Do reinado do fóssil à exploração de novas energias. Os desafios da nova gestão da Galp
Conheça aqueles que são os principais desafios que os novos co-CEO interinos terão de agarrar ao leme da petrolífera.
Os rostos da gestão da Galp acabam de mudar, depois de Filipe Silva ter abdicado do cargo. Maria João Carioca e João Marques da Silva, que já integravam o conselho executivo da empresa e carregavam as pastas das Finanças e Comercial, respetivamente, assumem a coliderança interina da empresa. Sobem ambos ao cargo de CEO numa altura em que a Galp enfrenta vários desafios no seu negócio principal – a exploração e produção de petróleo e gás – mas, ao mesmo tempo, apresenta “transformação” e “transição energética” como palavras de ordem.
“Os desafios da Galp passam por algo partilhado por todo o setor: o facto de termos uma transição energética pela frente, que temos de conseguir gerir de forma que deixe confortável a sociedade em que nos integramos mas também os nossos investidores”, afirmou Maria João Carioca, ainda como responsável pelas Finanças da Galp, no primeiro episódio da série de videocasts da EY intitulada “EY e um café com… Maria João Carioca”, divulgado em junho no canal de Youtube da consultora.
A Galp lançou o seu último plano estratégico em 2021, o Regenerar o Futuro. “É cada vez mais evidente a necessidade urgente de transformarmos os nossos sistemas energéticos para apoiar as sociedades no sentido de um futuro coletivo mais sustentável”, lê-se na nota assinada pela presidente do Conselho de Administração, Paula Amorim, cuja mensagem se desenrola em torno da intenção declarada de desenhar um futuro mais sustentável para a Galp.
O CEO que deu a cara pelo plano Regenerar o Futuro foi Andy Brown, que esteve em funções entre fevereiro de 2021 e o final de 2022. Desde então, e já sob a alçada de Filipe Silva, verificaram-se alguns desenvolvimentos transformacionais para a empresa: dados que apontam para a viabilidade económica das reservas de petróleo que a empresa detém na Namíbia, o cancelamento do projeto para a construção de uma refinaria de lítio em Setúbal e o pontapé de partida de um investimento de 650 milhões em biocombustíveis e hidrogénio em Sines.
Conheça aqueles que são os principais desafios que a nova equipa de CEO terá de agarrar ao leme da petrolífera, numa altura em que se espera uma nova orientação estratégica para a empresa, já que o anterior plano expira este ano.
Namíbia: a promessa africana de 10 mil milhões de barris
“O Upstream continuará a ser uma das pedras angulares da Galp durante os próximos anos”, vaticinava o plano estratégico de 2021, com a empresa a considerar os seus ativos “de topo” tanto em custo de produção como intensidade carbónica. A intensidade carbónica do negócio Upstream (Exploração e Produção) da Galp é aproximadamente 50% menor do que a média do setor, estima a empresa. O objetivo traçado nesse ano era o de adicionar cerca de 25% à capacidade de produção.
No Relatório e Contas mais recente, referente aos primeiros nove meses de 2024, a empresa contabilizava um investimento total de 792 milhões de euros, dos quais 60% foram dirigidos ao segmento de Upstream, em particular a projetos no Brasil (Bacalhau e Tupi&Iracema) assim como à campanha de exploração na Namíbia.
Na Namíbia, a Galp detém uma participação de 80% num consórcio do qual fazem parte a Namcor e a Custo Energy, as quais detêm os restantes 20% em partes iguais. Em abril, foi divulgada a confirmação de que existiria viabilidade comercial para esta exploração, da qual a empresa portuguesa esperava conseguir extrair 10 mil milhões de barris de petróleo, ou até mais. Um número promissor ao ponto de fazer as ações dispararem cerca de 25% em bolsa no rescaldo, uma evolução que entretanto foi corrigida.
Tendo em conta os custos elevados que implica esta operação, logo que foi feito o anúncio da descoberta, começaram os rumores de que a empresa estaria à procura de comprador para metade da sua participação. No entanto, mais recentemente, numa chamada com analistas a propósito dos resultados do terceiro trimestre, o CEO Filipe Silva afirmou que a empresa continua “muito interessada” em manter a participação de 80%, pelo menos até serem conhecidos mais resultados dos testes, apesar de já ter uma lista restrita (shortlist) de possíveis parceiros. Este será, com certeza, um assunto prioritário nas mãos da nova gestão.
Preço do petróleo pressiona
Os analistas acreditam que o tema da evolução dos preços do petróleo vai ser decisivo para o futuro da empresa, em particular no que diz respeito à trajetória nos mercados de capital.
As ações da empresa têm vindo a recuar desde abril de 2024 (cerca de 25%), “pressionadas pelas quedas no preço das matérias-primas energéticas, onde existe uma correlação direta”, identifica o analista da XTB, Henrique Tomé.
E as perspetivas para o ano de 2025 não são as melhores. De acordo com um inquérito divulgado pela Reuters a 2 de janeiro, que inclui as perspetivas de 31 economistas e analistas, o barril de Brent, referência para a Europa, deverá cotar em média nos 74,33 dólares este ano – a oitava revisão em baixa consecutiva, depois de em 2024 ter registado uma cotação média de 80 dólares por barril.
