“Se calhar, a redução das tabelas de retenção na fonte foi um bocadinho excessiva”

O IRS já baixou por duas vezes no ano passado, mas a bastonária da Ordem dos Contabilistas acredita que PS e PSD deverão continuar o caminho de desagravamento fiscal nos próximos anos.

Em plena campanha da entrega da declaração de IRS, que termina a 30 de junho, a bastonária da Ordem dos Contabilistas Certificados (OCC), Paula Franco, aconselha a prescindir do IRS automático e a fazer a simulação para ver qual a melhor situação e defende uma nova redução do imposto para todos os escalões.

Sobre a redução dos reembolsos de IRS ou mesmo necessidade de pagamento de imposto por alguns contribuintes, Paulo Franco afirma que “se calhar a redução das tabelas de retenção na fonte foi um bocadinho excessiva”, mas concorda que deve haver uma aproximação entre a retenção na fonte e o IRS final.

Com as eleições legislativas antecipadas à porta, PSD e PS já estão em modo de pré-campanha, prometendo novas benesses para os contribuintes. O ainda ministro das Finanças já prometeu inclusivamente uma nova redução de impostos. Acha que vamos ter uma nova descida de IRS e IRC?

Acho que sim, acho que independentemente do partido que ganhar, esse é um caminho que está traçado e que nenhum partido vai fugir dele. A descida do IRS é uma descida necessária, porque os impostos subiram muito quando foi a altura da troika e, portanto, estamos a fazer o caminho contrário agora para chegar àquilo que é justo e que é equilibrado. Porque realmente a tributação em Portugal, para os rendimentos que existem, são muito elevadas. E, portanto, é este equilíbrio que tem que existir.

Em IRC já não é assim. Portanto, vai lá mais em IRS. Em IRC são medidas mais defendidas pela AD, PSD, do que propriamente pelo PS ou à esquerda. Acho que se efetivamente se continuar com este princípio, acho que há possibilidade para descer outra vez o IRC. Aliás, já havia um compromisso para os próximos anos e espero que esse compromisso se mantenha.

Na perspetiva da Ordem dos Contabilistas, quais deverão ser as prioridades do Governo que sair das eleições legislativas de maio?

Acho que se tem que focar na estabilidade fiscal. Deve-se continuar com a política de redução do IRS. Acho que é fundamental para criar competitividade em Portugal, para atrair jovens. Apesar de haver o IRS Jovem, os jovens depois chegam à idade de começarem a contribuir como os outros contribuintes normais.

Portanto, há que descer tudo para quando chegarem lá não sintam essa necessidade de voltarem a sair do país.

Uma redução transversal ou até determinado escalão?

Uma redução transversal. Os escalões mais altos são muito baixos. Para os rendimentos obtidos em Portugal são mais ou menos equilibrados, mas os escalões mais altos são de rendimentos que não são de pessoas ricas, apesar de serem rendimentos já generosos, mas não são de pessoas ricas.

Os escalões mais altos são os que apanham rendimentos que são de um trabalhador dependente que tem um cargo melhor, com mais responsabilidade e que de facto dá uma grande fatia para o Estado e isso é desincentivador. Quando estamos a falar de rendimentos de 3.000 ou 3.000 tal euros e com o aumento dos salários em Portugal, já não é tão difícil chegar a estes salários, estamos a falar de uma tributação muito elevada para estes salários. Chega quase a metade com a parte da contribuição para a Segurança Social. E isto para os trabalhadores também não é incentivador.

A maioria dos portugueses não paga imposto e isso é que faz com que depois pese muito na classe média. Mas com o crescimento dos salários e também do crescimento dos salários da classe média, já há muito mais imposto, por isso é que a receita também aumenta e portanto temos que olhar para essas situações.

A descida do IRS é uma descida necessária, porque os impostos subiram muito quando foi a altura da troika e, portanto, estamos a fazer o caminho contrário agora para chegar àquilo que é justo e que é equilibrado.

Paula Franco, bastonária da Ordem dos Contabilistas Certificados

E o mínimo de existência deve continuar a acompanhar a trajetória do salário mínimo?

Sim, claro. O salário mínimo significa exatamente isso, que ninguém deve ter um salário abaixo disso. Significa que é aquilo que é considerado o mínimo dos mínimos. Se nós não temos o mínimo de existência a proteger isso, pode haver tributação em termos de imposto e não se quer tributar quem está no mínimo dos mínimos.

