Mesmo com desemprego em mínimos, despesa com subsídios aumentou. Porquê?
Mercado de trabalho tem dado provas de resiliência e desemprego medido pelo INE está em mínimos, mas despesa com prestações aumentou. Lay-off e mais beneficiários ajudam a explicar.
Apesar dos desafios, o mercado de trabalho português continua a dar provas de resiliência. Em 2024, o desemprego até ficou abaixo das expectativas do Governo. Mas, segundo a Conta Geral do Estado, a despesa com as prestações de desemprego aumentou mais de 17%. O que o explica? A subida dos salários (e, consequentemente, dos subsídios), o maior recurso ao lay-off e o aumento da fatia de desempregados a receber prestações são alguns dos fatores que ajudam a explicar este acréscimo da despesa.
Comecemos pelo diagnóstico do mercado de trabalho português. O Governo estava a contar que 2024 fosse sinónimo de um agravamento (ligeiro) do desemprego, mas os números divulgados pelo Instituto Nacional de Estatística (INE) vieram mostram que, afinal, aconteceu o inverso.
Assim, no ano passado, a taxa de desemprego recuou 0,1 pontos percentuais para 6,4%. Na série estatística começada em 2011, só houve um outro ano com uma taxa mais baixa (2022), como mostra o gráfico abaixo.
Desemprego ficou abaixo das estimativas do Governo em 2024
Fonte: INE
Em paralelo, a população empregada aumentou para o valor mais elevado desde 2011, segundo o gabinete de estatísticas. No total, mais de 5,1 milhões de pessoas estavam empregadas em Portugal em 2023.
Em contraste com estes dados, a Conta Geral do Estado, que foi publicada recentemente pela Direção-Geral do Orçamento, indica que, no último ano, a despesa com as prestações de desemprego subiu 17,3% (ou 234,5 milhões de euros), para 1.591,1 milhões de euros em 2024.
Como se explica esse aumento, numa altura em que o mercado de trabalho dá sinais de robustez? A própria DGO avança justificações para esse salto: o agravamento da despesa com subsídio de desemprego, o maior recurso ao lay-off e a subida da despesa com garantia salarial.
Despesa com subsídio de desemprego sobe 16%

Um dos principais fatores por detrás da subida das despesas com prestações de desemprego foi o aumento do valor despedindo com o subsídio de desemprego. Em causa está uma subida de 16% (ou 170,1 milhões de euros), de acordo com a Conta Geral do Estado.
Os dados da Segurança Social permitem perceber que, apesar da redução do desemprego, o número de beneficiários deste subsídio de desemprego cresceu em 2024. No ano passado, cerca de 324 mil pessoas beneficiaram do subsídio de desemprego, quando em 2023 o universo de beneficiários abarcava em torno de 298 mil pessoas e em 2022 cerca de 288 mil pessoas.
Número de beneficiários do subsídio de desemprego aumentou quase 10%
Fonte: Segurança Social
Convém explicar que este subsídio que só está disponível para a parte dos desempregados que cumpre certas condições, como um período mínimo de descontos. Ora, a Direção-Geral do Estado sublinha que um dos motivos para o agravamento da despesa com este subsídio foi, precisamente, o facto de ter aumentado a percentagem de desempregados que cumpre estas condições e, por isso, beneficia desta prestação (de 49,6% em 2023 para 52% em 2024).
Por outro lado, a DGO alerta que houve “alguma deterioração do mercado de trabalho“, que “não é visível” nos dados do INE. É que, apesar do desemprego medido pelo INE ter baixado em 2024, o número de desempregados inscritos no IEFP à procura de um novo emprego aumentou.
Nem todos os desempregados se inscrevem nos centros do IEFP, daí que as estatísticas desse instituto sejam tendencialmente diferentes das apuradas pelo INE. Para ter acesso ao subsídio de desemprego, é obrigatório, porém, fazer a inscrição no IEFP.
