Trump já está a abalar o financiamento para a transição verde

Oposição declarada de Trump face às energias limpas tem abalado as ações de empresas do setor em bolsa. Já os bancos norte-americanos retiram-se em massa de uma aliança global para a descarbonização.

Donald Trump só regressa à Casa Branca a 20 de janeiro, mas já está a fazer mossa no que diz respeito ao financiamento da transição verde e energética. Desde dezembro, multiplicam-se os bancos que se afastam da Net Zero Banking Alliance, um grupo criado para fomentar uma economia mais verde através do sistema financeiro. Mais recentemente, um comentário a rejeitar novos investimentos em energia eólica foi suficiente para fazer cair as cotações de várias empresas focadas na transição.

É a energia mais cara que existe. É muitas, muitas vezes mais cara do que o gás natural, por isso vamos ter uma política em que nenhum parque eólico será instalado“, afirmou o Presidente eleito, numa conferência de imprensa, a 7 de janeiro.

Nesse dia, a EDP Renováveis, que tem operações nos Estados Unidos, caiu 1,95% em bolsa, uma quebra reforçada no dia seguinte, em quase 5%. O mesmo aconteceu com a dinamarquesa Orsted, com uma grande aposta no eólico offshore, cujas cotações desceram, em termos acumulados, 8,9 pontos percentuais nos mesmos dois dias. A Vestas, potência europeia da indústria eólica, desceu muito ligeiramente no dia 7, mas na sessão seguinte desvalorizou 7,4%. O iShares Global Clean Energy ETF registou um quebra de 2,45% no dia 8 de janeiro e outra, equivalente, na sessão seguinte, depois de subir 0,85% no dia 7.

A oposição de Trump às energias renováveis já era bem conhecida, tanto que na sua última passagem pela Casa Branca retirou os Estados Unidos do Acordo de Paris. Ainda como mero candidato ao seu segundo mandato, no passado mês de maio, o republicano anunciou que, caso chegasse ao poder, iria terminar a aplicação do Inflation Reduction Act (IRA), um pacote de incentivos lançado em 2022 pela Administração chefiada por Joe Biden, e que destina um apoio de 400 mil milhões de dólares à aposta em energias limpas.

Já mais perto das eleições, e antes da vitória de Trump, os analistas relativizavam. Instituições como o Goldman Sachs ou o holandês ING advogam que seria difícil uma reversão completa do IRA, dado que cerca de 80% dos investimentos em indústria associados ao diploma se situam em Estados tipicamente republicanos. Ainda assim, concediam que a eleição de Trump poderia mesmo enfraquecer este pacote, sobretudo nos incentivos atribuídos a tecnologias como carros elétricos, hidrogénio verde, captura de carbono e energia eólica offshore.

Bancos retiram-se da aliança para a descarbonização

A Aliança da Banca para a Neutralidade Carbónica (NZBA, na sigla em inglês) conta de momento com com 141 bancos, espalhados por 44 países, e que somam 61 biliões de dólares em ativos. Sob este chapéu já estiveram reunidos 150 bancos, embora no pontapé de partida, em 2021, contava apenas com 43 instituições. Mas foi também no fatídico 7 de janeiro que o JP Morgan Chase se tornou o sexto nome de uma já longa lista de instituições norte-americanas que decidiram abandonar a NZBA.

“O JPMC vai terminar a sua participação na Net Zero Banking Alliance. Vamos continuar a trabalhar independentemente para avançar com os interesses da firma, dos nossos acionistas e clientes, e mantemo-nos focados em soluções pragmáticas para apoiar as tecnologias de baixo carbono”, assim como “os nossos clientes que estão comprometidos com a transição energética”, afirmou um porta-voz da instituição, citado pelo ESG Today.

A aliança ainda conta com o apoio de importantes instituições financeiras globais e com o respaldo de uma agenda climática internacional crescente.

Paulo Rosa

Economista Sénior do Banco Carregosa

Antes desta retirada, outros nomes sonantes da mesma praça – Morgan Stanley, Bank of America, Citigroup, Wells Fargo e Goldman Sachs – já haviam anunciado a mesma decisão, espalhando os anúncios ao longo do mês de dezembro e início de janeiro. Também entre estas instituições foi recorrente a ressalva de que manteriam os respetivos esforços no âmbito da transição, ainda que fora da aliança. Restam agora três bancos norte-americanos na NZBA: o Amalgamated Bank, o Areti Bank e o Climate First Bank.

A Bloomberg, numa newsletter dedicada ao tema, atribui estas desistências a “um cenário tenso” nos Estados Unidos, onde campanhas republicanas já se referiram a grupos de promoção da neutralidade carbónica como “cartéis climáticos”. O analista da XTB, Henrique Tomé, explica que, nos Estados Unidos, alguns legisladores argumentaram que a participação em alianças climáticas, como a NZBA, poderia ser interpretada como uma restrição ao financiamento de indústrias de combustíveis fósseis, levantando dúvidas sobre a conformidade com regras de concorrência.