Na campanha de IRS deste ano, vários contribuintes estão a ser confrontados com reembolsos menores e alguns até vão ter de pagar imposto. Como já explicou, não se trata de um agravamento fiscal, mas de uma consequência da descida das tabelas de retenção na fonte. Acha que o Governo tomou a opção correta ao reduzir de forma extraordinária as tabelas de retenção na fonte em setembro e outubro, tendo em conta que agora as famílias vão ter um reembolso menor?

Eu acho que foi uma boa medida. Se calhar a redução das tabelas de retenção na fonte foi um bocadinho excessiva e, aí, podemos discutir se poderia ter sido um bocadinho menos. Porquê? Primeiro, retroagiu a janeiro. Mas, depois, temos de ter cada vez mais a ideia de que os reembolsos devem acabar, isto é, o contribuinte deve adiantar ao Estado aquilo que estará muito próximo daquilo que é a sua conta final com o Estado no IRS que vai pagar no final.

Se adiantarmos valores muito grandes, depois vamos ter reembolso, mas só vamos receber no ano seguinte, quase depende depois das alturas em que entregamos o IRS, mas nunca será antes de abril. Acho que também não é correto e, portanto, acho que o Governo está a criar medidas corretas para aproximar a retenção na fonte ao IRS final.

Portanto, se foi um bocadinho excessivo em setembro e outubro, foi, efetivamente, o que dá nesta grande variação, mas se calhar a maior parte dos contribuintes ainda vai ter reembolso, vai é ter menos.

Aquilo que seria o ideal, era estar quase igual. Isto é, aquilo que eu adianto ser aquilo que resulta depois quase nas contas finais, com os acertos pequeninos. Agora, reembolsos de 4.000, de 2.000 euros, de 1.000 tal euros, é dinheiro que estava do lado do Estado e também não é isso que é desejável.

Então é positivo que contribuintes tenham zero de reembolso, porque não adiantaram imposto a mais aos Estados.

Exatamente. Não terem reembolso nem imposto a pagar é o ideal.

E nas situações em que há contribuintes que estão a ser chamados a pagar. O que é que poderá ter acontecido?

Aí depende um bocadinho das despesas e depende precisamente deste cenário da retenção na fonte ter sido tão inferior que acabou, com o aumento dos rendimentos, com uma variação de rendimentos… Por exemplo, imagine que existiu uma gratificação, um prémio durante esses meses em que a retenção na fonte foi menor. Basta isso para haver ali algum desequilíbrio. Ou quem foi aumentado, quem mudou de emprego e de repente teve ali variações, isso pode acontecer.

De que forma as famílias podem maximizar o seu reembolso ou evitar pagar imposto?

Acho que acima de tudo, e é o conselho que eu tenho dado, é fazer o IRS com calma. Acho que para os contribuintes é sempre um momento de tensão entregar o IRS. Os contribuintes devem fazê-lo com calma. Terem ali um espaço, tirarem uma hora para preencher o seu IRS, para depois não se verem ali pressionados com qualquer informação.

É importante esta calma, para quê? Para verificar as despesas, se estão lá todas, se estão pré-preenchidas, se realmente os rendimentos estão certos. Portanto, fazer esse controlo daquilo que é e que aparece na declaração. Hoje em dia, como as declarações ou são automáticas, ou mesmo na declaração modelo três normal, aparece com praticamente tudo pré-preenchido, os contribuintes muitas vezes nem olham para ela. E isso, de facto, pode levar a que não maximizem a sua poupança fiscal. Portanto, é preciso ter cuidado, olhar para as despesas e ver se lá estão.

Nem sempre vale a pena o IRS automático. O IRS automático não nos permite controlar muito ali na declaração.

Paula Franco, bastonária da Ordem dos Contabilistas Certificados

Por isso, nem sempre vale a pena o IRS automático?

Nem sempre vale a pena o IRS automático. O IRS automático não nos permite controlar muito ali na declaração. Antes do IRS automático, estes contribuintes mais cuidadosos já tiveram o trabalho todo de validar faturas e de, inclusivamente, que deviam-no ter feito até final de março, ter confirmado se efetivamente as suas despesas estavam todas lá consideradas e até reclamar se fosse caso de alguma dessas situações. Se o fizeram, se já verificaram antecipadamente, já estão com muito mais confiança agora na declaração automática.

