Portugal já é o 9º país da União Europeia em que a direita radical tem mais peso

O Chega tornou-se o oitavo partido populista de direita com maior representação parlamentar nos países da União Europeia. Uma tendência política que chegou mais tarde a Portugal, mas em força.

As legislativas escreveram um novo capítulo no crescimento meteórico do Chega nos últimos seis anos. De 1,3% dos votos em 2019, elegendo-se apenas a si próprio, André Ventura passou para 22,6% nas eleições do passado domingo e 58 deputados, números que deverão ainda subir com a contabilização dos votos dos círculos da emigração. Portugal deixou de ser um país que destoava na Europa por não valorizar a direita radical e populista em termos eleitorais e tem agora um dos parlamentos onde a representação é maior.

André Ventura rejeita, de forma categórica, o rótulo de “extrema-direita” para o seu partido, mas exibe com frequência a sua proximidade com as forças políticas da direita radical que têm singrado na Europa, como a francesa União Nacional, o espanhol Vox ou o neerlandês Partido da Liberdade.

Na noite eleitoral, o líder do Chega fez questão de assinalar os parabéns que recebeu da sua família política europeia, alguns deles tornados públicos na rede social X. Marine Le Pen, da União Nacional, deixou “felicitações calorosas” ao seu “amigo” André Ventura, pela sua tenacidade e determinação, que “permitiram construir um movimento patriótico poderoso e popular”. Santiago Abascal, presidente do Vox, aproveitou para afirmar que “as forças patrióticas e conservadoras crescem em todas as nações da Europa apesar dos cordões sanitários e da hegemonia mediática dos partidos nacionalistas”.

Com o resultado das últimas legislativas, o Chega tornou-se o oitavo partido da direita populista e radical com maior representação parlamentar nos países da União Europeia, superando os 20,8% de votos conseguidos pelo Alternativa para a Alemanha em fevereiro e muito acima dos 12,4% obtidos pelo Vox em 2023. Considerando os diferentes partidos em cada país, Portugal é o nono onde estas forças políticas têm mais peso.

José Filipe Pinto, professor catedrático na Universidade Lusófona, enquadra a ascensão do Chega no “populismo cultural ou identitário que está a crescer muito na Europa”, um fenómeno “que chegou tardiamente a Portugal”. Viktor Orbán é primeiro-ministro da Hungria desde 2010, o Lei e Justiça chegou ao poder na Polónia em 2005 e a Liga, de Matteo Salvini, integrou uma coligação de Governo em 2018, tornando-se o primeiro partido da direita radical a chegar ao poder na Europa ocidental.

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“O populismo na Península Ibérica sempre existiu, mas um populismo sócio-económico, muito conotado com a ideologia socialista”, refere José Filipe Pinto, dando como exemplo o PCP e o Bloco de Esquerda, em Portugal, e o Podemos, em Espanha. “Não havia um populismo cultural ou identitário que se baseia numa ideologia nacionalista e conservadora”, continua. “Os três fenómenos mais recentes foram na Alemanha, com o Alternativa para a Alemanha (AfD), nos Países Baixos, com o Partido da Liberdade de Geert Wilders, e em França com a União Nacional. O Chega torna-se o quarto exemplo“, destaca.

O rápido crescimento do partido de André Ventura não surpreende Javier Carbonell, analista político no European Policy Centre, um think tank com sede em Bruxelas. “É muito normal os partidos de extrema-direita estarem fora do sistema político e subitamente tornarem-se atores muito relevantes num curto período de tempo”, refere.

Se aparece um político com uma boa imagem ou um acontecimento que normaliza a extrema-direita e esse estigma social é quebrado, então a ascensão é muito rápida.

Javier Carbonell

Analista político no European Policy Centre

“Isto acontece porque estes partidos não só estão a convencer novos eleitores, como há muitos eleitores que já concordam com as posições da extrema-direita em relação à imigração ou porque têm uma má opinião do sistema político, mas não votam nestes partidos porque são muito estigmatizados. Mas se aparece um político com uma boa imagem ou um acontecimento que normaliza a extrema-direita e esse estigma social é quebrado, então a ascensão é muito rápida”, explica Javier Carbonell.

