Amadeu Guerra quer criar estrutura nacional na PGR para confisco de bens

Amadeu Guerra cria "Estratégia da Procuradoria-Geral da República em matéria de Recuperação de Ativos" para os magistrados do Ministério Público serem mais eficientes no confisco de bens.

Os magistrados do Ministério Público (MP) têm de ser mais eficientes no confisco de bens e de vantagens obtidos pela prática de crimes, deixando de estar apenas focados na perseguição criminal e mais na investigação do rasto desses bens ou ativos. Mais: o Governo e o Parlamento têm de ser informados das alterações legislativas necessárias nesta matéria para ajudar a essa eficiência e a recuperação das vantagens deve acontecer mesmo em casos de absolvição na fase de julgamento ou de arquivamento de um inquérito, para “reduzir as margens de enriquecimento ilícito”.

As orientações chegam da cúpula do MP, num documento em que o Procurador-Geral da República, Amadeu Guerra, é perentório: “Nenhum ativo gerado pelo crime deve ficar por recuperar.”

O responsável entende ainda que deve ser criada “uma estrutura nacional centralizada na Procuradoria-Geral da República para coordenação integral dos diferentes pontos de contacto”, pode ler-se no documento a que chamou de “Estratégia da Procuradoria-Geral da República em matéria de Recuperação de Ativos”.

Consciente que existe um problema de eficácia na aplicação dos mecanismos de confisco das vantagens, que é inclusivamente reconhecido por diversas instituições internacionais, o MP português delineou uma estratégia no domínio da recuperação dos ativos do crime que assenta na formação dos magistrados, organização do MP e cooperação internacional. Esta estratégia será concretizada num horizonte temporal de três anos, entre 2025 e 2027.

Para isso, Amadeu Guerra quer equipas de magistrados a trabalhar exclusivamente nesta área com a ajuda do Gabinete de Recuperação de Ativos (GRA) da Polícia Judiciária (PJ) na investigação dos casos. O GRA existe desde 2011 e tem como missão identificar, localizar e apreender os bens ou produtos relacionados com crimes, a nível nacional e internacional. Amadeu Guerra quer ainda ter equipas multidisciplinares formadas por magistrados do MP e elementos da PJ para se chegar a resultados muito mais depressa.

“O confisco das vantagens é simples. O seu objetivo é garantir a restituição/remoção integral do benefício gerado pela prática do facto ilícito típico. Esta modalidade de confisco visa, no essencial, colocar o agente precisamente na situação patrimonial em que estaria se o crime não tivesse sido cometido, devendo o MP concentrar-se nesse objetivo”, diz o documento. “A concretização das finalidades subjacentes ao confisco das vantagens do crime tem dois pilares principais: as finalidades de natureza preventiva, por um lado, traduzidas na necessidade de assegurar que o crime não compensa e a proteção da economia lícita da infiltração de capitais de origem criminosa”, acrescenta.

O próprio Governo comprometeu-se, até 31 de janeiro de 2025, a desenvolver uma proposta de criação de um novo mecanismo de confisco de bens, “em linha com a recente Diretiva da União Europeia e com a Constituição”, uma “linha” considerada “intransponível”. “Teremos também a regulação processual adequada dos mecanismos já existentes, cuja eficácia e justiça, do ponto de vista da proteção dos direitos fundamentais, se encontra comprometida devido às lacunas legislativas que subsistem”, referiu em dezembro Rita Alarcão Júdice, ministra da Justiça.

Tomada de posse do Procurador-Geral da República Amadeu Guerra - 12OUT24
Amadeu Guerra, Procurador-Geral da República.Hugo Amaral/ECO

Medidas da Estratégia da Procuradoria-Geral da República em matéria de Recuperação de Ativos

  • Formação específica e capacitação dos magistrados em matéria de investigação patrimonial e financeira e de recuperação de ativos;
  • Criar regras uniformes em todo o Ministério Público, que sejam reflexo da criação de uma efetiva cultura de recuperação dos ativos do crime;
  • Criação de redes de magistrados e de órgãos de polícia criminal e de pontos de contacto especialistas em recuperação de ativos;
  • Criação de manuais, guias de boas práticas e plataformas digitais neste contexto;
  • Propor mudanças legislativas para aumentar a eficiência do Ministério Público, designadamente através da sensibilização para a correta transposição da Diretiva (UE) 2024/1260 do Parlamento Europeu e do Conselho de 24 de abril de 2024 relativa à recuperação e perda de bens e pela adoção de outros mecanismos de recuperação de ativos, recomendados pelas instituições internacionais (v.g. UNODC);
  • Maior intercâmbio com instituições internacionais, especialmente no contexto da União Europeia;
  • Colaboração com o Conselho Superior da Magistratura, o Centro de Estudos Judiciários, e os diferentes Órgãos Polícia criminal, nomeadamente a PJ, em ações de formação inicial e contínua de magistrados e policiais;
  • Avaliação da necessidade de criação de uma estrutura formal nacional centralizada num departamento da Procuradoria Geral da República para coordenação integral dos diferentes pontos de contacto;
  • Acompanhar regularmente a existência de candidaturas a programas nacionais e internacionais de financiamento de projetos de formação e de implementação da eficácia na aplicação dos mecanismos de recuperação de ativos;
  • Assegurar o intercâmbio de informação, formação e a articulação entre as redes nacionais e internacionais de recuperação de ativos;
  • Criação de procedimentos eficientes de condução da investigação criminal e da investigação patrimonial e financeira tendente ao confisco com os diversos Órgãos de Polícia Criminal e com os Gabinetes que intervém neste
    domínio e ainda com a UIF;
  • Promover a aplicação prática dos instrumentos normativos internacionais, em especial o Regulamento 2018/1805 do Parlamento Europeu e do Conselho de 14 de novembro de 2018 relativo ao reconhecimento mútuo das decisões de apreensão e de perda;

Agenda anticorrupção já contempla alterações no confisco de bens

Na Agenda anticorrupção – aprovada em junho pelo Governo – está previsto que os bens possam ser confiscados, mesmo que não haja uma condenação, em casos como os crimes terem prescrito, o arguido ter morrido ou estar em fuga.

O Governo pretende assim que os bens do arguido acusado pelo crime de corrupção possam ser confiscados por ordem de um juiz — que pode escolher quais os bens em causa — mesmo que não haja ainda uma condenação no processo. Esta possibilidade aplica-se nos casos em que os crimes tenham prescrito, se o arguido estiver em fuga ou tiver morrido.

Esta é uma das 32 medidas anticorrupção apresentadas e aprovadas há mais de seis meses. A criação de um novo mecanismo de perda alargada de bens pretende combater o enriquecimento ilícito, fazendo assim reverter a favor do Estado bens e proventos económicos da corrupção. Ou seja, assegurar que os corruptos não ficam com o produto da sua conduta criminosa.

Rita Júdice, ministra da JustiçaLusa

A medida não surge apenas por iniciativa do Executivo, mas também por imposição europeia da diretiva aprovada em abril de 2024, e que Portugal tem que transpor até ao fim de 2027.

Diz a mesma que “os Estados-Membros devem tomar as medidas necessárias para permitir a perda dos instrumentos, vantagens ou bens ou de vantagens ou bens que tenham sido transferidos para terceiros nos casos em que tenha sido iniciado um processo penal mas o mesmo não tenha podido prosseguir devido a uma ou mais das seguintes circunstâncias: doença, fuga ou morte do suspeito ou arguido ou em que o prazo de prescrição previsto no direito nacional para a infração penal em causa é inferior a 15 anos e expirou após o início do processo penal”.

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