Regras para créditos de carbono florestais aplaudidas, mas bolsa de garantia e dados são criticados

A metodologia que define as regras para a emissão de créditos dos carbono associados a projetos florestais é bem recebida na generalidade, apesar de alvo de algumas críticas.

O mercado de carbono em Portugal tem vindo a avançar desde o início de 2024. O último passo foi a consulta pública da primeira metodologia que irá servir de base a projetos de compensação de emissões no âmbito do mercado.

A metodologia, referente a projetos florestais, é bem recebida pelos intervenientes do setor consultados pelo ECO/Capital Verde, apesar de alguns reparos quanto ao funcionamento da bolsa de garantia e aos dados utilizados.

Esta metodologia estabelece os requisitos e as orientações para quantificar os benefícios climáticos líquidos das atividades que sequestram carbono pela criação de novas florestas em Portugal“, indica o documento que esteve em consulta pública até ao passado dia 25 de abril.

O facto de já ter sido submetida a consulta pública uma primeira metodologia é tido por Angela Lucas, cofundadora do fundo LAND – Life and Nature Development, como “muito positivo”, já que permite aos agentes do mercado perceberem aspetos a endereçar por futuras metodologias. Serve, a seu ver, como “uma minuta” para aquelas que se seguem.

Lucas assinala que o decreto-lei que criou o mercado de carbono possibilita que sejam apresentadas propostas de metodologias para tipologias de projetos que ainda não possuam uma metodologia aprovada, abrindo a porta à iniciativa tanto de entidades públicas como privadas.

A WWF sublinha que o investimento em créditos de carbono deve ser “apenas e claramente complementar” ao esforço principal de reduzir as emissões, nunca um substituto.

Com esta ressalva, o consultor de Carbono Azul e Florestas da WWF Portugal, Raul Xavier, entende que a Metodologia Floresta MVC1 “mostra-se tecnicamente robusta no que diz respeito à integridade dos créditos de carbono”, ao cumprir critérios como adicionalidade, mensurabilidade, verificação, mecanismos de permanência, além de evitar impactos negativos diretos.

O foco, no entender da associação ambientalista, deve estar em investimentos que promovam múltiplos serviços de ecossistemas e benefícios para as comunidades locais, e não em práticas tradicionais de compensação.

O sócio contratado da Abreu Advogados, Guilherme Mata da Silva, salienta como “positivo” que a metodologia se debruce apenas sobre atividades de criação de nova floresta, evitando-se desta forma riscos associados a projetos de gestão da floresta existente. Isto porque é mais complexo, do ponto de vista técnico, demonstrar que um projeto de prevenção da desflorestação conduz a reduções reais de emissões, ou a um aumento real do sequestro de carbono, em oposição ao que acontece na análise dos efeitos de uma nova floresta.

Contudo, a cofundadora do LAND aplaude que tenha sido referida a “promoção e aproveitamento de regeneração natural”, além da florestação propriamente dita, no sentido de plantação. O facto de o promotor poder optar, ou não, por contabilizar o carbono sequestrado no solo é também visto pela mesma como um ponto a favor, já que a respetiva monitorização “é complexa e dispendiosa”.

Além disso, Mata da Silva vê como “salutar” que determinados projetos sejam considerados inelegíveis, “nomeadamente quando recorrem a espécies invasoras ou quando são de realização obrigatória”.

Por fim, é tido como positiva a aceitação de informação recolhida e auditada no âmbito de diferentes sistemas de certificação de Gestão Florestal Sustentável, evitando a duplicação de informação e trabalho.

Para Raul Xavier, outro destaque é o mecanismo ‘Carbono+’, que incentiva projetos a gerar benefícios ambientais e sociais mais amplos. Também a Abreu saúda o alinhamento da metodologia com os objetivos do Regulamento de Restauro da Natureza, ao premiar projetos que apliquem pelo menos três das medidas de restauro previstas no regulamento.

Este tipo de projetos podem assim beneficiar dos chamados créditos de Carbono+ (CC+), os quais podem ser alvo de uma maior valorização já que, além do sequestro de carbono em si, incorporam benefícios adicionais ao nível da biodiversidade e do capital natural.

Bolsa de créditos, comunidades e dados: os ‘defeitos’ da metodologia

Angela Lucas concorda que os CC+ são positivos. Contudo, critica que não esteja prevista a possibilidade de emissão de Créditos de Carbono Futuros (CCF) classificados como “Créditos de Carbono+ (CC+). Os autores da metodologia consideram “muito difícil garantir ex-ante que estes valores ambientais a acrescidos se irão materializar” no futuro.

Lucas alerta, no entanto, para um impacto negativo desta decisão a capacidade dos promotores financiarem o respetivo projeto. Isto porque espera-se que o financiamento inicial (ou parte dele) possa ser obtido através da venda antecipada de até 20% dos Créditos de Carbono Futuros. Se estes créditos não puderem ser de maior qualidade, o projeto poderá perder o valor adicional associado aos mesmos.

