Empresas com dificuldades em resgatar milhões do Fundo de Compensação do Trabalho
Desde fevereiro do ano passado que as empresas podem levantar milhões que estão no Fundo de Compensação do Trabalho, mas a maioria dessas verbas continua por levantar, face às dificuldades no resgate.
Desde fevereiro do ano passado que as empresas podem levantar os mais de 600 milhões de euros que estão no Fundo de Compensação do Trabalho, mas mais de 85% dessas verbas continuam por levantar. Ao ECO, as empresas denunciam dificuldades nesse processo e avisam que é preciso rever os motivos previstos na lei para a utilização desse dinheiro. Caso contrário, há risco de se chegar a dezembro de 2026 (data limite para o resgate) com uma parte significativa do fundo intocada, alertam.
“As empresas estão a enfrentar dificuldades no resgate do Fundo de Compensação do Trabalho”, assinala, em declarações ao ECO, o presidente da Associação Industrial Portuguesa (AIP), José Eduardo Carvalho.
Desde logo, há “burocracia excessiva“, identifica o responsável. “O processo é moroso e exige múltiplas formalidades, como a auscultação obrigatória dos trabalhadores e a apresentação de diversas declarações e comprovativos“, detalha José Eduardo Carvalho.
Mas esse não é o único constrangimento. O próprio portal onde decorre esse processo regista “problemas técnicos“. “O sistema é pouco intuitivo, sendo frequentes os erros na submissão dos ficheiros eletrónicos, o que gera rejeições e sucessivos atrasos nos pedidos”, aponta o presidente da AIP.
O sistema é pouco intuitivo, sendo frequentes os erros na submissão dos ficheiros eletrónicos, o que gera rejeições e sucessivos atrasos nos pedidos.
O advogado Pedro Antunes, sócio da CCA Law, confirma-o, indicando que a interface é complexa, o que pode gerar erros ou confusão no preenchimento dos formulários.
“O principal erro a assinalar é que a plataforma só permite a submissão de todas as linhas de Excel se tiverem casas decimais, o que nem sempre é compreensível para os utilizadores. Muitas vezes o valor a pedir de resgate seria, por exemplo, cinco mil euros e será necessário preencher com o valor 5.000,01 euros. [Essa diferença] torna o processo muitas vezes inválido, sem qualquer explicação ou compreensão para o utilizador“, avança o advogado.
Também o diretor-geral da Confederação Empresarial de Portugal (CIP), Rafael Alves Rocha, reconhece que tem havido “alguns problemas no carregamento dos pedidos de reembolso na plataforma por parte dos empregadores, bem como obstáculos técnicos“.
Mas adianta que em causa estarão, “eventualmente, dificuldades na interpretação dos procedimentos necessários à formulação dos pedidos”, que, entretanto, foram corrigidas (pelo menos, entre as associadas desta confederação).
Por outro lado, o advogado Pedro Antunes refere ainda que o processo de pedido de reembolso pode ser demorado, sendo que algumas empresas, diz, estão a reportar dificuldades em obter resposta céleres por parte da entidade gestora.
Motivos “muito restritos” desmotivam resgates

Outra dificuldade das empresas é o leque de motivos previstos na lei para estes resgates. O que está fixado é que as verbas podem ser levantadas para financiar a formação dos trabalhadores, para apoiar os custos e investimento com habitação dos empregados, para investimentos de “interesse mútuo” (como creches e refeitórios) e para cobrir até 50% das compensações por cessação do contrato de trabalho.
“Os pedidos de reembolso são circunscritos a um leque muito restrito de situações, o que para muitas empresas é um constrangimento para a sua concretização“, salienta o secretário-geral da Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP), Luís Mira.
Os pedidos de reembolso são circunscritos a um leque muito restrito de situações, o que para muitas empresas é um constrangimento para a sua concretização.
No mesmo sentido, a secretária-geral da Confederação do Comércio e Serviços de Portugal (CCP), Ana Vieira, observa que há muitas empresas que promovem a formação dos seus trabalhadores, mas só as ações certificadas podem dar azo a levantamentos do Fundo de Compensação do Trabalho.
“Mesmo na formação certificada, que seria a via mais acessível, as exigências de planeamento prévio, comprovativos e vinculação dos trabalhadores tornam o processo burocrático e desmotivador”, acrescenta o presidente da AIP.