De acordo com o levantamento feito pelo ECO, só quatro países da União Europeia não têm partidos da direita radical com representação parlamentar: Irlanda, Eslovénia, Luxemburgo e Malta. Em cinco, o apoio do eleitorado não chega aos 10%, como na Chéquia, Grécia ou Dinamarca. Há mais sete entre os 10% e os 20% e 12 acima desta última fasquia. Outro fenómeno político que está a ganhar expressão é o populismo de extrema-esquerda, de que são exemplos o partido do primeiro-ministro búlgaro Robert Fico ou o Sahra Wagenknecht Alliance, na Alemanha.

Não se trata de eleitores antidemocráticos (aliás as sondagens registam apoios superiores a 70% ao sistema democrático por parte destes eleitores), mas de insatisfeitos com a forma como as elites incumbentes (muitas vezes desde o segundo pós-guerra ou no caso da Península Ibérica desde as transições de 1974-75) geriram o poder, atraiçoando as promessas feitas aos respetivos eleitores em termos de crescimento económico e bem-estar.

Riccardo Marchi

Historiador

“Há já pelo menos 25 anos (desde começo do Seculo XXI) que se assistiu na Europa toda à triplicação da média de votos dos chamados Partidos Populistas da Direita Radical”, assinala Riccardo Marchi, historiador italiano a viver em Portugal que se tem dedicado ao estudo das direitas radicais. “O segredo inicial do sucesso foi perceber que largas faixas dos eleitores dos países europeus estavam cada vez mais insatisfeitas com o funcionamento das democracias”, afirma o investigador do Centro de Estudos Internacionais do ISCTE-IUL, acrescentando que “não se trata de eleitores antidemocráticos (aliás as sondagens registam apoios superiores a 70% ao sistema democrático por parte destes eleitores), mas de insatisfeitos com a forma como as elites incumbentes (muitas vezes desde o segundo pós-guerra ou no caso da Península Ibérica desde as transições de 1974-75) geriram o poder, atraiçoando as promessas feitas aos respetivos eleitores em termos de crescimento económico e bem-estar”.

Nos partidos populistas de direita há casos em que esta área partidária é claramente dominada por uma única força, como o Partido da Liberdade, na Áustria, e outros em que é dispersa por vários partidos, como na Roménia, onde a Aliança para a União dos Romenos, o SOS Roménia e o Partido dos Jovens somaram 32,5% dos votos nas eleições parlamentares de dezembro. Um forte apoio popular que não foi, ainda assim, suficiente para assegurar a vitória do ultranacionalista George Simion nas presidenciais do passado domingo, perdendo para o centrista Nicuşor Dan.

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“A aceleração da globalização, o multiculturalismo com migrações de massa, o projeto federalista europeu que foram os ingredientes da fórmula mágicas das elites incumbentes desde os anos 90, começou a perder gás na primeira década do século XX, arreferencendo com a crise económica de 2008, a dos refugiados de 2015, a pandemia de 2020, etc, etc. Abriu-se assim uma janela de oportunidade para partidos populistas tanto de esquerda como de direita que, nalguns casos, abandonaram a narrativa direita-esquerda abraçando a narrativa alto-baixo…Povo contra Elite”, observa Riccardo Marchi. Para o historiador italiano, “todos estes fatores apareceram também em Portugal com a diferença que aqui só tardiamente apareceu um empreendedor político disponível a levantar a bandeira desta fórmula de populismo de direita radical”.

Imigração e defesa da identidade alimentam populismo também em Portugal

José Filipe Pinto também vê no crescimento do Chega as mesmas raízes de outras forças populistas europeias. “Tirando determinadas especificidades, de que é exemplo o Vox — que deve muito do seu crescimento à defesa da manutenção das fronteiras perante as tendências separatistas –, as causas são comuns e assentam na defesa da identidade europeia, o perigo que no entender destes partidos representa a chegada de tantos imigrantes e o elevado número de requerentes de exílio, que sobrecarrega os orçamentos nacionais”. O investigador, que se debruça, entre outros, sobre o tema do populismo, aponta ainda a influência da “teoria da grande substituição”, segundo a qual as taxas de natalidade mais elevadas dos imigrantes irão conduzir a uma substituição da identidade cultural europeia.

