“O reporte não é o objetivo último, é haver uma melhor gestão”, diz líder do Conselho de Sustentabilidade do EFRAG

Patrick de Cambourg, líder do grupo que elaborou as normas na base da nova diretiva europeia , vê o reporte de sustentabilidade como "megatendência" que, mesmo com alguns percalços, deverá prevalecer.

2025 é o primeiro ano no qual as grandes empresas europeias vão reportar de acordo com a nova Diretiva de Reporte de Sustentabilidade Corporativo (CSRD, na sigla em inglês). E vai sentir-se uma “mudança dramática” no reporte desde já, acredita Patrick de Cambourg, o presidente do Conselho de Reporte de Sustentabilidade do EFRAG, o grupo que elaborou as normas (ESRS) que servem de base à diretiva, e que continua a servir como conselheiro da Comissão Europeia nestas matérias.

Cambourg vê o reporte de sustentabilidade como uma “megatendência” que, mesmo face a alguns percalços, como acontece agora nos Estados Unidos, deverá prevalecer. Mais do que um peso para as empresas e para a economia europeia, acredita que estas exigências são um fator de competitividade e, caso tivessem sido implementadas há mais tempo, poderiam ter levado a melhores decisões no Velho Continente. “O reporte não é o objetivo último. É haver uma melhor gestão”, remata.

Embora, no seu entender, as empresas estejam a encarar o reporte de forma séria, concede que seria benéfico criar uma categoria intermédia de empresas às quais fosse aplicada uma versão simplificada das exigências de reporte. Em paralelo, defende que seja dada uma margem de um a dois anos até que o próximo grupo de empresas seja de facto abrangido. “Deem mais tempo para as empresas se prepararem”, apela.

Patrick de CambourgEuropean Union, 2025

O que espera que se retire deste primeiro ano de reporte?

[Em 2020] havia uma miscelânea de informação. Nem sempre de má qualidade, mas qualidade que não permitia a comparabilidade, porque existiam demasiadas opções, demasiadas iniciativas de reporte. Na altura, identificámos cerca de 200, com diferentes abrangências e conteúdos. De forma a reduzir o fardo, era necessário consolidar. Por isso, comparado com o que tínhamos na altura, sim, isto é uma grande mudança. Às vezes, os ESRS são considerados demasiado precisos ou restritivos. De qualquer forma penso que criam o ambiente certo. A empresa tem de estabelecer processos para colecionar dados, para preparar o reporte de forma profissional. Tornou-se um exercício sério, que tem de ser aprovado pela gestão da empresa e auditado, e finalmente supervisionado pelos mercados financeiros e outras autoridades. A ideia é conseguir-se uma qualidade semelhante à do reporte financeiro. Uma qualidade caracterizada por três traços: primeiro, a informação tem de ser relevante. Segundo, o reporte tem de ser uma representação realista dos temas de sustentabilidade. Em terceiro lugar, tem de ser comparável ao máximo. Em quarto, tem de ser compreensível e legível. Não é só um jargão. Finalmente, tem de ser confiável e verificável.

Tendo em conta o que acaba de explicar, de quão exigente é o processo em termos de qualidade, será possível obter dados de qualidade logo no primeiro ano, ou vai demorar algum tempo? Qual é a sua perceção em relação à capacidade de resposta das empresas?

O meu entendimento é que as empresas que vão reportar em 2025 encararam o exercício de forma séria. Não estiveram a improvisar ou a fazer ajustes de última hora. Às vezes reclamam, mas estão a encarar o reporte de forma séria. Além disso, tenho a experiência de uma grande mudança semelhante. Entre os anos de 2000 a 2025, a União Europeia decidiu adotar o reporte financeiro da IFRS, abandonando os critérios nacionais para adotar uma linguagem comum. Também era um profissional na altura. Toda a gente estava a reclamar e a criticar. Mas, em 2005, quando tiveram de entregar o primeiro reporte, estava tudo bem. Então, agora, vai ser 100% perfeito desde o primeiro dia? Provavelmente não, mas espero uma mudança dramática em comparação com o passado. E algo que será muito aceitável.

Vai ser 100% perfeito desde o primeiro dia? Provavelmente não, mas espero uma mudança dramática.

