Marcelo avisa que eleições são risco para a democracia, mas partidos estão a postos para o embate
Presidente da República teme sucessivas crises se a campanha se focar em "becos de natureza pessoal e ética". Forças políticas estão a postos para o combate e PS quer um novo Governo duradouro.
O Presidente da República não queria eleições antecipadas, mas “não havia meio caminho“, diante do “choque sobre a confiabilidade, a ética do primeiro-ministro”, relacionado com o caso da empresa da família, Spinumviva, e eventuais conflitos de interesse com o exercício de funções de chefe do Executivo. Com o respaldo da unanimidade dos partidos com assento parlamentar e do Conselho de Estado, Marcelo Rebelo de Sousa marcou as legislativas para 18 de maio.
Mas alertou para o teor da campanha eleitoral que pode colocar em risco a democracia e abrir porta a uma constante crise política, caso se foque em “becos de natureza pessoal e ética”, favorecendo populismos e, em última análise, “a ditadura”.
“Impõe-se que haja um debate eleitoral claro, frontal, esclarecedor, mas sereno, digno, elevado, tolerante, respeitador da diferença e do pluralismo. Que fortaleça, não enfraqueça a democracia. Não abra, ainda mais, a porta a experiências que se sabe como começam e se sabe como acabam”, defendeu Marcelo.
Em reação à chamada de atenção do Chefe de Estado, os partidos mostraram-se preparados para o embate, com o PS a pedir um “Governo duradouro”. O secretário-geral socialista, Pedro Nuno Santos, começou por defender-se, afirmando que o partido deu “todas as condições para que este Governo pudesse governar”.
“As eleições não podem ser encaradas como um estorvo e um problema da democracia. São uma oportunidade de clarificação. A escolha será entre dois projetos e duas lideranças e a escolha do projeto depende da confiança na liderança”, disse, antes de acrescentar que “a saúde da democracia” e o desenvolvimento do país vai decidir-se entre PS e PSD.
Para o presidente do Chega, André Ventura, Marcelo Rebelo de Sousa “foi muito claro” no seu discurso, ao deixar o ónus da crise no primeiro-ministro, Luís Montenegro, e não nos partidos da oposição. Face ao repto lançado pelo Presidente da República, de elevação e dignificação da campanha, Ventura garantiu que o partido irá abordar os temas que interessam aos portugueses como a “crise de habitação dos que não conseguem comprar casa” ou a “luta contra a corrupção” e que a mensagem do partido não se vai centrar na “falta de integridade do primeiro-ministro ou das suspeitas”.
A líder parlamentar da IL e candidata presidencial, Mariana Leitão, considerou que o Presidente da República fez um diagnóstico correto da atual situação política e argumentou que “é óbvio que tudo aquilo que se viveu nos últimos tempos fragiliza o primeiro-ministro”.
A deputada assegurou ainda que os liberais farão uma “campanha pela positiva, focada em apresentar soluções” com o objetivo de “devolver a esperança e a ambição aos portugueses”.
O líder parlamentar do CDS, Paulo Núncio, começou por responsabilizar as oposições pela atual crise por rejeitarem uma moção de confiança “numa escalada destrutiva completamente irresponsável”. O parlamentar diz estar “absolutamente convencido” de que os portugueses “acabarão por reconduzir este Governo”, assegurando que os centristas terão uma “campanha eleitoral serena, civilizada, decente”.
“É muito importante que os portugueses saibam escolher com rigor, com serenidade, com tranquilidade, soluções seguras, confiáveis e que permitam governar o país com conhecimento, com competência, mas também com decência”, defendeu o deputado centrista.
Do lado do BE, a preocupação é a de que o Presidente garanta que “o Governo não extravasa funções e poderes de governo de gestão”. A coordenadora bloquista, Mariana Mortágua, corrigiu ainda Marcelo Rebelo de Sousa: “O que se passou para justificar a crise não foi um conflito de opiniões em que uns entenderam que houve um problema ético e outros não”. Para a parlamentar existe mesmo um problema entre Luís Montenegro e a empresa familiar Spinumviva.
“Cá estaremos prontos para este combate”. Foi a reação do secretário-geral do PCP, Paulo Raimundo. O também deputado lembrou ainda que “o confronto com o Governo não se resume a este caso concreto”, é “também um combate político-ideológico”. Nas perspetiva do comunista, o facto de Marcelo se ter focado durante tanto tempo, no seu discurso, no caso concreto do primeiro-ministro, acaba “por, de forma direta, sublinhar as responsabilidades que o Governo tem no seu próprio caminho”.
Rui Tavares, do Livre, acompanhou as preocupações do Presidente da República sobre o risco da ascensão de populismos e pediu que se “evite que uma crise individual do primeiro-ministro se transforme numa crise de regime”.
“Esperamos que a campanha possa ser esclarecida, que possa haver alternativas e não passemos o tempo todo num debate de atirar culpas de uns para os outros”, sublinhou.
Do mesmo modo, a líder do PAN, Inês de Sousa Real, espera que o “debate não fique minado pelas questões de atuais conflitos de interesse”. A também deputada única reiterou que o responsável pela crise política é Luís Montenegro e acusou-o de se ter escondido “atrás da moção de confiança”. “Arrastou o país para eleições antecipadas”, criticou.
A atual crise política teve início em fevereiro com a publicação de uma notícia, pelo Correio da Manhã, sobre a empresa familiar de Luís Montenegro, Spinumviva, detida à altura pelos filhos e pela mulher, com quem é casado em comunhão de adquiridos – e que passou na semana passada apenas para os filhos de ambos –, levantando dúvidas sobre o cumprimento do regime de incompatibilidades e impedimentos dos titulares de cargos públicos e políticos.
Depois de mais de duas semanas de notícias – incluindo a do Expresso de que o grupo Solverde pagava uma avença mensal de 4.500 euros à Spinumviva –, de duas moções de censura ao Governo, do Chega e PCP, ambas rejeitadas, e do anúncio do PS de que iria apresentar uma comissão parlamentar de inquérito, o primeiro-ministro anunciou a 5 de março a apresentação de uma moção de confiança ao Governo.
O texto foi rejeitado na terça-feira com os votos contra do PS, Chega, BE, PCP, Livre e deputada única do PAN, Inês Sousa Real. A favor estiveram o PSD, CDS-PP e a Iniciativa Liberal. Segundo a Constituição, a não aprovação de uma moção de confiança implica a demissão do Executivo, o que aconteceu um ano e um dia depois da vitória da coligação AD nas legislativas antecipadas de 10 de março.
O XXIV Governo Constitucional tornou-se o segundo Executivo na história da democracia a cair na sequência da apresentação de uma moção de confiança, depois do I Governo Constitucional, em 1977, dirigido pelo socialista Mário Soares.
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