Montenegro confia no “diálogo” para demover Trump de aplicar “carga tarifária excessiva” à UE
Primeiro-ministro português defende que a União Europeia deve "demonstrar com argumentação as virtudes de termos trocas comerciais que não estejam marcadas por uma excessiva carga tarifária".
Na semana em que Donald Trump dá o primeiro tiro de uma guerra comercial imprevisível com os seus principais parceiros comerciais, o primeiro-ministro português considerou esta segunda-feira que “a Europa está preparada” caso o Presidente dos EUA decida mesmo cumprir a ameaça e aplicar também novas taxas às importações da União Europeia (UE). Mas Luís Montenegro confia que o “diálogo” e a “argumentação” poderão demover Trump de intenções tarifárias mais extremas.
“É importante que a Europa veja este enquadramento numa perspetiva de diálogo. Os EUA são um parceiro comercial, político, de primeira linha da UE. Não há razão para não termos a capacidade de demonstrarmos com argumentação as virtudes de termos trocas comerciais que não estejam marcadas por uma excessiva carga tarifária”, reagiu o líder do Governo português a partir de Bruxelas, aonde se deslocou para participar num encontro informal de líderes europeus — convocado pelo presidente do Conselho Europeu, o português António Costa — onde se irá discutir também um maior investimento em Defesa.
Não há razão para não termos a capacidade de demonstrarmos com argumentação as virtudes de termos trocas comerciais que não estejam marcadas por uma excessiva carga tarifária.
Salientando que as ameaças de Trump “estão a ser levadas a sério” na Europa, por se tratar de um líder político com “toda a legitimidade” democrática, Montenegro insistiu: “A minha convicção é que o diálogo político deve ser a chave para podermos ter condições económicas, para ter boas taxas de crescimento, quer nos EUA, quer na Europa”.
O governante alertou que uma consequência desta guerra comercial será um aumento de preços ao qual os próprios norte-americanos não irão escapar. “Não é preciso um prémio Nobel da economia para perceber que o aumento das tarifas sobre produtos que colaboram para a formação do preço do lado das indústrias norte-americanas vai implicar um aumento de preços”, afirmou, indicando que “já aconteceu isso” na primeira Administração de Trump, quando as tarifas a produtos chineses “acabaram por redundar num aumento de preços das próprias produções americanas”.
“É minha convicção de que o aumento das tarifas que a Administração americana vem anunciando não favorece a própria economia dos EUA, mas isso é uma decisão que compete à Administração e que nós temos que respeitar”, admitiu Montenegro. A “excessiva carga tarifária” sobre os produtos importados da UE não será “muito auspicioso para a consolidação de ciclos de crescimento económico que sejam duradouros, que possam depois, quer do lado de lá do Atlântico, quer do lado de cá, esse crescimento económico ao serviço das pessoas”, defendeu o primeiro-ministro.
Apesar de a Europa estar “preparada”, como disse Montenegro, “tem muitos desafios pela frente”, confessou o primeiro-ministro: “Tem hoje uma situação económica que não é brilhante. Os dois principais motores da Europa estão, por assim dizer, engripados [sic] — quer a Alemanha, quer a França, enfrentam desafios políticos e financeiros, hoje, muito significativos, mas nós continuamos a ser um mercado interno de 500 milhões de pessoas e, do ponto de vista da inovação, do conhecimento, da capacidade da nossa indústria transformadora, um bloco comercial competitivo à escala global”.
Neste sábado, Donald Trump avançou com novas tarifas aduaneiras sobre os seus três principais parceiros comerciais, Canadá, México e China. O Presidente americano assinou uma ordem executiva em que define tarifas adicionais de 25% relativas a todas as importações do Canadá e México — com a exceção do petróleo e produtos de energia, que passam a ter uma taxa de 10% –, enquanto a China passa a ter um adicional de 10% nas exportações para os EUA.
Donald Trump reiterou também neste fim de semana que os produtos europeus vão ser sujeitos a taxas aduaneiras “muito em breve”. “Estão realmente a aproveitar-se de nós, temos um défice de 300 mil milhões de dólares [293 mil milhões de euros]. Não levam os nossos automóveis nem os nossos produtos agrícolas, praticamente nada, e todos nós compramos, milhões de automóveis, níveis enormes de produtos agrícolas”, disse no domingo o chefe de Estado norte-americano.
As novas tarifas provocaram um sell-off nas ações esta segunda-feira, enquanto o dólar valoriza mais de 1% face aos pares. Os três países que já foram alvo das tarifas de Trump estão a preparar formas de retaliação e a UE também já sinalizou que irá retaliar se Trump cumprir a sua ameaça.