José Eduardo Carvalho adianta, por outro lado, que, nos casos em que o fundamento é o investimento em habitação, há uma série de encargos administrativos adicionais, que estão a levar “muitas empresas a desistir da mobilização dos montantes”.
Empresas vão exigir mudanças ao próximo Governo

Perante estas dificuldades, Ana Vieira, da CCP, atira: “A informação que temos é que as empresas não estão a fazer os resgastes. Ainda há muito dinheiro por resgatar”.
Esta confederação defende que, na próxima legislatura, é preciso, portanto, olhar para os motivos previstos para os resgates, de modo a perceber “se é possível fazer alguma ampliação“.
“Quando houver um novo Governo, faremos propostas. Com tempo, temos de olhar para o Fundo de Compensação do Trabalho para ver se não fomos demasiado redutores nos motivos de resgate considerados”, afirma a secretária-geral.
Quando houver um novo Governo, faremos propostas. Com tempo, temos de olhar para o Fundo de Compensação do Trabalho para ver se não fomos demasiado redutores nos motivos de resgate considerados.
Também Luís Mira, da CAP, garante que apresentará propostas ao próximo Executivo sobre o Fundo de Compensação do Trabalho. “Vamos apresentar propostas de ajuste ao novo Governo a nível da maior flexibilização das condições do pedido de reembolso. O valor do Fundo de Compensação do Trabalho é das empresas e, atendendo à evolução pouco favorável verificada nos pedidos de reembolso pelos constrangimentos e limitações das condições de acesso, deve ser alargado o leque de condições de acesso ao pedido de reembolso de forma a ser viável o reembolso“, defende o responsável.
Luís Mira argumenta, além disso, que, visto que já se passou, praticamente, metade do prazo previsto para os reembolsos e a maioria das verbas continua por levantar, se não forem alterados esses requisitos, “existe o forte risco de as empresas não serem reembolsadas“.
Importa explicar que as verbas que não tiverem sido levantadas no final de dezembro de 2026 reverterão para o Fundo de Garantia de Compensação do Trabalho, que ajuda a cobrir as compensações por despedimento.
O ECO questionou o Ministério do Trabalho sobre estas mudanças propostas pelas confederações empresariais, e aguarda resposta.
Acordo de rendimentos de Costa converteu Fundo de Compensação
O Fundo de Compensação do Trabalho foi criado durante o período da troika e durante mais de dez anos foi alimentado pelos descontos mensais feitos pelos empregadores, com vista a cobrir uma parte das compensações por despedimento. O acordo de rendimento assinado na Concertação Social em 2022 (ainda com o Governo de António Costa) veio, porém, ditar a sua conversão.
Assim, em maio de 2023, com a entrada em vigor da Agenda do Trabalho Digno, as empresas deixaram de descontar para este fundo e desde fevereiro do ano passado que os empregadores podem levantar os mais de 600 milhões de euros aí acumulados.
A mobilização das verbas do Fundo de Compensação do Trabalho pode ser feita até duas tranches (em saldos até 400 mil euros) ou até quatro tranches (em saldos superiores) até 31 de dezembro de 2026, sendo que os empregadores têm de comunicar ao fundo o montante que querem levantar, mas também as finalidades e os trabalhadores envolvidos.
Desde início de 2024 até final de abril de 2025, foram efetuados 17.889 pedidos de reembolso, abrangendo 250.773 trabalhadores, correspondendo a um montante de 76.881.979 euros, cerca de 13% do valor do Fundo.
O empregador tem apenas de ouvir os trabalhadores, e não precisam de obter o seu “sim” relativamente à utilização deste dinheiro. Mas há uma exceção: nos casos em que o empregador decida aplicar o dinheiro na construção de creches ou refeitórios é preciso celebrar um acordo com as estruturas representativas dos trabalhadores.
Em jeito de balanço, o secretário-geral da CAP sublinha, em declarações ao ECO, que até ao fim de abril já tinham sido feito 17.899 pedidos de reembolso, relativos a 250.773 trabalhadores e correspondendo a 76,9 milhões de euros. “O número médio de dias decorridos entre a apresentação do pedido de pagamento pelas empresas e o respetivo pagamento tem sido de 25,8 dias“, avança Luís Mira.
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