Uma análise às conversas na rede X entre 7 de abril e 19 de maio de 2025, divulgada esta quarta-feira pela All Comunicação, conclui que “a imigração foi, de longe, o tema mais discutido, representando mais de 22% das conversas analisadas”. Para a consultora, “a Imigração tornou-se central no debate, impulsionada pela retórica do Chega e pela lógica emocional e polarizadora das redes sociais”. Uma análise à nuvem de termos associados à imigração indica que a palavra Chega “destaca-se largamente, sinalizando a centralidade do partido nesta discussão“. Outros termos frequentes são “Portugal”, “país”, “portugueses” ou “português”, assinalando a carga nacionalista e identitária.

O presidente do Chega, André Ventura, discursa durante um jantar-comício em Moura, 22 de setembro de 2021. O partido foi o mais votado no concelho, com 36,7% dos votos. NUNO VEIGA/LUSANUNO VEIGA/LUSA

O partido de André Ventura está empatado com o PS no número de deputados (58), mas deverá ultrapassar os socialistas quando forem contados os votos dos círculos da diáspora, na próxima quarta-feira, dia 28. Nas legislativas de 2024, dois dos quatro mandatos foram para o Chega. Se isso acontecer, André Ventura será o líder da oposição e verá o seu perfil político reforçado interna e externamente.

O Chega pertence ao grupo “Patriotas da Europa”, o terceiro maior do Parlamento Europeu, e uma das vice-presidências é ocupada por António Tânger Corrêa. O professor Catedrático da Universidade Lusófona sublinha as mensagens de parabéns que André Ventura recebeu dos presidentes de outros partidos da sua ‘família’, mas não antevê um maior protagonismo no grupo parlamentar da UE. “O líder é Jordan Bardella, o líder formal mas não real da União Nacional. Neste grupo há oito partidos com mais eurodeputados do que o Chega e alguns estão no poder nos seus países, como o Fidesz e a Liga. Dificilmente o Chega vai conseguir mais do que vice-presidências, mesmo prevendo-se que venha a crescer nas próximas eleições europeias”, considera José Filipe Pinto.

“O Chega é sempre um partido de um pais médio da UE, com escasso peso na pressão que pode ser exercida junto das autoridades de Bruxelas ou do Partido Popular Europeu”, assinala também Riccardo Marchi.

Apesar de assomar ao topo dos países europeus no número de votos, o Chega parece ainda longe de chegar ao poder, ao contrário do que já acontece em cinco países da União Europeia, onde partidos populistas lideram o Governo ou integram coligações: Hungria, Itália, Finlândia, Eslováquia e Croácia.

O que devem fazer os partidos do centro?

André Ventura garante, no entanto, que não vai parar até ser primeiro-ministro. Para já, veio declarar oficialmente, perante o país todo e com segurança, que acabou o bipartidarismo”. O professor catedrático da Universidade Nova de Lisboa não alinha com a visão do líder partidário. “Portugal continuará a ter um multipartidarismo polarizado — temos 10 partidos com representação parlamentar –, mas ao nível do exercício do poder é diferente, temos um bipartidarismo. O bipartidarismo só termina se não houver sentido de Estado no PS. Se o PS continuar a viabilizar o Governo, fizer a reorganização interna e constituir-se como alternativa de Governo, evitará a ascensão do Chega”, considera.

O fim do bipartidarismo não é uma inevitabilidade, mas uma probabilidade que poderá decorrer da falta de cultura democrática dos partidos mainstream e da enorme capacidade de vitimização de um partido populista.

José Filipe Pinto

Professor catedrático da Universidade Lusófona

Já um cenário de instabilidade beneficiará André Ventura. “O Chega não abandonou a modalidade inicial que é o populismo anti-sistema. O Chega vai cavalgar a onda de instabilidade para dizer que o sistema não se pode reformar e é preciso mudá-lo. O Chega só ganhará eleições se o bipartidarismo falhar”.