Por seu lado, Raul Xavier nota fragilidades no nível de detalhe que existe sobre mecanismos de empoderamento das comunidades locais e a partilha equitativa de benefícios, que “fica aquém” dos padrões da WWF na recente metodologia.

A associação ambiental considera “essencial” a definição de mecanismos que garantam o envolvimento e participação das comunidades tanto ao longo da elaboração como da implementação dos projetos. O mesmo responsável critica a falta de uma fonte de dados espaciais mais atualizada do que o sexto inventário florestal, que data de 2019 e bebe de dados recolhidos em 2015.

Em paralelo, o funcionamento da bolsa de garantia do mercado é tido por Lucas como “incoerente”. Esta bolsa serve para armazenar de 10% a 20% dos créditos associados a um projeto, servindo de garantia caso exista uma reversão não intencional das emissões sequestradas ao longo da duração do projeto.

No entanto, de acordo com a metodologia, caso não exista qualquer reversão de emissões, só 30% a 40% desses créditos é que serão devolvidos no final da vida definida para aquele projeto, e são devolvidos faseadamente, em três fatias iguais, ao longo dos 15 anos subsequentes ao projeto.

Isto significa que é exigido ao promotor o compromisso de manter o projeto por, pelo menos, mais 15 anos além da “vida” do seu projeto, para poder receber os 30% ou 40% dos 20% de créditos de carbono que ficaram retidos em bolsa”, resume Angela Lucas, que defende que o período de retenção se limite à vigência do projeto e que os créditos sejam devolvidos na sua totalidade.

Além disto, Angela Lucas considera essencial clarificar como funcionará o registo e as transações dos créditos de carbono gerados no âmbito do MVC português, tanto no âmbito desta metodologia como de outras que venham a surgir.

Daqui para a frente, é importante perceber de que forma esta metodologia (uma vez aprovada) se articulará com uma eventual metodologia de florestação ou regeneração natural que venha a ser aprovada ao abrigo de um regulamento europeu.

“As metodologias nacionais e europeias deveriam ser compatíveis, permitindo que um crédito certificado segundo a metodologia “portuguesa” possa ser diretamente registado na plataforma europeia”, pontua a cofundadora do LAND.

Mercado de pé até ao fim de 2025

Na avaliação da WWF, “o desenvolvimento do Mercado Voluntário de Carbono (MVC) em Portugal tem avançado a um ritmo bastante positivo”, já que o decreto-lei que o institui foi publicado apenas em janeiro de 2024.

Desde esse momento já foram dados outros passos para a sua concretização, como a designação da Comissão Técnica de Acompanhamento e respetivos membros, a fixação dos requisitos da plataforma eletrónica, a definição das regras para a qualificação dos verificadores independentes e a recentemente concluída consulta pública da primeira metodologia.

Para a Abreu, era contudo “desejável” que já existissem metodologias aprovadas a título definitivo, que já houvesse verificadores independentes qualificados, e que o desenvolvimento da plataforma eletrónica que irá registar todas as emissões e cancelamentos de créditos no âmbito deste mercado se encontrasse mais avançado ou mesmo concluído.

Em paralelo, a WWF espera que os ecossistemas costeiros e marinhos também possam “receber a devida atenção” e ver desenvolvida uma metodologia própria. Até porque o carbono azul consta da versão final do decreto-lei que criou o mercado.

Ainda assim, olhando ao lado positivo, Raul Xavier observa que os avanços foram conseguidos num contexto de instabilidade política e de mudanças sucessivas de governo, e entende que a equipa técnica tem mantido “a consistência e a capacidade de concretização”. Neste sentido, aponta como importante que o processo não venha a ser comprometido por mudanças nas atribuições institucionais.

O próximo passo, apontado por Angela Lucas, é arrancar com as restantes metodologias e com a plataforma eletrónica de registo de projetos, de créditos de carbono e de emissão assim como o registo de transação dos créditos, a qual está a ser desenvolvida pela ADENE – Agência para a Energia, entidade que ficará responsável pela respetiva gestão.

A plataforma estará, de acordo com as informações públicas, em funcionamento no “segundo semestre” do ano, pelo que Lucas dá alguma margem e aponta, “à cautela”, para um lançamento no final de 2025, de forma a ter o mercado a arrancar no final do ano, e operacional o mais tardar até ao fim do primeiro trimestre de 2026, já com “arestas limadas”.

A Abreu assinala que “já existe um interesse das empresas portuguesas em projetos de carbono, sobretudo para compensação das suas emissões”, em particular aquelas associadas à desflorestação e degradação florestal em países em desenvolvimento.

Apesar de estes serem projetos de muito grande dimensão e que dificilmente poderiam ser replicados em Portugal, “o mercado voluntário de carbono português será um instrumento importante para valorizar áreas do território com reduzido potencial de aproveitamento económico ou com baixos rendimentos”, conclui a Abreu.

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