“Infiltrado”: Quando um português é turista no próprio país
"Turista Infiltrado" é o título do livro que relata a aventura de Bernardo Gaivão por Portugal. Disfarçado de turista, o autor tenta captar uma outra perspetiva do país, o ponto de vista do turista.
De norte a sul do país, Bernardo Gaivão vestiu a pele de um turista no seu próprio país para descobrir que retrato retiram os visitantes do povo português. A experiência resultou no livro “Turista Infiltrado”, apresentado recentemente. Trata-se de um dos três novos livros da coleção de retratos da Fundação Francisco Manuel dos Santos. O ECO marcou presença e esteve à conversa com o autor.
Embora não esteja diretamente ligado à área do Turismo, Bernardo conta que escrever o “Turista Infiltrado” foi um desafio. “Quis trazer para este livro uma perspetiva diferente daquilo que as pessoas que escrevem sobre turismo geralmente fazem”, explica. O autor refere no livro se coloca do lado do turista e dá um “cunho mais humano, mais pessoal”, sem nunca largar mão de informação factual, “que é sempre importante e sem a qual as coisas não funcionam”, sustenta.
"Foi um desafio porque tive de sair de certa forma de mim próprio, daquilo que é a minha experiência, os meus preconceitos e as minhas opiniões, e criá-las do zero, do ponto de vista de alguém que não sou, que é alguém que visita Portugal pela primeira vez.”
Bernardo fala de uma experiência “muito gratificante”, reconhecendo que escreveu sobre o retrato que encontrou do país, e que haverá certamente outros. No entanto, entrar na pele de um estrangeiro revelou-se, por vezes, “stressante”, dado o constante receio de que algum gesto denunciasse o seu disfarce. “Acima de tudo, a principal dificuldade foi mesmo a de não deixar que os meus preconceitos e as minhas ideias preconcebidas me influenciassem o resultado final”, confessa. O escritor fala de um processo de ultrapassagem desses mesmos preconceitos, de forma a ver a perspetiva de quem está do outro lado. “Às vezes essa perspetiva coaduna com aquilo que já sabíamos, outras vezes não, e ‘levamos um banho de água fria’ e aprendemos com a experiência”, diz.
Embora os esforços, nem sempre Bernardo conseguiu manter a personagem. Em duas ocasiões, o autor teve de fazer cair o seu disfarce, e refere-as no livro. Numa delas, perante “o grau de amadorismo” à sua volta, não aguentou e teve de explicar que era português e que aquilo que se passava não fazia sentido. A segunda vez aconteceu no Alentejo, na hora de fazer o check-in num hotel e apresentar a sua documentação. De forma a fazer-se passar por um turista estrangeiro entre os empregados dos hotéis, Bernardo confessa que por várias vezes apresentou documentação falsa ou falava previamente com os donos dos hotéis para facilitar o momento do registo de entrada e passar despercebido. No entanto, foi o fecho inesperado da pensão onde havia feito a sua reserva que fez a sua faceta turística cair por terra: “fui forçado a escolher um novo sítio onde não ia tão preparado e a máscara acabou por cair”, relata.
O olhar do “Turista Infiltrado” sobre o Portugal do Turismo
Ao longo da sua viagem pelo país, Bernardo Gaivão conta que se deparou com alguma falta de formação entre os profissionais da área do Turismo. Contudo, salvaguarda que essa lacuna não está ligada propriamente a assimetrias regionais, mas antes às modalidades turísticas.
Bernardo dá o exemplo do enoturismo: “É uma área que está bastante bem desenvolvida, é das que está mais profissionalizada dentro do turismo como um todo”, refere. O autor sublinha que tal vertente turística se concentra essencialmente em duas áreas, nomeadamente o Norte e o Alto Alentejo. Um outro paralelo que contrapõe o Algarve à costa alentejana, salientando que o primeiro destino dispõe de “um aparelho turístico mais bem preparado” por ter mais anos de prática no Turismo. Quanto a assimetrias na relação qualidade-preço, Bernardo prefere antes falar de diferenças na quantidade da oferta turística, que posteriormente traduzem essa correlação.
No prognóstico da sua viagem, o escritor admite que Portugal está preparado para as sucessivas e cada vez maiores ondas turísticas, ressalvando os esforços feitos pelo anterior Governo que, nas suas palavras, investiu no setor “de forma muito inteligente”. “O anterior Governo arranjou dois ou três mecanismos-chave de forma a atrair investimento privado para o setor do turismo. Com isto, o Estado conseguiu apostar fortemente no setor sem ter despendido muito dinheiro com isso”, continua.
"Acho que uma colaboração entre o setor público e privado é fundamental para que o setor funcione como deve ser. Para isso precisamos de olhar com atenção para os dados que já existem, precisamos de transparência no setor e de conseguir comunicar muito bem com os nossos clientes que são os turistas.”
Bernardo Gaivão reconhece ainda o esforço que tem sido feito para preparar cada vez melhor o país para as vagas de turistas, mas entende que tal “não é um trabalho que tenha um fim”. O autor do retrato defende que se trata de um processo de constante melhoria, no sentido de maior adaptação e profissionalização. “Para continuarmos a receber bem temos de melhorar a qualidade dos nossos serviços, é uma luta que nunca para”, argumenta.
Que retrato(s) reter de Portugal?
Ao longo de todo o livro, Bernardo tenta afastar as suas opiniões, de forma a conseguir um trabalho “imparcial”, explica. E isso é visível logo na introdução do “Turista Infiltrado”. O autor escreve que muitos defendem que o turismo exacerbado pode colocar em perigo a identidade dos locais e das pessoas residentes. A perspetiva de Bernardo apoia-se nas palavras anteriormente referidas por Adolfo Mesquita Nunes, também presente no evento de apresentação do livro, que referiu que a dita “autenticidade” era muitas vezes, no fundo, “pobreza”. “A Madeira é um das regiões turísticas mais antigas no mundo e das mais visitadas, e não perdeu a sua identidade por causa do turismo”, exemplifica.
"Não acho que haja uma perda de identidade, acho que as coisas estão a evoluir e estão a mudar, e nós temos de nos saber adaptar a essa realidade. Isso também acontece em qualquer setor que não o turismo.”
Após percorrer o país “de fio a pavio”, a questão levanta-se: É possível desenhar um retrato dos portugueses ou antes um conjunto de retratos? Para o Bernardo, a resposta é feita no plural: “Existe uma identidade nacional que é transversal todas as regiões de turismo do país, mas é impressionante o quão regionalizado está o turismo”, confessa. O autor fala de uma existência de “realidades díspares” e que “devem ser analisadas dessa forma”. Embora se venda lá fora uma imagem de Portugal como um todo, Bernardo afirma que não é isso que o turista vem para visitar uma região específica. “Essa região específica é que constrói aquele imaginário que o turista depois leva para casa. É importante olhar para as regiões de forma mais individualizada”.
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