Se não o fizeram, aí aconselho a irem à declaração Modelo 3 normal ou então verificarem outra vez as deduções antes de enviar a declaração, de submeter a declaração pelo IRS automático.

Até porque na declaração automática, há determinadas despesas que não aparecem pré-preenchidas, correto?

Na declaração automática não se vê praticamente nada, elas estão lá, na simulação dá para perceber, mas eu não consigo perceber exatamente o que está. Para tirar uma liquidação, por exemplo, para perceber quais são as minhas deduções, etc., eu tenho de ir por uma declaração Modelo 3 normal e fazer a simulação. Na declaração automática aparecem os principais rendimentos e aparece-me a simulação final.

Não dá então para confirmar se todas as despesas de educação estão corretas. Por exemplo, as despesas de quotas para sindicatos não aparecem…

Não aparecem. Nesse caso tem de se ir pela declaração Modelo 3, tem de se preencher a declaração Modelo 3 normal, não a automática. Os encargos com ordens profissionais também não aparecem.

Muitas vezes também não aparecem os filhos…

Se não vêm de declarações anteriores e não se fez a alteração do agregado familiar, não aparecem. Tudo isso tem que ser confirmado. A declaração automática é muito positiva se for para um contribuinte que tenha previamente feito o seu trabalho de casa e tenha realmente assegurado que todas essas questões estão acauteladas e que não tenha situações que não aparecem pré-preenchidas.

Uma das vantagens do IRS automático é que se o contribuinte se esquecer, a declaração é entregue automaticamente e não paga multa.

Isso hoje em dia está previsto na lei, precisamente que para aqueles rendimentos mais normais a declaração é considerada como submetida.

É preferível entregar a declaração separado ou em conjunto, no caso de um casal?

Em regra, de todas as simulações que eu fiz, ainda nunca consegui encontrar alguma com vantagens em entregar em separado. Mas admito que existam situações limite em que possa acontecer. Portanto, na maioria dos casos, compensa entregar a declaração conjunta.

Mesmo sem filhos?

Mesmo sem filhos. Aqui há uma chamada de atenção e a declaração automática é muito boa, porque permite ver logo a simulação das três situações. Aparece a simulação do conjunto e de cada um em separado. Portanto, vê logo claramente qual é o que mais lhe interessa.

O Governo chegou a admitir retirar o prémio salarial, relativo à devolução de propinas, a quem beneficiar do IRS Jovem. Esta medida sempre vai avançar?

Não se falou mais no assunto, nós não vemos nada na lei que dê suporte a isso, portanto vamos aguardar, até lá não há incompatibilidade nenhuma. Pelo menos, nesta declaração, e pelo menos naquilo que está quer na base do próprio prémio salarial, quer na base do IRS jovem.

Já existe IRS jovem há alguns anos e tem vindo sempre a melhorar. Inclusivamente no ano de 2024, que é esta declaração de IRS que se está agora a entregar, houve um aumento substancial do benefício para os jovens.

Paula Franco, bastonária da Ordem dos Contabilistas Certificados

De qualquer das formas este Governo já em gestão não teria agora poderes para alterar essa matéria.

Agora é difícil, exatamente, vamos ver como é que vão ser as devoluções das propinas este ano, precisamente nesta altura da mudança.

Na declaração de IRS deste ano, os contribuintes ainda não podem beneficiar do novo IRS Jovem, certo? Apenas podem aceder ao regime anterior, do Governo de António Costa. Qual é a opção que os jovens contribuintes têm na declaração deste ano?

Já existe IRS jovem há alguns anos e tem vindo sempre a melhorar. Inclusivamente no ano de 2024, que é esta declaração de IRS que se está agora a entregar, houve um aumento substancial do benefício para os jovens. Aquele limite máximo que existia aumentou consideravelmente. Os jovens que podem utilizar o IRS jovem em 2024 vão ter um benefício muito maior.

Depende dos anos, depois as percentagens são diferentes, mas no geral é maior o benefício. Mas, efetivamente, ainda não é tão alargado como vai ser agora este IRS Jovem, tão falado em 2025, que abrange muito mais jovens, que não está dependente de um grau de ensino. Quando estamos a falar do IRS Jovem de 2024, ainda estamos a falar de um IRS jovem com limitações. Só para quem concluiu ciclos de ensino, a começar logo no ano seguinte à conclusão desses ciclos de ensino e até ao limite dos 26 anos. Este agora novo vai até aos 35 anos. Portanto, o atual IRS Jovem é muito mais restritivo do ponto de vista quer dos limites, quer da idade, quer até do limitar a um ciclo de estudos.

