Governo articula com a Madeira resposta a Bruxelas sobre Zona Franca

Bruxelas queixou-se e Portugal tem dois meses para responder. Em causa está a concessão da Zona Franca da Madeira feita por ajuste direto à Sociedade de Desenvolvimento, controlada pelo grupo Pestana.

O Governo Regional da Madeira e o Governo português estão a articular a resposta a dar a Bruxelas. Em causa está uma carta formal recebida por Portugal onde a Comissão Europeia acusa a concessão da Zona Franca da Madeira por ajuste direto de infringir as regras europeias de contratos públicos. A Madeira diz que a culpa é de Lisboa por não ter transposto a diretiva. O Ministério dos Negócios Estrangeiros não comenta.

“Essa articulação está a ser feita entre os dois Governos”, confirmou o secretário regional das Finanças, Rui Gonçalves, ao ECO. A mesma informação chega do Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE): “A resposta será naturalmente articulada entre o Governo da República e o Governo da Madeira”, responde o gabinete de Augusto Santos Silva. Falta saber qual a resposta a dar: o Executivo regional põe as culpas em Lisboa. Confrontado pelo ECO, o MNE diz que não fará nenhum comentário “até a resposta estar preparada”.

No entanto, o Ministério assegura que “o Estado português responderá à Comissão no prazo previsto“. Dado que Bruxelas deu dois meses, o Governo tem até dia 13 de setembro para argumentar contra a queixa. A 13 de julho, a Comissão Europeia explicava que o contrato foi “adjudicado diretamente” à empresa Sociedade de Desenvolvimento da Madeira, sem a organização de um concurso público com concorrência. “A Comissão considera que esta decisão infringe a legislação de contratos públicos da União Europeia”, classifica o Executivo comunitário.

Em reação, o secretário regional das Finanças argumentava que a diretiva não tinha sido transposta, pelo que cumpriu a legislação em vigor em Portugal na altura de celebração do contrato. Ao ECO, Rui Gonçalves dá a mesma argumentação e remete para o Governo da República a implementação da diretiva, “uma vez que essa adaptação extravasa as competências do Governo Regional da Madeira”.

Não vemos a necessidade de mudar só por mudar, ou para satisfazer convicções ideológicas que não são as nossas.

Rui Gonçalves

Secretário Regional das Finanças

Porquê optar pelo ajuste direto e não por um concurso internacional? Gonçalves justifica a decisão com a estabilidade da gestão do Centro Internacional de Negócios da Madeira (CINM): “Não podíamos correr o risco de redução da confiança que os agentes económicos e o mercado em geral têm na ZFM, sob pena de reflexos negativos para a economia regional”, argumenta, referindo que está em causa “mais de 20% da receita fiscal anual” do arquipélago. “Um argumento mais do que suficiente para não corrermos riscos”, diz.

O contrato de concessão questionado por Bruxelas foi assinado no início deste ano, mas já tem um passado de 30 anos onde a Sociedade Desenvolvimento da Madeira — cujo maior acionista é o grupo Pestana — geriu o CINM. O contrato prolonga por mais 10 anos essa gestão. Questionado sobre se esta longevidade é aconselhável do ponto de vista das boas práticas de gestão, Rui Gonçalves rejeita essa leitura, remetendo para os resultados da gestão. “Não vemos a necessidade de mudar só por mudar, ou para satisfazer convicções ideológicas que não são as nossas”, justifica, “mesmo que isso possa ser politicamente incorreto na leitura de alguns“.

Gestão pública traria “carga burocrática muito pesada”

Rui Gonçalves exclui um cenário em que a Zona Franca da Madeira é gerida pelo Executivo regional. O secretário regional argumenta que isso “traria à gestão da concessão uma carga burocrática muito pesada, que colocaria em causa o bom funcionamento do CINM”. No entanto, neste último contrato, a Região aumentou a sua participação na Sociedade de Desenvolvimento da Madeira para os 49%.

O responsável pelas finanças regionais justifica a decisão com a vontade de “aumentar a participação nas taxas e nos dividendos gerados na concessão”. “A Região passará a receber cerca de 62% da receita total proveniente de taxas e de dividendos, aumentando assim substancialmente os seus rendimentos, em detrimento dos acionistas privados”, assinala. O Executivo é representado na concessionária por João Machado, que até fevereiro deste ano era o diretor regional da Autoridade Tributária e Assuntos Fiscais.

Esta é a entidade responsável pela fiscalização das empresas que se instalam na Zona Franca da Madeira, que têm de cumprir certos requisitos, nomeadamente a nível do emprego que criam. “Sendo uma das condições de atribuição dos respetivos benefícios fiscais, a criação de emprego é fiscalizada pela Autoridade Tributária da RAM, no âmbito das verificações periódicas, bem como das fiscalizações que são levadas a cabo, muitas vezes em articulação com a AT nacional”, explica Rui Gonçalves.

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