Os ativistas judiciais: quando os juízes decidem meter a mãozinha

  • Vítor Madeiras Rodrigues
  • 27 Maio 2025

O ativismo judicial, ainda que bem-intencionado, ameaça a separação de poderes, a segurança jurídica e a legitimidade democrática da lei.

O Direito do Trabalho é, por natureza, altamente sensível a mudanças tecnológicas, económicas, sociais e políticas. A sua constante adaptação é inevitável, mas, em grande medida, reflete também opções ideológicas e partidárias.

Aliás, a legislação laboral é um espelho ideológico por excelência: os Governos tendem a flexibilizar ou a endurecer as regras conforme as suas convicções. Trata-se de uma regra bem estabelecida e conhecida.

Esta volatilidade gera, inevitavelmente, insegurança jurídica, dificuldade prática de aplicação das normas e um aumento dos custos económicos. A este cenário instável junta-se, cada vez mais, o ativismo judicial.

O que é o ativismo judicial? É quando os tribunais, ao invés de interpretarem a lei, avançam para a sua criação. Ainda que possa ter motivações legítimas, este fenómeno fere o princípio da separação de poderes e ameaça a segurança jurídica, ao submeter o direito à visão pessoal de cada julgador.

É na prática que o ativismo judicial revela todo o seu potencial criativo e talento para a inovação.

  • O horário flexível… que é fixo

A lei, na sua simplicidade ingénua, prevê que o trabalhador com filho menor pode ter direito a um horário flexível, dentro de margens definidas pelo empregador.

Parece simples? Pois bem: os tribunais superiores têm entendido que “flexível” é, afinal, o direito do trabalhador a exigir um horário fixo, por exemplo das 9h00 às 18h00, de 2ª a 6ª feira.

É uma interpretação que desafia a semântica, e o empregador que sorria e acene.

  • A formação profissional: onde “ou” quer dizer “e”

A lei também refere, com candura, que cessando o contrato de trabalho, o trabalhador tem direito a uma compensação pelas horas de formação não proporcionadas ou pelo crédito de horas acumulado, e não a ambos.

No entanto, num gesto de generosidade, os tribunais superiores têm concluído que o trabalhador tem direito a receber ambos. Se uma compensação é boa, duas são ainda melhores — uma espécie de “promoção de fim de contrato”.

  • O período experimental: agora com descontos “promocionais”

Segundo a lei, o período experimental pode ser reduzido em situações específicas (estágios, contratos a termo, entre outros), mas nenhuma delas é um contrato sem termo anterior.

O legislador, coitado, até foi específico, mas a Relação de Lisboa não quis saber; se o trabalhador já tiver exercido funções por contrato sem termo, esse tempo deve ser descontado na duração do período experimental do novo contrato.

É uma espécie de “promoção judicial” para quem foi cliente antigo da empresa.

  • O intervalo de descanso… que também é trabalho

O intervalo de descanso não conta como tempo de trabalho. No entanto, se for inferior a 1h e não tiver a bênção da ACT (ou de um IRCT), segundo a Relação de Lisboa, passa a contar como tempo de trabalho, com direito a pagamento adicional.

Resultado: o trabalhador faz 8h e tem um intervalo de 30m em que pode fazer o que quiser, mas vai receber pelo intervalo como se fosse trabalho suplementar. É o “bónus judicial de produtividade inversa”: menos descanso regulamentar, é certo, mas mais remuneração, sem aumento do esforço.

Só uma curiosidade adicional: o empregador que elimine por completo o intervalo de descanso é menos penalizado que um que mantenha um intervalo de 30m. Enfim, neste caso, a lógica é um lugar exótico.

Em conclusão, o ativismo judicial, ainda que bem-intencionado, ameaça a separação de poderes, a segurança jurídica e a legitimidade democrática da lei. A distinção entre criar, aplicar e interpretar a lei não é mero formalismo, mas uma exigência fundamental para assegurar que a Justiça, além de ser feita, é previsível, estável e, acima de tudo, respeitada.

  • Vítor Madeiras Rodrigues
  • Consultor sénior da área de Laboral da PLMJ

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