E, portanto, é esse que estamos a falar que vai ficar agora ainda abrangido em 2024. Estes jovens que ficam abrangidos em 2024, são de facto aqueles contribuintes que até podem ter um reembolso maior se não optaram por descer a retenção na fonte. Porquê? Porque o benefício aumentou bastante e, portanto, os jovens aqui podem ter uma surpresa agradável, ao contrário dos outros contribuintes que estão a ver o seu reembolso diminuir.

Uma das chamadas de atenção muitíssima importante é que o IRS jovem não é automático. Não podem ir por envio da declaração automática. Têm que, efetivamente, assinalar campos nas declarações.

Paula Franco, bastonária da Ordem dos Contabilistas Certificados

E como se seleciona essa opção?

Uma das chamadas de atenção muitíssima importante é que o IRS jovem não é automático. Não podem ir por envio da declaração automática. Têm que, efetivamente, assinalar campos nas declarações. Por exemplo, se for trabalho dependente, que é o anexo A, que tem os rendimentos do trabalho, têm que assinalar o quadro 4-A, onde vão pôr o estabelecimento de ensino e o ano da conclusão dos cursos, e é isso que faz com que o jovem indique que quer optar pelo IRS jovem, porque o jovem pode ser tributado normalmente se não quiser optar, é uma opção.

Na categoria B, porque também está abrangida pelo IRS jovem, também tem um quadro específico para indicar a mesma coisa, o estabelecimento de ensino e o fim do ciclo de estudos, que é o quadro 3 E. Tem que o assinalar para poder beneficiar.

Se tem os dois rendimentos, categoria A e categoria B, e assinala o quadro logo no anexo A, vai-lhe dar erro e dizer que também tem que assinalar o do anexo B. Portanto, aí tem um alerta, o que é importante. Tem que ser nos dois quadros, porque depois a tributação é total para o jovem e ele alerta para isso o que é positivo.

Que novidades traz a declaração de IRS deste ano?

Uma nova dedução que não é declarativa, ela já está na validação das despesas e é das que aparece automaticamente, que é uma nova dedução que existe para quem tem trabalhadores do serviço doméstico, quem tem umas horas de empregada doméstica, um dia, um salário mensal, o que quer que seja, vai ter uma dedução com o serviço doméstico. É uma das novidades, que foi também previamente validada pelos contribuintes, provavelmente para ver se está lá, e que vai aparecer pré-preenchida com as outras despesas que já existiam, de alojamento, de reparação de veículos, de estética, etc. Vai estar em separado, mas também nesse tipo de despesas.

Depois existe uma situação nova que tem a ver com quem teve gratificações de balanço, portanto, aqueles trabalhadores que tiveram até um salário dado pelas empresas, quase como um décimo quinto mês. Tratou-se de uma medida fiscal para as empresas, que possibilitava a atribuição deste prémio, gratificação de balanço, que é isento de IRS, embora sujeito a englobamento. E este valor deste prémio não vai ao anexo A e está identificado no anexo H. Ele vai aparecer pré-preenchido no quadro quatro do anexo H, onde está lá esse que no fundo é um rendimento isento sujeito a englobamento. Este é um quadro novo, é uma situação nova e é muito importante alertar de que este rendimento tem que ir efetivamente no anexo H para não ser tributado e não vai no anexo A.

O anexo H que é das deduções à coleta, isto é, dos encargos a abater no IRS.

É o anexo das deduções. Porque é que vai ao anexo H? Porque o anexo é das deduções e dos benefícios fiscais. E esta medida de dispensa, de isenção de IRS, tem a ver com o benefício fiscal e por isso é que vai ao anexo H.

Os ativos detidos em offshore também vão ter de ser pela primeira vez declarados

Sim. É uma das medidas que não foi alterada em conjunto com outras dos rendimentos não sujeitos ou isentos, que seria uma grande confusão, manteve-se a declaração dos ativos tidos em offshores. Esses campos são novos e estão também no anexo J.

Haverá algum tipo de controlo relativamente a essa matéria?

Há cruzamento de informação, ao contrário do que as pessoas pensam que com os offshores não há cruzamento de informação, hoje em dia já existe cruzamento de informação. Portanto, pode existir controlo, não é com todos os países, não é com todas as offshores, mas pode efetivamente existir.

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