Uma coisa é como as empresas estão a olhar para este desafio. Outra é como os resultados são recebidos pelos investidores e pela sociedade. Considera que estes standards têm o poder de mudar a forma como as pessoas investem e como olham para as empresas?

Estamos a mover-nos de uma situação na qual o ESGwashing, a litigância e falhas de interpretação representavam um grande risco, para um risco muito mais baixo. E penso que os investidores e credores vão encontrar no reporte de sustentabilidade das empresas a maior parte da informação de que precisam para desempenhar os seus papéis e respeitar a respetiva regulamentação. O reporte não é o objetivo último. O objetivo último é ter uma melhor gestão. Identificar os impactos relacionados com a transição, assim como os riscos e oportunidades com os quais a empresa se irá confrontar. E, depois, estabelecer planos para endereçar esses desafios e explicá-los às partes interessadas (stakeholders). Não é um exercício de compliance. É um exercício de gestão seguido de um exercício de reporte.

Nesse sentido, em que setores acredita que este novo esquema de reporte vai ter o maior impacto?

Qualquer empresa tem interesse em considerar todos os desafios. Os ESRS cobrem questões ambientais, sociais e de governança. Uma empresa pode ter desafios em uma das três ou mesmo nas três áreas. Claro que, aquelas que estejam a contribuir mais para as emissões de gases com efeito de estufa e para as mudanças climáticas, as que contribuem para a redução da biodiversidade ou que tê problemas de cariz social ao longo da cadeia de valor ou até problemas de sucessão… tudo isto será, de alguma forma, respondido, e também tornado público no reporte. Por isso acredito que constitui uma grande vantagem competitiva para as empresas, que sejam encorajadas a responder a estas questões.

O reporte não é o objetivo último. O objetivo último é ter uma melhor gestão.

Então, não destacaria nenhum setor?

Estamos a desenvolver critérios específicos por setor, aliás, estamos a trabalhar neles enquanto falamos. Identificámos o que chamámos os setores de alto impacto. Temos o petróleo e gás, mineração e carvão, alimentação e bebidas, têxteis, transportes, indústria automóvel, energia… e claro, o setor financeiro, desde os bancos e seguradoras até aos mercados de capital.

Esses são os setores onde vê que existirá o maior impacto, no sentido, provavelmente, de que a avaliação dos riscos conduzirá a uma revisão na gestão e na estratégia, é isso?

Sim.

Acredito que [o reporte] constitui uma grande vantagem competitiva para as empresas.

Estamos a falar de grandes empresas. Essas são aquelas a quem se exige, agora, o reporte. Contudo, mais tarde, as pequenas e médias empresas vão ser chamadas à ação também. No caso destas últimas há um risco maior? Ou o facto de as exigências serem aplicadas num período diferente [mais tardio] é suficiente para que consigam corresponder com o mesmo sucesso que as grandes empresas?

Isto é um ponto de discussão claro, ao dia de hoje, a nível europeu. Quando elaborámos os critérios, tivemos de trabalhar na abrangência. Agora, são as grandes empresas a reportar, sendo que uma empresa com mais de 250 funcionários é considerada grande. Nesse sentido, uma grande empresa pode ser relativamente pequena – desde 251 trabalhadores a multinacionais. É muito difícil: se colocamos a fasquia baixa, diminuiremos o nível de reporte para as muito grandes. Mas de forma a consolidar as boas práticas nas empresas muito grandes, sabíamos que estávamos a pôr a fasquia muito alta para as grandes de menor dimensão. É por isso que temos simpatia pela recomendação que foi feita no relatório Draghi, de ser criada uma categoria intermédia. Entre 250 e 750 ou 1000 trabalhadores, por exemplo, onde seria aplicada uma versão simplificada. De forma a reduzir o fardo e a tornar o reporte proporcional ao tamanho e desafios dessas empresas.

Mas como é que isso funcionaria em termos de timings? Adiar-se-ia a aplicação para as mais pequenas?

Tem três pontos de decisão que a Comissão, suspeito eu, está a considerar. O primeiro é se deve estabelecer-se uma categoria intermédia. A minha recomendação é que sim, é uma boa ideia. Um segundo ponto é se essas empresas serão sujeitas a uma regime voluntário ou obrigatório. Eu penso que é melhor ser obrigatório, porque era esse o princípio do CSRD. A terceira questão é “qual seria o nível de exigência?”Eu defendo um nível simplificado, em comparação com o das empresas maiores. Por fim, “quando?”. Deem-lhes um pouco de mais tempo, um ou dois anos. Deem mais tempo para as empresas se prepararem.

