Um erro e dez minutos de atraso: como a maioria perdeu uma votação

  • Margarida Peixoto
  • 19 Julho 2017

João Galamba estava fora do Parlamento por motivos pessoais, Susana Amador estava numa comissão ao lado. Ainda correram para a reunião, mas já não chegaram a tempo.

A comissão de inquérito à Caixa foi marcada por vários casos políticos. José de Matos Correia, o primeiro presidente, demitiu-se acusando a esquerda de impedir a comissão de cumprir os seus objetivos.Paula Nunes / ECO

Um erro de avaliação e dez minutos de atraso — foi quanto bastou para fechar a comissão parlamentar de inquérito com mais um episódio rocambolesco e o relatório final chumbado. Esta terça-feira à tarde, os sete deputados do PS, BE e PCP não chegaram para impedir outros sete deputados da direita parlamentar de invalidar o relatório final, sobre os trabalhos da comissão de inquérito à recapitalização da Caixa Geral de Depósitos.

“Estava fora do Parlamento. Iria faltar por motivos pessoais,” diz o deputado do PS João Galamba, ao ECO, confirmando que estava convencido de que a votação seria feita por grupo parlamentar. Susana Amador estava numa comissão parlamentar ao lado daquela — e igualmente enganada sobre o modo de votação dos relatórios em comissões de inquérito. Ainda terá visto os deputados da direita “correr” para as votações, diz Galamba, mas não se terá apercebido da razão da pressa.

Quando os socialistas que participaram na votação se aperceberam do erro — prontamente identificado pelos deputados do PSD e do CDS — ainda telefonaram a João Galamba e a Susana Amador, que, apesar de também terem corrido até à sala da comissão, chegaram cinco a dez minutos depois da votação geral do documento já ter acontecido. Já só foram a tempo de votar algumas recomendações do relatório.

João Galamba diz ao ECO que teria sido possível, por maioria, anular a decisão do presidente da Comissão, Emídio Guerreiro, e passar a votação para o modelo em que vale o peso de cada grupo parlamentar. Mas o Bloco de Esquerda não quis, adianta o socialista, ao contrário do PCP, que não teria levantado objeções. O ECO tentou contactar os deputados Moisés Ferreira, do BE, e Miguel Tiago, do PCP, mas sem sucesso.

Sempre contou um voto por deputado?

De acordo com o regulamento desta comissão de inquérito — que repete, aliás, o regime jurídico dos inquéritos parlamentares — o relatório final refere obrigatoriamente “o sentido de voto de cada membro da Comissão, bem como as declarações de voto escritas.” É isto que permite concluir que se cada deputado tem direito a um voto, não pode estar a votar em nome do grupo parlamentar.

A prática na votação dos relatórios finais das comissões de inquérito tem sido sempre uma votação nominal.

António Filipe

Deputado do PCP

“A prática na votação dos relatórios finais das comissões de inquérito tem sido sempre uma votação nominal,” garante António Filipe, deputado do PCP, que já presidiu a várias comissões de inquérito.

O deputado explicou ao ECO que esta prática difere do que acontece nas outras comissões parlamentares, onde a votação é de facto feita por grupo parlamentar, mas o assunto está arrumado há mais de 20 anos. “Foi debatido em 1995,” recorda António Filipe, garantindo que foi nessa altura que se acordou a atual prática.

Mas não é de estranhar a confusão. José de Matos Correia, o primeiro presidente da comissão de inquérito à recapitalização da Caixa (e que se demitiu de funções por considerar que os deputados da esquerda estavam a impedir a comissão de cumprir os seus objetivos) recorda que durante o período em que ainda conduziu os trabalhos teve de corrigir os deputados do PSD, precisamente sobre o mesmo assunto.

“Já não me recordo com precisão sobre de que proposta se tratava, se era um requerimento para uma audição, mas o PSD dizia que tinha sido chumbado porque havia mais deputados na sala que estavam contra, do que os que estavam a favor”, conta ao ECO. “Disse que não, porque as votações durante os trabalhos da comissão de inquérito são iguais ao que acontece nas outras comissões [vale um voto por grupo parlamentar]; só no relatório é que é diferente,” garante.

Desta forma, esta terça-feira, na votação geral do relatório final, foram sete contra sete: de um lado, Paulo Trigo Pereira, Carlos Pereira, João Paulo Correia, Sónia Fertuzinhos e Santinho Pacheco pelo PS, Moisés Ferreira pelo BE e Miguel Tiago pelo PCP; do outro Adão Silva, Carlos Costa Neves, Duarte Marques, Hugo Soares, Margarida Balseiro Lopes, Margarida Mano (todos do PSD) e João Almeida (do CDS).

Socialistas, bloquistas e comunistas votaram a favor do relatório; social-democratas e centristas contra. Como um empate não chega para aprovar o documento, este acabou chumbado.

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