Exportações de canábis quase triplicam em 2024. Mais 150 empresas esperam autorização do Infarmed

Portugal já exportou mais de 65 toneladas de canábis desde a legalização para fins medicinais. Em 2024, vendas voltaram a disparar para países como Alemanha, Espanha, Polónia, Reino Unido e Austrália.

O volume de exportações portuguesas de canábis quase triplicou em 2024 face ao ano anterior. De acordo com os dados fornecidos ao ECO pela Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde (Infarmed), as vendas ao exterior ascenderam a 32.558 quilogramas, abrangendo as atividades de cultivo, fabrico e comércio por grosso.

Alemanha, Espanha, Polónia, Reino Unido e Austrália foram os cinco principais destinos das exportações de canábis para fins medicinais durante o ano passado. Com este crescimento homólogo de 172%, que fez o volume superar as 65 toneladas deste 2019, o país consolidou o estatuto de maior exportador europeu e segundo a nível mundial, ranking em que surge apenas atrás do Canadá.

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O instituto público liderado por Rui Santos Ivo, que no mês passado foi eleito presidente do conselho de administração da Agência Europeia de Medicamentos (EMA), contabiliza ao ECO que há atualmente 41 empresas autorizadas a exercer as atividades de cultivo, 24 ao nível do fabrico e ainda 15 a operar no comércio por grosso.

Entre cultivo (92), fabrico (38) e comércio por grosso (19), outra centena e meia já obteve “decisão de aptidão documental” para operar em Portugal, encontrando-se o Infarmed a aguardar que requeiram uma vistoria às instalações. O que, salienta fonte oficial deste organismo do Estado, “apenas ocorrerá quando cumprirem os requisitos das boas práticas aplicáveis”.

Uma das mais recentes investidoras em Portugal é a Somaí Pharmaceuticals, depois de ter fechado um acordo com a Akanda Corporation para a aquisição da RPK Biopharma. Com sede na Irlanda e presença em 12 países, concentra a produção e cultivo de canábis em duas localizações nos arredores de Lisboa. Exporta quase tudo para 12 países, com destaque para Alemanha, Reino Unido, Austrália, Itália e Suíça, prevendo atingir este ano vendas superiores a 30 milhões de euros.

Em entrevista ao ECO, o presidente executivo, Michael Sassano, descreve a unidade de produção no Carregado – gere as áreas de investigação e desenvolvimento (I&D), extração, formulação e embalagem de produtos de canábis medicinal – como “uma das instalações de extração e fabrico mais avançadas da Europa, extensível até 3.800 metros quadrados, que com a sua capacidade atual pode servir todo o mercado global de extratos medicinais”.

Embora a Grécia tenha sido considerada, Portugal destacou-se pelo apoio das autoridades locais e pela rapidez no licenciamento e operações. Além disso, é conhecido por ter a maior infraestrutura de canábis da União Europeia, o que ajuda à contratação de profissionais.

Michael Sassano

CEO da Somaí Pharmaceuticals

Já a operação num “novo local de cultivo interior com certificação europeia GMP [Good Manufacturing Practice] recentemente adquirido em Sintra”, descreve o gestor de origem grega, permite à Somaí Pharmaceuticals uma “produção eficiente e controlada” de flor da canábis para fins medicinais, com uma capacidade interna de 2.000 quilos e adicional de processamento superior a 12.000 quilos. Em conjunto, estes ativos permitem-lhe oferecer mais de 130 produtos nos mercados globais, da Europa à Austrália.

A multinacional decidiu investir em Portugal “devido à sua forte infraestrutura regulamentar, ao apoio da autoridade reguladora local [Infarmed] e pelo ambiente favorável à produção e exportação de canábis medicinal”. “Embora a Grécia tenha sido considerada, Portugal destacou-se pelo apoio das autoridades locais e pela rapidez no licenciamento e operações. (…) Além disso, é conhecido por ter a maior infraestrutura de canábis da União Europeia, o que ajuda à contratação de profissionais”, completa Michael Sassano.