Temos simpatia pela recomendação que foi feita no relatório Draghi, de ser criada uma categoria intermédia. Entre 250 e 750 ou 1000 trabalhadores, por exemplo, onde seria aplicada uma versão simplificada.

Como é que a CSRD se pode coordenar com outras iniciativas de reporte de sustentabilidade? Algumas empresas terão de reportar de acordo com diferentes iniciativas ou isso pode ser evitado? O que está a ser feito nesse sentido?

Fizemos todos os esforços para evitar vários reportes. Quando se reporta respeitando os ESRS, estão a respeitar-se 99,2% dos requisitos do ISSB, os que estão subjacentes à Fundação IFRS. Também estão em linha com o GRI. Por isso não vejo razão para que existam múltiplos reportes. As empresas podem sempre decidir fazer algum reporte complementar, mas têm realmente de fazer o CSRD.

O que pode correr mal com o CSRD?

Sou um otimista. Espero que tenhamos feito um bom trabalho. Não um trabalho perfeito, mas um trabalho razoável a estabelecer e consolidar as melhores práticas. As grandes empresas levaram o exercício a sério, mas o meu receio coloca-se a partir daí. E é por isso que tomo como bem-vindo um eventual ajuste. Também podem existir decisões políticas que optem por outro caminho. Isso não posso controlar. Mas penso que isso não seria a melhor de todas as ideias, porque, de momento, quando viajo para fora da UE, há muito interesse no ESRS. Muito.

O reporte de sustentabilidade é uma megatendência. Podem existir obstáculos no caminho, mas de uma forma ou outra, é necessário.

Pensa que poderá ser aplicado noutras regiões?

Não, não é isso que estou a dizer. Todos estão a tentar – todos menos, talvez, o governo dos Estados Unidos da América, embora não seja uma verdade para todos nos EUA. Muitas empresas estão a pensar sobre estes assuntos. E há Estados como a Califórnia, que avançou com legislação. Lá, existe um panorama fragmentado. No resto do mundo, a maioria das pessoas com quem me encontro estão a refletir sobre como deverão avançar no reporte de sustentabilidade.

Tendo em conta a mudança na administração dos Estados Unidos, pensa que esta poderá ter algum impacto na relevância do CSRD?

Sou um observador atento daquilo que se passa nos Estados Unidos. Não consigo dizer [qual o impacto], muito francamente. Sim, é certamente um fator. Mas continuo a dizer: o reporte de sustentabilidade é uma megatendência. Podem existir obstáculos no caminho, mas de uma forma ou outra, é necessário. Porque se discutir com analistas, analistas sérios, empresas, ou investidores sérios… Há tanta necessidade de alocar capital à transição que é necessária a informação. E a informação financeira não é suficiente.

Lá [nos EUA], existe um panorama fragmentado. No resto do mundo, a maioria das pessoas com quem me encontro estão a refletir sobre como deverão avançar no reporte de sustentabilidade.

Vários bancos norte-americanos saíram da NZBA. Acredita que estes continuarão a financiar a transição da mesma forma, embora estejam fora da aliança?

No Estados Unidos, não é fácil comunicar um compromisso como estes, de momento. Mas por exemplo uma companhia de seguros. Não pode não considerar as alterações climáticas seriamente. Pode-se sempre ter uma visão de curto prazo e otimizar o retorno de curto prazo. Mas que negócios não vão ser afetados pela transição? Não posso dizer que isto é curto prazo, que não é importante. Numa megatendência, podes recuar uns passos. Mas é dois passos para a frente, um para trás.

A CSRD suscita algumas preocupações. Acredita que a economia europeia está preparada para a mudança que o reporte está a impulsionar? Ou estas exigências podem ser demasiado difíceis de gerir?

Endereçar os desafios de sustentabilidade e comunicá-los configura uma vantagem competitiva. Então, é melhor começar agora, porque, caso contrário, seremos confrontados com problemas maiores no longo prazo. Sendo verdade que a economia europeia perdeu alguma da sua competitividade recentemente, isso é um problema. Mas talvez, se tivéssemos tido os parâmetros certos há 20 anos, algumas decisões tivessem sido melhores.

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