José Filipe Pinto avança também a hipótese de o Chega moderar o seu discurso. “O populismo é uma forma de articular o discurso, visando a luta pela hegemonia política. O Chega poderá moderar o seu discurso e ficar ao nível do mainstream, podendo chegar ao Governo e acabar com o bipartidarismo”.

O investigador insiste, no entanto, que “o fim do bipartidarismo não é uma inevitabilidade, mas uma probabilidade que poderá decorrer da falta de cultura democrática dos partidos mainstream e da enorme capacidade de vitimização de um partido populista”.

Javier Carbonell afirma que as sondagens apontam para uma média de apoio aos partidos de extrema-direita na União Europeia em redor dos 25%, de que o Chega agora se aproximou. O analista político considera que “ao tornar-se um partido normal, a sua votação vai aumentar ou descer em função dos mesmos motivos que afetam os outros partidos. Têm um líder competente, têm políticas que beneficiam os eleitores, governam bem ou mal?”.

Para o especialista em movimentos de extrema-direita, é difícil definir uma estratégia de sucesso para travar estes partidos. Mas há erros que devem ser evitados. Um deles “é normalizar as suas ideias, copiar as suas políticas, virar mais à direita. Pode ajudar no curto prazo, mas a longo prazo beneficia sempre este tipo de partidos. De uma forma geral, levá-los para o Governo normaliza-os por completo“, considera.

O plano de Ventura

As últimas eleições foram de facto um terramoto político porque podem ter aberto a porta à Segunda República, no sentido de ter modificado estruturalmente e de vez a relação de força da Primeira República de 1974″, afirma Riccardo Marchi, que diz não contar com a Primeira República de 1910, nem com o Estado Novo.

O professor convidado do ISCTE-IUL descreve mesmo o que antecipa ser o plano do líder do Chega para chegar a primeiro-ministro. Face ao “não é não” do PSD, Riccardo Marchi considera que o Chega está obrigado a “assumir o papel de oposição de direita à convergência ao centro entre AD e PS (os restantes partidos são irrelevantes), mas de oposição responsável que permita a legislatura do governo minoritário da AD, com o intuito de daqui a 4 anos replicar a ultrapassagem do PS, ultrapassando também a AD e aí reivindicando para André Ventura a liderança do governo minoritário do Chega, exigindo a mesma responsabilidade demonstrada nos próximos 4 anos aos dois opositores PS e AD”.

Caso o PS não colapse, como o PS francês, haverá uma tripartidarização. “Outra variável pode ser uma queda em desgraça de Montenegro e a subida à liderança da AD de um líder e classe dirigente mais aberta à formula IL-AD-Chega, o que poria de novo em jogo a hipótese da bipolarização do sistema”, defende Marchi, para quem as autárquicas de setembro serão uma espécie de “prova dos 9” da consolidação do Chega no sistema político.

Se um grande partido de extrema-direita chegar ao poder na Alemanha ou França, isso pode destruir a União Europeia. Uma Le Pen é pior que três Orbán.

Javier Carbonell

Analista político do European Policy Centre

O crescimento da direita radical representa também uma ameaça ao projeto da União Europeia, diz Javier Carbonell. O impacto depende de se estes partidos estão na liderança ou não no governo e da dimensão do país. “O facto de a extrema-direita ser forte em Portugal não é tão grave como se for forte em França. Se um grande partido de extrema-direita chegar ao poder na Alemanha ou França, isso pode destruir a União Europeia“, afirma. “Uma Le Pen é pior que três Orbán”.

O analista político do European Policy Centre considera que “há muita coisa que a União Europeia” pode fazer para travar este crescimento e sublinha as questões sociais. “Uma das razões para o crescimento da extrema-direita é a existência de problemas estruturais profundos. Um dos maiores é a deterioração das condições sociais. Uma das coisas mais erradas que a União Europeia fez foi abandonar o pilar social”, afirma, dando como exemplo a habitação, onde a UE não tem competências.

“Ao mesmo tempo que temos de gastar em Defesa temos também de gastar na esfera social”, alerta.

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