Unidade de produção da Somaí Pharmaceuticals no Carregado, às portas de Lisboa

Um contexto de negócio que começa a ser aproveitado igualmente por instituições de ensino superior, como o Instituto Politécnico de Portalegre: a partir de setembro vai ter um Curso Técnico Superior Profissional (CTeSP) em Tecnologias de Produção e Processamento de Canábis Sativa. Apresentado como “pioneiro na Europa”, vai decorrer na Escola Superior de Biociências de Elvas e integrar “intensas atividades práticas” em parceria com a MHI Cultivo Medicinal (Campo Maior), subsidiária da canadiana MediCane.

Também a gigante alemã Avextra decidiu aliar-se ao Instituto Universitário de Ciências da Saúde da CESPU, localizado em Gandra, no concelho de Paredes, no âmbito da investigação e desenvolvimento (I&D) de medicamentos à base de canábis. Contabiliza um investimento de 15 milhões de euros nos próximos cinco anos, “substancialmente” suportado pela Iberis Capital, private equity portuguesa e maior acionista individual da empresa.

Investimento continua a ‘florescer’

A comparação com as 30 mil licenças existentes nos EUA e a expansão das vendas de produtos medicinais à base de canábis em mercados europeus como Alemanha – onde já valem quase mil milhões de euros em vendas anuais -, França e Espanha, assim como a liberalização do acesso a este tipo de artigos na Irlanda ou na Chéquia, levam o CEO da Somaí a afirmar que “há espaço para muitos mais operadores” em Portugal, que “poderá apoiar centenas de empresas à medida que a regulamentação europeia evolui e o acesso dos pacientes se alarga”.

Atualmente detida pela gigante americana Curaleaf, que no verão de 2023 ficou com a unidade de processamento da colombiana Clever Leaves em Setúbal, a Terra Verde, que gerou um negócio milionário para o empresário Ângelo Correia, como noticiou o Público, foi há uma década a primeira empresa autorizada pelo Infarmed a plantar canábis destinada então a medicamentos para o Reino Unido. Outro dos porta-aviões deste setor, a canadiana Tilray tem vários hectares de estufas e laboratórios desde 2019 em Cantanhede, onde emprega perto de 150 pessoas.

Além dos grandes grupos internacionais, também há cada vez mais empresas portuguesas a aproveitarem o clima e a legislação favoráveis à produção de canábis para uso medicinal. É o caso da FAI Therapeutics, criada há três anos pelo histórico grupo farmacêutico Iberfar, fundado em 1924, que tem uma plantação de 5,4 hectares ao ar livre no concelho de Serpa, onde produz aproximadamente 30 toneladas de brotos de canábis por ano. A unidade da holding da família Ferraz da Costa já foi autorizada pelo Infarmed a colocar no mercado “a primeira preparação especialmente formulada para fins medicinais de uma empresa 100% portuguesa”.

Em Garvão, no concelho de Ourique, o presidente da Câmara, Marcelo Guerreiro, anunciou a construção de uma nova unidade de produção de canábis para fins medicinais e antecipou a criação de mais de 30 empregos por parte da Tetco Europe. Segundo documentos consultados pelo ECO, tem como empresa-mãe a sociedade de investimento Rising Capital (Luxemburgo) e como sócios-gerentes Rolando e Gabino Oliveira, filhos do empresário Joaquim Oliveira (Olivedesportos), atual presidente da Sport TV.

Feira Concreta e Elétrica - Exponor
Frederico Barreiro, diretor comercial da CânhamorFátima Castro/ECO

Na mesma freguesia, num terreno de 36.500 metros quadrados cedido pela autarquia do distrito de Beja, vai ser inaugurada este verão a maior fábrica mundial de produção de blocos de cânhamo, num investimento de 26 milhões de euros, que juntou dois israelitas e dois palestinianos a viverem no Alentejo. A Cânhamor conta atualmente com uma equipa de 17 pessoas e prevê contratar mais 33 para integrar esta nova unidade de produção.

Frederico Barreiro, diretor comercial da empresa fundada em 2021, contou ao ECO que esta será “a primeira e única fábrica do mundo a controlar todo o processo produtivo” — desde a matéria-prima até ao tratamento, fabrico e venda final deste tipo de produto — com capacidade para receber anualmente o equivalente a uma área de plantação de 3.000 hectares de cânhamo.