Regulamentação atrasou Europa, incluindo na inteligência artificial
Na mesma ocasião, o primeiro-ministro admitiu que a Europa pode ter sido “demasiado ambiciosa” na aplicação de regras, afirmando mesmo que a UE “teve excesso de regulamentação nos últimos anos”. Isso fez com que, “em algumas tecnologias de ponta, os EUA e a China estivessem mais avançados” do que a UE.
Para exemplificar o atraso europeu face aos pares, Luís Montenegro apontou para um dos temas globais mais quentes ao nível tecnológico: “Veja-se, por exemplo, o caso da inteligência artificial”, disse.
Ademais, segundo Montenegro, até “em algumas áreas de comércio”, a regulamentação excessiva faz com que “a Europa seja penalizada, porque impõe aos seus produtores de vários setores de atividade da economia regras que são muito superiores àquelas que, noutras geografias, as empresas têm de abarcar”, notou o primeiro-ministro aos jornalistas.
Para o chefe do Governo português, “a Europa tem de estimular a sua própria capacidade de industrialização e de produção”, tendo à sua frente “anos em que terá de desenvolver as suas capacidades de inovação, de investigação e de se conformar, do ponto de vista interno, com regras de financiamento que possam alavancar o investimento”.
“Uma das grandes diferenças entre a Europa e os EUA é que o investimento privado na Europa está altamente limitado. Por isso é tão importante nós terminarmos de vez a União Bancária e podermos implementar um mercado de capitais comum, porque grande parte do capital europeu é investido na bolsa de valores de Nova Iorque. Grande parte das poupanças europeias é investida do lado de lá”, atirou.
Todavia, reconheceu que “a 27 é difícil”, ainda que seja “preciso” aproximar posições “em termos de políticas comuns”. Importa recordar que a comissária que representa Portugal, Maria Luís Albuquerque, tem a tutela destas áreas na Comissão Europeia.
Uma das grandes diferenças entre a Europa e os EUA é que o investimento privado na Europa está altamente limitado. Por isso é tão importante nós terminarmos de vez a União Bancária e podermos implementar um mercado de capitais comum, porque grande parte do capital europeu é investido na bolsa de valores de Nova Iorque.
Investimento europeu em Defesa deve ser “coordenado” e com “financiamento comum”
Luís Montenegro falou também de Segurança e Defesa, o principal assunto que o levou a Bruxelas esta segunda-feira, numa altura em que a UE também está a ser pressionada por Trump para reforçar o investimento nestas áreas. Para acolher esses pedidos deste importante aliado da NATO, Luís Montenegro pediu “uma linha de financiamento própria”, lembrando as virtudes dessa estratégia na “experiência” da ‘bazuca’ depois da pandemia.
Esse investimento deve ainda ser “coordenado” entre os 27 Estados-membros, para “que não haja grande repetição”, pediu Montenegro. Desta forma, evita-se que as finanças públicas sejam “de alguma maneira incomodadas por uma matéria que é tão específica e que hoje está tão prevista e assumida num compromisso temporal curto”, afirmou.
Dito isso, Montenegro lembrou que os ministérios da Economia e da Defesa Nacional já constituíram uma “task force” para atrair para Portugal “novas indústrias de defesa”, como “armamento” e “munições, por exemplo”. Essa equipa já está “a trabalhar” e terá “de se conformar com a estratégia que sair” da posição conjunta a ser tomada nesta reunião.
"1% do nosso produto gasto com comparticipação para o orçamento da UE é manifestamente pouco para ombrear com os grandes blocos comerciais do mundo.”
O Governo português anunciou no mês passado a antecipação em um ano, para 2029, do objetivo de gastar 2% do PIB em Defesa, um “esforço financeiro grande” para o país, disse então Luís Montenegro. No entanto, o secretário-geral da NATO, Mark Rutte, já alertou que “o objetivo de 2% do PIB definido há uma década não chegará para os desafios do amanhã”. No cimo da mesa dos aliados está o aumento deste peso para 5% do PIB, que, porém, o chefe do governo português entende não ser “exequível”.
Pelo contrário, Portugal está, sim, disponível para reforçar as contribuições para o orçamento comunitário, sinalizou esta segunda-feira: “1% do nosso produto gasto com comparticipação para o orçamento da UE é manifestamente pouco para ombrear com os grandes blocos comerciais do mundo”, apontou o governante.
(Notícia atualizada pela última vez às 11h46)
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