Por outro lado, complementa o economista sénior do Banco Carregosa, Paulo Rosa, as recentes resistências do setor podem refletir conflitos entre objetivos de curto prazo dos bancos (lucratividade imediata) e os compromissos de longo prazo, associados à descarbonização, sendo que “a falta de benefícios claros é um fator determinante”. Em paralelo, “as exigências para medir e reportar emissões em financiamentos podem ser vistas como onerosas e complexas, exigindo recursos significativos das instituições financeiras”.

A principal barreira reside na reconciliação entre os objetivos de sustentabilidade e a necessidade de garantir rentabilidade.

Henrique Tomé

Analista da XTB

A Net Zero Banking Alliance é maior coligação mundial de instituições financeiras empenhadas na transição da economia global para um cenário de neutralidade carbónica, convocada pelas Nações Unidas. A aliança exige que os respetivos membros procurem alinhar as emissões associadas às suas operações e portefólios com o objetivo de atingir a neutralidade carbónica até 2050. Devem também definir metas de descarbonização até 2030 e, a partir daí, para o horizonte de cada cinco anos. As metas devem focar-se nos setores nos quais a instituição possa ter maior impacto. Por fim, os bancos têm de, anualmente, publicar as suas emissões, reportar o progresso e anunciar medidas.

Paulo Rosa acredita que a adesão à NZBA “oferece múltiplos benefícios para as instituições bancárias”, entre eles a possibilidade de atrair investidores e clientes que priorizem critérios de sustentabilidade nas suas decisões financeiras e a antecipação de possíveis regulamentações futuras sobre descarbonização. Além disso, a aliança promove a diversificação do portfólio com ativos resilientes às mudanças climáticas.

Em oposição, “a principal barreira reside na reconciliação entre os objetivos de sustentabilidade e a necessidade de garantir rentabilidade”, acredita o analista da XTB. O Banco Carregosa assinala ainda possíveis dificuldades na medição de emissões, a resistência de clientes empresariais à transição climática e a escassez de dados confiáveis.

Estas desistências terão certamente um impacto global no que diz respeito aos esforços de descarbonização do sistema financeiro, dado que são protagonizadas por bancos de elevada dimensão, podendo ainda ter um efeito de contágio noutras instituições norte-americanas. No entanto, acreditamos que terão pouco impacto nas instituições bancárias europeias.

Filipa Saldanha

Diretora de Sustentabilidade do Crédito Agrícola

Mas não são apenas as instituições bancárias a dizer adeus a iniciativas pró-descarbonização. O maior fundo do mundo, Blackrock, retirou-se da Net-Zero Asset Managers Initiative (NZAM) a 9 de janeiro, afirmando que “a participação neste tipo de organizações causou confusão no que diz respeito às práticas da Blackrock e sujeitou-nos a inquéritos legais da parte de vários atores públicos”, cita a Reuters, com base numa carta dirigida a um cliente, a que a agência noticiosa teve acesso.

Esta saída levou a que a própria iniciativa suspendesse a respetiva atividade, “para assegurar que a NZAM se mantém adequada ao seu propósito no novo contexto global”. A iniciativa vai tentar uma reforma, pausando a supervisão da implementação e reporte por parte dos associados. Antes de a Blackrock, que gere 11,5 biliões de dólares, anunciar a saída, a NZAM contava com 325 signatários, que somavam 57,5 biliões de dólares em ativos sob gestão.

A NZBA continua a ser uma plataforma crucial para a mobilização de capital em prol da transição climática.

Caixa Geral de Depósitos

Fonte oficial

Questionados sobre se a NZBA estará em risco de ruir, os analistas afastam essa hipótese. “Parece prematuro antecipar que a aliança esteja em risco. O sucesso da aliança no futuro dependerá da capacidade de bancos, governos e reguladores de criar novas formas de colaboração que sustentem o financiamento sustentável”, indica Henrique Tomé. “A aliança ainda conta com o apoio de importantes instituições financeiras globais e com o respaldo de uma agenda climática internacional crescente”, reforça Paulo Rosa, que entende, em paralelo, que será necessário reforçar os incentivos para a adesão, aumentar a transparência nos benefícios e resultados alcançados e uma adaptação face às diferenças regionais.

Há dois bancos portugueses que fazem parte desta aliança, a Caixa Geral de Depósitos e a Caixa de Crédito Agrícola. Filipa Saldanha, diretora de sustentabilidade nesta segunda instituição, vê algumas consequências negativas e perigo de contágio, mas não tanto a nível europeu. “Estas desistências terão certamente um impacto global no que diz respeito aos esforços de descarbonização do sistema financeiro, dado que são protagonizadas por bancos de elevada dimensão, podendo ainda ter um efeito de contágio noutras instituições norte-americanas. No entanto, acreditamos que terão pouco impacto nas instituições bancárias europeias”. Fonte oficial da Caixa Geral de Depósitos afere que as saídas “diminuem a força coletiva da aliança” mas acredita que “a NZBA continua a ser uma plataforma crucial para a mobilização de capital em prol da transição climática”.

Assine o ECO Premium

No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.

De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.

Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.

Comentários ({{ total }})

Trump já está a abalar o financiamento para a transição verde

Respostas a {{ screenParentAuthor }} ({{ totalReplies }})

{{ noCommentsLabel }}

Ainda ninguém comentou este artigo.

Promova a discussão dando a sua opinião