Primeiros projetos a ‘murchar’

Por outro lado, estão a cair alguns dos projetos que começaram a florescer no país depois de o cultivo da planta de canábis para fins medicinais ter sido legalizado e regulamentado em fevereiro de 2019, na sequência da aprovação no Parlamento um ano antes. A colombiana Clever Leaves, que logo nesse ano tinha instalado numa propriedade com 84 hectares em São Teotónio (Odemira) o seu primeiro centro de produção na Europa, encerrou todas as operações em Portugal.

Segundo calculou o grupo sul-americano, que no final de 2023 viu o Infarmed revogar as autorizações que tinham sido concedidas à Clever Leaves Portugal para o cultivo, fabrico, importação e exportação, o fecho da operação custou até 21 milhões de dólares. A despesa incluiu o pagamento de indemnizações e remunerações a funcionários, gastos com a retirada e abandono de equipamento e com a saída das propriedades antes do tempo previsto, e ainda com inventários que não seriam vendidos.

Nos últimos dois anos, quatro empresas não apresentaram pedido de renovação, deixando, assim, de exercer atividades relacionadas com a canábis para fins medicinais”.

Fonte oficial do Infarmed

Já no início deste ano, a 28 de janeiro, foi declarada a insolvência da Cannexpor Pharma, numa sentença assinada pela juíza Paula Manuela Branquinho Gonçalves Neto. No âmbito deste processo, para o qual foi nomeado Ricardo Costa como gestor judicial, surgem na lista de credores o banco Millennium BCP, a fornecedora de equipamentos de laboratório e instrumentação industrial Theta, a empresa de trabalho temporário Eurofirms, o Grupo Vendapou a empresa de segurança StrongCharon.

Foi em plena pandemia que o então diretor de operações António Vieira (atualmente CEO da AceCann, que tem sede em Lisboa e produção em Vendas Novas) anunciou um investimento de 15 milhões de euros para construir uma unidade de produção em Condeixa, para a qual publicitou um financiamento no âmbito do Portugal 2020: 1,4 milhões a fundo perdido e igual montante num empréstimo com taxa de juro zero. De acordo com os dados oficiais consultados pelo ECO, a Cannexpor Pharma Lda. acumulou prejuízos de 4,3 milhões entre 2019 e 2023.

Questionada sobre quantas empresas que tinham autorização deixaram de cultivar ou produzir canábis em Portugal, fonte oficial do Infarmed explicou ao ECO que as autorizações emitidas pela autoridade têm “validade anual, sendo necessário solicitar a sua renovação dentro do prazo estipulado”. “Nos últimos dois anos, quatro empresas não apresentaram pedido de renovação, deixando, assim, de exercer atividades relacionadas com a canábis para fins medicinais”, quantificou.

Da comparticipação dos remédios à formação médica

No que toca ao consumo no mercado interno, no final do ano passado estavam disponíveis em Portugal um total de 11 medicamentos contendo canabinóides (um deles restrito à utilização hospitalar e os restantes comercializados). O Observatório Português de Canábis Medicinal (OPCM), criado em 2019 e liderado por Carla Dias, quer que o Estado comparticipe estes medicamentos e está a fazer um inventário do número de pessoas que poderia beneficiar do alargamento deste tipo de oferta.

Atualmente, a prescrição está limitada a um quadro clínico em que as terapias convencionais não produzam resultados positivos ou provoquem efeitos secundários adversos. O CEO da Somaí Pharmaceuticals reconhece que “os dados relativos ao consumo são ainda limitados” no mercado interno, mas nota que o “número de empresas licenciadas e o interesse crescente dos profissionais de saúde sugerem um aumento gradual da adoção de tratamentos à base de canábis”.

Michael Sassano
Michael Sassano, CEO da Somaí Pharmaceuticals

“Portugal precisa de reformar o seu acesso médico à canábis como terapia alternativa e adicional. Há pessoas que querem ter acesso à canábis, mas atualmente têm pouca possibilidade de obter receitas médicas e as opções são limitadas”, sublinha Michael Sassano, em declarações ao ECO.

Além do “reembolso governamental” a médio prazo, defende “maior formação médica sobre o assunto e também campanhas de sensibilização do público”. “Estas medidas poderiam aumentar a confiança dos pacientes e dos profissionais de saúde. A abertura do acesso aos medicamentos tem ajudado dezenas de milhões de pacientes em todo o mundo a encontrar alternativas mais seguras para muitas indicações, nomeadamente para o alívio da dor”, conclui.

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