Exclusivo Anacom já pagou 112 milhões às operadoras devido a taxas cobradas ilegalmente

Regulador tem sido derrotado em tribunal e, com acórdão do Tribunal Constitucional, montante a devolver poderá subir significativamente. Governo admite reavaliar modelo de financiamento da Anacom.

Sandra Maximiano, Presidente do Conselho de Administração da ANACOM, em entrevista ao podcast do ECO "À prova de Futuro" - 10JUL24
Sandra Maximiano foi designada presidente da Anacom há pouco mais de um anoHugo Amaral/ECO

Até ao passado mês de novembro, a Anacom teve de pagar aos operadores 112 milhões de euros no âmbito de processos judiciais relativos à cobrança irregular de taxas. Estes casos remontam ao período de 2020 a 2024, disse ao ECO fonte oficial do regulador. Só a Nos já recebeu mais de 70 milhões de euros da Anacom em decisões judiciais que lhe foram favoráveis, segundo informação reportada pelo seu maior acionista, admitindo vir ainda a receber juros.

No final de outubro, o Tribunal Constitucional (TC) decidiu declarar, com “força obrigatória geral”, que as taxas de regulação cobradas pela Anacom são inconstitucionais, por terem sido fixadas numa portaria. Mas antes disso já o regulador havia sido derrotado em tribunal em vários processos interpostos pelas empresas de telecomunicações contra o pagamento de taxas e a constituição de provisões por esta autoridade, que fazem subir as mesmas.

Isso mesmo fica patente no último relatório e contas da Sonae, que, através da Sonaecom, é o maior acionista da Nos. No documento lê-se que o TC já se pronunciou “em mais de duas dezenas de processos distintos entretanto transitados em julgado”, devido à inconstitucionalidade da referida portaria, tendo “condenado a Anacom a proceder à restituição do montante indevidamente cobrado”.

O referido relatório da Sonae vai ainda mais além, indicando o montante que a Anacom já devolveu à Nos em taxas cobradas ilegalmente: “A 30 de setembro, a Nos reconheceu um proveito acumulado de 72 milhões de euros […] decorrente das decisões favoráveis no Tribunal Constitucional, tendo já recebido a totalidade do valor.”

A empresa refere também que “os demais processos encontram-se a aguardar julgamento e/ou decisão, havendo alguns processos em que a Anacom suscita o tema do direito da Nos aos juros”. Para 2025, a Anacom orçamentou uma verba de cinco milhões de euros para eventuais pagamentos de “juros indemnizatórios” no âmbito destes processos, assumindo que, no ano que agora começa, “muitos destes processos terminem com desfecho desfavorável” para o regulador, informação que também foi avançada esta quinta-feira pelo Diário de Notícias.

Em maio do ano passado, o secretário-geral da Apritel, Pedro Mota Soares, tinha dito ao ECO que o Estado poderia ser obrigado a devolver mais de 100 milhões de euros às empresas do setor. Na altura, a principal queixa dos operadores eram as provisões constituídas pela Anacom para fazer face aos processos judiciais interpostos pelas empresas, que têm sido repassadas para o setor sob a forma de taxas.

No final de 2023, a Anacom registava no seu balanço mais de 195 milhões de euros em provisões para salvaguardar processos judiciais, de acordo com o relatório e contas do regulador, estimando, no orçamento de 2025, que a constituição de provisões aumente 12,9 milhões de euros, para 39,8 milhões, contribuindo para uma subida de 14,7 milhões nas taxas de regulação. Mas agora as dúvidas centram-se nas próprias taxas e no que a Anacom terá de devolver ou não às empresas do setor.

Taxas da Anacom são “bola de neve”

A decisão de outubro do TC colocou a Anacom numa situação particularmente complicada, pois, ao ser tomada na reta final do ano, colocou em risco a cobrança pela Anacom da taxa anual relativa a 2024. Além disso, abriu ainda mais a porta à devolução das taxas já cobradas no passado. Segundo o Jornal de Negócios, o montante a devolver pode ficar entre 170 milhões e 400 milhões de euros.

Já este mês, num encontro com jornalistas no passado dia 13, a presidente da Anacom disse que foram pedidos pareceres jurídicos a “alguns constitucionalistas” sobre a eventual devolução de taxas já cobradas: “A questão tem a ver com os anos. Num cenário mais drástico, teríamos de restituir todos os anos. Agora, há pareceres jurídicos a dizer que não, que há uma limitação de efeitos para xis anos, com base naqueles casos que já foram decididos”, afirmou Sandra Maximiano.

Todavia, a economista também referiu que o regulador ainda só recebeu um rascunho de um parecer e indicou que poderá estar em causa um período de quatro anos de taxas cobradas irregularmente e que poderão ter de ser devolvidas. O valor andará na casa dos 200 milhões, que já estão totalmente provisionados, indicou.

Sandra Maximiano disse ainda que, depois de as taxas terem sido declaradas inconstitucionais pelo TC, tem havido “alguma calma por parte dos operadores”. “Houve apenas um pedido por parte de um operador, um pequeno. Mas a Anacom tem cerca de quatro meses para decidir”, acrescentou.

A 20 de dezembro, o Governo publicou um decreto-lei que regulamenta na Lei das Comunicações Eletrónicas (LCE) a taxa anual devida pelos operadores à Anacom, legalizando-a. A lei vai permitir que a Anacom cobre a taxa de 2024, que tinha ficado em risco após a decisão dos juízes do Palácio Ratton, bem como as relativas aos próximos anos.

Quando o diploma foi aprovado no Conselho de Ministros, o ministro da Presidência, António Leitão Amaro, ressalvou que “quem deve pagar a regulação independente são os regulados”.

Como noticiou o ECO, o decreto-lei, que legaliza as taxas da Anacom, vai permitir que as operadoras façam o pagamento por conta da taxa relativa a este ano até ao dia 15 de fevereiro de 2025, mais mês e meio do que o prazo normal. O valor final é depois apurado e os acertos feitos até ao dia 30 de setembro.

O diploma trouxe outra novidade. No apuramento dos custos administrativos, deixa “de se considerar as provisões para processos judiciais como parte integrante” dos mesmos.

E, para o futuro, o Executivo admite vir a reavaliar o modelo de financiamento da Anacom: “Esta alteração não prejudica que se reavalie o modelo de financiamento da Anacom no seu conjunto, tendo em conta as diversas vertentes envolvidas na delimitação dos custos (gastos) administrativos de regulação e o seu impacto no Orçamento do Estado, garantindo a independência orçamental e a autonomia financeira daquela autoridade reguladora”, indica o documento já publicado no Diário da República.

Admitindo que “para os operadores não faz sentido” a constituição de provisões para processos judiciais, que são depois repassadas para as próprias empresas litigantes sob a forma de taxas mais elevadas, a presidente da Anacom reconheceu: “Na minha opinião também não o faz. A questão é que acaba por ser uma bola de neve”, disse.

“Elas começaram a fazer sentido porquê? Por causa de todos estes processos. Se se impugna, acaba por se ir alimentando. Não existindo litigância, não existindo nenhuma impugnação à cobrança de taxas, fará sentido haver essa constituição de provisões para a cobrança de taxas? Agora, a Anacom chegou a um ponto que não só constituiu provisões na cobrança das taxas como também provisões para os juros pagos. Tinha que o ser, senão quem iria pagar?”, explicou a presidente do regulador.

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