Um outro fator para o aumento da despesa com o subsídio de desemprego foi a subida do próprio valor pago aos beneficiários. A DGO refere um acréscimo de 4,5% da prestação média, o que reflete “o aumento das remunerações por trabalhadores e, designadamente, a retribuição mínima garantida”.
Em 2024, o salário mínimo nacional passou de 760 euros para 820 euros, um salto de quase 8%. “É o maior aumento anual do salário mínimo alguma vez ocorrido”, chegou a assinalar António Costa, que, então, ocupava a liderança do Executivo.
Salário mínimo sobe há uma década
É de destacar ainda que os próprios montantes mínimo e máximo dessa prestação têm crescido, à boleia do Indexante dos Apoios Sociais (IAS). O mínimo em 2023 era 469,69 euros e o máximo 1.021,08 euros. Já em 2024, esses tetos passaram para 585,65 euros e 1.273,15 euros, respetivamente.
“O efeito combinado do crescimento dos beneficiários e das prestações determina o aumento de 16% dos gastos com subsídio de desemprego“, afirma a DGO.
Maior recurso ao lay-off
Na visão da Direção-Geral do Orçamento, outro dos motivos que explicam a subida da despesa com prestações de desemprego foi o maior valor despedindo com as empresas em lay-off.
Em causa está um regime que se destina apenas às empresas em crise e permite que estas reduzam os horários dos seus trabalhadores ou até suspendam os contratos de trabalho. Em paralelo, estes empregadores recebem da Segurança Social um apoio para o pagamento dos salários dos trabalhadores abrangidos.
Ora, de acordo com a Conta Geral do Estado, em 2024 registou-se um acréscimo de 11,3 milhões de euros na compensação salarial por suspensão temporária de contrato de trabalho (lay-off tradicional).
Segundo os dados que foram sendo publicados pelo Gabinete de Estratégia e Planeamento do Ministério do Trabalho (GEP), o número de trabalhadores abrangidos pelo lay-off ao longo de 2024 ficou consideravelmente acima do ano anterior, em vários meses.
Por exemplo, em julho, conforme escreveu o ECO na altura, mais do triplicou, face ao período homólogo. E, depois de alguns recuos consecutivos, os últimos três meses do ano viriam a ser marcados por aumentos em cadeia do número de trabalhadores abrangidos.
Os economistas ouvidos pelo ECO explicaram esta evolução com o abrandamento da economia, garantindo que não estavam preocupados com o mercado de trabalho, apesar de esta evolução carecer de monitorização.
Este é, de resto, um regime desenhado para segurar o emprego, mitigando aumentos do desemprego em períodos mais desafiantes. Na pandemia, o lay-off simplificado (uma versão mais ágil do que está agora disponível) foi um dos grandes responsáveis por evitar saltos do desemprego, conforme vincou, repetidas vezes, o Governo anterior.
Daí que o maior recurso a este regime em 2024 e a consequente subida da despesa com estas prestações tenha sido “compatível” com os níveis mínimos de desemprego, já que as empresas optam pelo lay-off exatamente para evitar tirar trabalho aos seus empregados.
Despesa com garantia salarial também sobe
O terceiro grande fator apontado pela DGO para o incremento da despesa com prestações de desemprego é a subida da despesa com garantia salarial. Em causa está um acréscimo de 52,1 milhões de euros. “Representa a quase duplicação do valor desta rubrica”, é salientado na Conta Geral do Estado.
Essas verbas serviram para o pagamento de dívidas a assalariados de entidades empregadoras por estas estarem em situação de insolvência ou numa situação económica difícil.
Segundo a Segurança Social, o Fundo de Garantia Salarial paga, em termos mensais, até três vezes o valor do salário mínimo nacional que estava em vigor na data em que a entidade empregadora devia ter pago o salário. A subida já referida da retribuição mínima garantida pode, assim, também ter influenciado estas transferências.
O relatório de atividades e gestão deste fundo relativo a 2024 ainda não foi disponibilizado pela Segurança Social, não sendo possível, para já, perceber a evolução dos trabalhadores abrangidos.
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