O comentário de um alemão sobre o resultado das eleições
Sei que este partido chamado AfD é caótico, desordenado e está na oposição – não na liderança. Vão ter todos contra eles no Parlamento, não vai ser tolerado nenhum discurso racista ou de ódio.
Ia escrever sobre a forma como a manutenção do status quo na Alemanha não impulsiona suficientemente o mundo digital; ia também escrever sobre como Angela Merkel um dia chamou ao mundo digital “Neuland”, novo território. E apesar de essa ter sido uma péssima frase para se dizer em 2013, ia escrever sobre como de alguma forma isso ainda é verdade, e como Portugal compreende melhor esta questão e é um país que está pronto a agir de forma mais rápida. Tudo isto é verdade, mas de facto estaria a seguir a linha errada.
O Parlamento da Alemanha – um país que tem a história que todos conhecemos e da qual ainda falamos – vai incluir pessoas que falam abertamente a favor do racismo, antissemitismo e homofobia. Nunca pensei que isto fosse possível.
A Alemanha percorreu um longo caminho, como todos sabemos. Faço parte da geração que lidou com a história do Terceiro Reich através dos pais e avós. A minha avó, bem me lembro, até me falou da Primeira Guerra Mundial, pela qual passou quando era jovem adulta. O meu pai, nascido em 1943, era professor Alemão (católico) que ensinava Judaísmo e, por isso, levou toda a família para Israel durante alguns meses em 1983. O meu pai achou que seria apropriado levar a sua carrinha VW Passat alemã, com uma matrícula alemã e o autocolante com o D Alemão (que era obrigatório na altura) para Israel. Visitei uma escola hebraica, e lembro-me de sentir o ceticismo dos outros por eu ser um rapaz alemão. O nosso carro, por aqueles lados, teve de suportar muitos danos – era riscado regularmente e danificavam-nos os vidros. Mas foi uma experiência terapêutica para mim, porque foi muito bom ver pelos meus próprios olhos de jovem alemão que é possível conquistar até os nossos maiores céticos. Mas, claramente, ser alemão deixava um sabor amargo.
Nos anos 80 e no início dos anos 90 do século passado, eu dizia, em extremo, que as pessoas tinham orgulho em ser de Berlim, mas vergonha de ser alemãs. Os alemães eram odiados por alguns, desrespeitados, e eram, no mínimo, um incómodo para a maior parte do mundo. No século XXI, esta perceção da Alemanha mudou por completo – a Alemanha foi até votada a nação preferida num estudo feito o ano passado.
Também vi o muro de Berlim cair. Lembro-me muito bem desse momento, pois já tinha 12 anos nessa altura, e até a pior música pop dessa altura me faz regressar aquele tempo. É emocional a este ponto, provavelmente para todos os alemães, mas definitivamente para todos os berlinenses. Mas ver as bandeiras ao vento, ver bandeiras alemãs na Porta de Brandenburgo ainda deixou um sabor amargo na altura, e muitos estavam céticos sobre o futuro da Alemanha.
Notei que a minha própria perceção tinha mudado para melhor quando vi um mar de bandeiras alemãs em 2014, no dia em que a seleção de futebol alemã ganhou o Campeonato Mundial de Futebol, e pela primeira vez, não me importei. Ser alemão já não tinha um sabor amargo.
Espero que isto não mude novamente. Sei que este partido chamado AfD é caótico, desordenado e está na oposição – não na liderança. Vão ter todos contra eles no Parlamento, não vai ser tolerado nenhum discurso racista ou de ódio. E agradeço a Angela Merkel pelo que voltou a conquistar e pela sua excelente capacidade de proporcionar estabilidade ao país (apesar de eu continuar a questionar a sua liderança no campo da inovação).
Espero que esta agitação à volta de Trump e do Brexit apenas tenha confundido alguns, os poucos que conseguimos reconquistar para equilibrar o sistema novamente. Espero que aquele sabor amargo nunca mais volte.
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