Escassez de trabalhadores fez subir salários, mas efeito “não deve repetir-se”
Conferência Anual do Trabalho arrancou com um painel sobre salários. Como acelerar rendimentos? Especialistas apontam para a baixa de impostos, produtividade e modernização do Estado.
- A Conferência Anual do Trabalho foi organizada pelo Trabalho by ECO e abordou os salários, a lei do trabalho, o futuro da Segurança Social, a formação e as migrações. Ao longo desta semana, serão publicadas peças relativas a cada um destes cinco painéis, sendo que pode rever já os principais destaques aqui.
A escassez de trabalhadores e as dificuldades no recrutamento que os empregadores nacionais têm sentido nos últimos anos têm motivado uma aceleração dos salários. Mas é improvável que o efeito se repita este ano. Este foi um dos avisos deixados no painel “Puxar pelos salários, para lá do mínimo” da segunda edição da Conferência Anual do Trabalho. Ao próximo Governo, os oradores recomendaram que baixe impostos, modernize o Estado e crie condições para reforçar a produtividade, de modo a que os vencimentos aumentem.

“A expectativa era de que a oferta e a procura potenciassem os salários, e isso aconteceu em 2024. Mas não há de haver um efeito de repetição. Pelo menos, não acreditamos nisso”, sublinhou André Ribeiro Pires, Chief Operating Officer (COO) da empresa de recursos humanos Clan.
Os trabalhadores portugueses ainda destacam o salário como “o elemento mais importante”, mas só cerca de 13% reconhecem ter um nível salarial ajustado à sua expectativa, pelo que, ainda assim, há espaço, realçou André Ribeiro Pires, para continuar a discutir como aumentar os vencimentos em Portugal.
A expectativa era de que a oferta e a procura potenciassem os salários, e isso aconteceu em 2024. Mas não há de haver um efeito de repetição. Pelo menos, não acreditamos nisso.
A propósito, Pedro Martins, professor da Faculdade de Economia da Universidade Nova de Lisboa (Nova SBE) e ex-secretário de Estado do Emprego, salientou que o panorama salarial português deixa “bastante a desejar”, havendo um “gap muito grande” entre os ordenados garantidos por cá e a média europeia. “É um desafio muito significativo”, assinalou o economista.
Na visão deste académico, a justificar esse fosso estão a baixa produtividade, e também os atuais níveis de investimento. “Se nos focarmos na dimensão do Estado, constatamos que Portugal tem níveis baixos de investimento público“, disse.
Também Gonçalo Lobo Xavier, diretor-geral da Associação Portuguesa de Empresas de Distribuição (APED), assumiu que é necessário valorizar os salários, mas notou que, neste momento, este não é o único fator que conta na atração de talento. Em contraste, os sindicatos continuam a pôr o foco total nos vencimentos, criticou.
“Quando me sento à mesa das negociações, discutimos questões essenciais, mas paramos muito numa questão que os sindicatos se bloqueiam: só querem discutir salários“, afirmou o responsável, alertando que o número de sindicalizados está a descer.
Quando me sento à mesa das negociações, discutimos questões essenciais, mas paramos muito numa questão que os sindicatos se bloqueiam: só querem discutir salários.
Na mesma linha, Rita Távora, country talent development manager do Ikea, explicou que esta empresa tem optado por pagar salários acima do setor em que insere — o salário mínimo do IKEA está fixado em 1.025 euros, acima dos 870 euros do salário mínimo nacional. Mas esse não tem sido o único fator de fidelização do talento, assegurou.
“Desde o início temos tido uma estratégia de gestão de pessoas, que não é só a parte salarial, e no que diz respeito ao salário temos vindo a fazer outro caminho a ter acima do que é o salário mínimo”, adiantou a responsável.
Quanto aos demais benefícios, o Ikea aumentou o subsídio de refeição, oferece seguro de saúde, tem um programa especial de apoio à parentalidade e disponibiliza um fundo de emergência aos trabalhadores. “São componentes que acabam por suportar os nossos colaboradores a ter condições de vida“, detalhou Rita Távora.
Pedidos ao Governo que aí vem

Os dois maiores partidos — PS e PSD — na corrida ao Parlamento querem que o salário mínimo nacional chegue ou ultrapasse os 1.100 euros em 2029 e já anunciaram como meta para o salário médio os dois mil euros até ao final da legislatura. Serão valores realistas?
Neste painel da Conferência Anual do Trabalho, o professor Pedro Martins considerou que são valores realistas, mas alertou que vê algum desequilíbrio nos programas eleitorais entre a “identificação destes objetivos e a identificação das metodologias para lá chegar e para que as empresas possam proporcionar estes aumentos“.
[O próximo Governo deveria] trabalhar mais na aérea do setor público e aumentar a produtividade do país modernizando o setor público.
Já numa última ronda, o ex-secretário de Estado viria a recomendar que o próximo Governo deveria “trabalhar mais na aérea do setor público e aumentar a produtividade do país modernizando o setor público“, de modo a criar condições para que as empresas paguem melhores salários.
Por sua vez, Gonçalo Lobo Xavier, da APED, realçou que é preciso “insistir, por mais que seja difícil de entender, na competitividade fiscal das empresas e trabalhadores, para que possam trazer mais dinheiro no bolso para casa”.
Enquanto Rita Távora atirou: “O que procuramos são medidas que suportem o nosso caminho para melhorar as condições dos trabalhadores. Tudo o que vier é bem-vindo.”
André Ribeiro Pires rematou a discussão com um recado. É preciso “potenciar a ligação entre as entidades públicas e as empresas“, para que os vencimentos possam crescer, para lá do mínimo.
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