A nova liderança “terá de gerir eficazmente a volatilidade dos preços das matérias-primas, assegurando a resiliência financeira da Galp”, pontua, por seu lado, o responsável de Trading do Banco Carregosa, João Queiroz. O mesmo analista acredita que uma das prioridades da nova gestão terá de recair na mitigação de incertezas geopolíticas e de mercado.
“Apesar de um contexto um contexto macro volátil”, a Galp reforçou na última apresentação de resultados que espera terminar o ano de 2024 com um EBITDA superior a 3,1 mil milhões de euros e um fluxo operacional (OCF, na sigla em inglês) de 2 mil milhões de euros, tendo em conta “o desempenho operacional forte e a posição financeira robusta”.
A produção de petróleo da Galp, em milhares de barris de petróleo equivalente por dia (kboepd) era de 96 unidades no final dos primeiros nove meses de 2024, enquanto o gás “pesava” apenas 13 destas unidades no total da produção.
Descarbonização da atividade
“Está em curso a descarbonização da refinaria de Sines, com o objetivo de a transformar num Centro de Energia Verde”, anunciava o plano estratégico em 2021. A data limite apontada para este desígnio foi 2030.
Dois passos importantes nesta transformação são a expansão da produção de biocombustíveis avançados, através da instalação de uma unidade de Hydrogenated Vegetable Oil (HVO) em Sines, e a incorporação de oportunidades relacionadas com o hidrogénio verde.
Está em curso a descarbonização da refinaria de Sines, com o objetivo de a transformar num Centro de Energia Verde.
O investimento no segmento Industrial&Midstream contabilizava-se em 140 milhões de euros até setembro de 2024, e foi alocado sobretudo a “projetos de baixo carbono” no complexo industrial de Sines, como por exemplo “os trabalhos iniciais de execução” da unidade de biocombustíveis e no projeto para a produção de 100 megawatts de hidrogénio verde na mesma localização. Foi em setembro de 2023 que a Galp tomou a decisão final de investimento: comprometeu 650 milhões para estes projetos.
Neste caminho, a empresa espera reduzir 50% das emissões operacionais, incluindo os âmbitos 1 e 2, até 2030, face aos níveis de 2017. Parte do percurso já estava feito em 2021: o fecho da refinaria de Matosinhos ajudou a que estas emissões fossem reduzidas em 30%.
Diversificação do portefólio
A empresa planeava alocar, em média, cerca de 30% do investimento (Capex) anual líquido entre 2021 e 2025 ao desenvolvimento do seu portefólio de geração de energia renovável. O objetivo, explicava a empresa no plano estratégico, era expandir gradualmente o seu portefólio para mais de 4 gigawatts-pico (GWp) de capacidade em operação bruta até 2025, e 12 GWp até 2030.
No entanto, no Relatório e Contas dos primeiros nove meses de 2024, a empresa contabiliza apenas 1,5 GW de capacidade instalada. No mesmo documento, a empresa assinalou um decréscimo do EBITDA do segmento renovável, refletindo a evolução dos preços da eletricidade, os quais caíram 52% no período.
Em paralelo, “a Galp está também a avaliar oportunidades de entrada na cadeia de valor de baterias, que se encontra em rápido crescimento, capturando a vantagem de early mover na Europa”, lia-se no Plano Estratégico, que anunciava o “desenvolvimento da primeira fábrica de conversão de lítio da Europa, a ser localizada em Portugal”.
"A capacidade de equilibrar o investimento em projetos de crescimento, o desenvolvimento de energias renováveis e a remuneração aos acionistas será outro desafio crucial.”
No entanto, 2024 foi o ano em que este projeto ruiu. Depois de vaivéns no financiamento e de o parceiro Northvolt ter declarado insolvência, a empresa pôs um ponto final a estas intenções.
A Galp avançou ainda com a aposta na mobilidade elétrica, apontando em 2021 para a instalação de 10.000 pontos de carregamento até 2025. Em setembro de 2024, a empresa contava cerca de 5.500 pontos de carregamento na Península Ibérica, cerca de metade do objetivo para daqui a um ano.
“A capacidade de equilibrar o investimento em projetos de crescimento, o desenvolvimento de energias renováveis e a remuneração aos acionistas será outro desafio crucial”, remata João Queiroz, do Banco Carregosa. Este analista sublinha que os novos gestores terão de liderar a empresa na expansão da sua presença em áreas como hidrogénio verde e energia solar e eólica.
Estabilidade na gestão
A mudança no leme da empresa que marcou o início de 2025 decorreu de uma falha no reporte de um relacionamento do CEO com um dos quadros da empresa, o que colocou questões de transparência e conflito de interesses, culminando no afastamento de Filipe Silva por “razões familiares”.
A Galp conta quatro CEO numa década, quando as pares do setor, em média, trocam a liderança a cada 7 ou 10 anos.
O caso, noticiado em primeira-mão pelo ECO, tem como desfecho a quarta mudança de CEO em dez anos. “Este é um contraste acentuado em relação aos pares do setor, no qual os CEO se mantêm tipicamente por sete a 10 anos”, sublinhou a casa de investimento RBC Capital Markets, numa nota de análise.
Na visão do Banco Carregosa, a saída e alteração inesperada da liderança atual e as circunstâncias envolventes criam um desafio reputacional para a empresa. “O próximo [CEO] terá de restabelecer a confiança dos “stakeholders”, incluindo acionistas, reguladores e colaboradores, demonstrando liderança forte e comprometimento com os mais altos padrões de governação corporativa”, escreve o responsável de Trading da mesma casa de investimento.
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