Novas regras de transparência dos negócios geram receio de mais burocracia e custos para empresas
Projeto de norma contabilística internacional para aumentar transparência financeira das operações é positivo, mas pode aumentar litígios e dificultar auditorias, dizem especialistas.
As empresas têm de ser mais transparentes com os investidores sobre os objetivos das suas fusões e aquisições e as sinergias e mais-valias que esperam obter. É o que pretende a International Accounting Standards Board (IASB) com um projeto que tem em cima da mesa para exigir mais transparência sobre a evolução financeira dos negócios de M&A feitos por cotadas. Os especialistas ouvidos pelo ECO dão nota verde ao aumento da clareza da informação, mas pedem ‘remédios’ para que a burocracia não se torne insustentável, sobretudo para as PME.
“Do ponto de vista estritamente conceptual, estou de acordo com iniciativas que beneficiem a confiança e a transparência do mercado face aos investidores. Todavia, essa maior exigência de transparência – neste caso em concreto, exigir às empresas que informem os investidores dos benefícios ou sinergias que esperam obter quando realizam uma compra – não pode em si mesmo vir criar distorções ao mercado”, explica Paulo Soares de Oliveira, fundador da corporate boutique Soares de Oliveira & Associados (SOA).
Em causa está uma proposta de norma contabilística do IASB cujo objetivo é exigir que as empresas informem os investidores, quando vão às compras, dos benefícios que preveem conseguir com essa transação e que os mantenham atualizados sobre o nível de alcance desses objetivos. Com que intuito? Para que o mercado possa antecipar as necessidades de provisão para goodwill (diferença entre o preço pago por uma empresa que se compra e o valor patrimonial/capital próprio da mesma).
Multinacionais como BP, Telefónica, Siemens, Unilever e Volkswagen estão numa verdadeira “rebelião” perante o apertar do cerco das regras contabilísticas, como conta o jornal espanhol Expansión. É que, segundo Paulo Soares de Oliveira, vai ser complexo auditar estes dados, o que resultará em incerteza, “um efeito mais devastador para o mercado”, e poderão gerar-se mais litígios ao publicar informação sensível ou até quebra de acordos de confidencialidade (NDA – Non Disclosure Agreements).
“Pode ser um bocadinho um tiro no pé. Há aquisições em que as sinergias são completamente irrelevantes, como integrações verticais. Outro exemplo é um processo de build-up, em que há várias aquisições de empresas ao longo do tempo. O que iria implicar? É preciso discutir muito bem a aplicação da norma”, adverte o líder da SOA, que pertence à rede internacional One to One Corporate Finance. O assessor sugere ainda que a gestão preste informação qualitativa sobre as suas expectativas a propósito dessa consolidação, em vez de quantitativa. “Ir mais além do que isso seria introduzir demasiada incerteza na norma”, defende Paulo Soares de Oliveira.
"Pode ser um tiro no pé, porque há aquisições em que as sinergias são completamente irrelevantes, como integrações verticais. É preciso discutir muito bem a aplicação da norma”
Contabilistas “favoráveis” a mais informação sem comprometer segredo de negócio
Contactada pelo ECO, a bastonária da Ordem dos Contabilistas Certificados (OCC) explicou que este processo ainda está em discussão no IASB, que publica as International Financial Reporting Standards (IFRS), e lembra que as cotadas portuguesas estão obrigadas à aplicação das normas internacionais de contabilidade adotadas pela União Europeia, “cujo processo de adoção carece de extensa análise e verificação das implicações pelo EFRAG (órgão consultivo da Comissão Europeia nas áreas contabilísticas)”.
Paula Franco defende que “é favorável” à divulgação de informação financeira das empresas para o mercado para permitir a tomada de decisão “apropriada” nas decisões de investimento e financiamento das organizações. Porém, considera que a comunicação não pode pôr em causa “o segredo do negócio das empresas, nem aumentar desproporcionalmente os custos associados de recolha e disponibilização de tais informações, tendo em conta que se trata de informações com base em estimativas futuras com um grau elevado de incerteza”.
Em relação aos privados, a bastonária da OCC acredita que as normas contabilísticas e de relato financeiro do Sistema de Normalização Contabilística em vigor em Portugal já permitem “a apresentação e divulgação necessária e apropriada para os utilizadores e outros interessados nas informações das demonstrações financeiras das empresas portuguesas não cotadas e que não aplicam as normas internacionais de contabilidade quanto às operações de fusão e aquisição” no país.
A associação Transparência Internacional Portugal (TI Portugal) tem vindo a aplaudir iniciativas para o setor privado, inclusive a colaboração com o Mecanismo Nacional Anticorrupção (MENAC) para implementação generalizada do Regime Geral da Prevenção da Corrupção (RGPC) e a criação do Business Integrity Forum, que está prevista ainda para este ano. Logo, esta é mais uma proposta que merece elogios da TI, até porque a “correta” avaliação do goodwill e a “clareza” sobre acordos parassociais são “fundamentais para evitar assimetrias de informação” que corram o risco de prejudicar investidores minoritários.
“Por princípio, acompanhamos todas as iniciativas da IASB que visem o aumento da transparência financeira, especialmente quando estas respondem a necessidades por ela identificadas como essenciais para reforçar o level playing field do mercado e a melhoria da tomada de decisão dos diversos stakeholders”, diz Jorge Máximo. Ainda assim, a TI Portugal apela à atenção às pequenas e médias empresas, que representam a maioria do tecido empresarial do país, e sugere que se estudem “adaptações” às normas para organizações de menor dimensão, e com volumes de negócios também mais baixos, para que haja equilíbrio entre transparência e proporcionalidade na divulgação de informação.
“Embora o nosso mercado de fusões e aquisições seja relativamente pequeno, a existência de regras claras e comparáveis com os restantes países europeus é essencial para garantir um ambiente de negócios estável e atrativo para investidores. A falta de transparência pode criar riscos significativos, nomeadamente para investidores minoritários e reguladores que dependem de informação fiável para avaliar o impacto destas operações”, sublinha Jorge Máximo.
"A falta de transparência pode criar riscos significativos, nomeadamente para investidores minoritários e reguladores que dependem de informação fiável para avaliar o impacto destas operações”
Lufada de ar fresco em 2025?
No ano passado, as transações de M&A puro e duro, bem como o investimento em capital de risco, private equity e compra de ativos, movimentaram no total 12,6 mil milhões de euros em Portugal, de acordo com a TTR Data. Apesar de 2025 ter começado com quedas – em janeiro, estas operações diminuíram 40% face ao ano anterior -, os especialistas antecipam que haja uma retoma da atividade, fruto da liquidez nas mãos de grandes empresas e fundos de capital privado, bem como o surgimento de um tipo de investidor até então com pouca expressão, os family offices, segundo a consultora PwC.
“De destacar ainda uma tendência evidente para a prossecução de estratégias de crescimento assentes em fusões e aquisições, o foco na revisão dos portefólios por parte dos grandes grupos económicos, bem como o crescente apetite por transações cujo principal racional é a sustentabilidade. Em termos de setores de atividade, é esperado que a tecnologia, imobiliário, utilities e energia, indústria transformadora, saúde e serviços continuem a ser os setores mais dinâmicos”, antecipa a PwC Portugal, num documento consultado pelo ECO e assinado por António Rodrigues, sócio responsável pela prática de Corporate Finance.
Assine o ECO Premium
No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.
De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.
Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.
Comentários ({{ total }})
Novas regras de transparência dos negócios geram receio de mais burocracia e custos para empresas
{{ noCommentsLabel }}