostas a {{ screenParentAuthor }} ({{ totalReplies }})

{{ noCommentsLabel }}

Ainda ninguém comentou este artigo.

Promova a discussão dando a sua opinião