Um orçamento para ganhar tempo
António Costa mudou de estratégia. Agora, apresentou um orçamento que evita o confronto com Bruxelas e ganha tempo. Mas o tempo que ganha é o tempo que o país perde.
Com este Orçamento do Estado, António Costa muda a sua estratégia. O Orçamento de 2016 tinha sido um exercício de tentativa de confrontação da Europa. Mas Costa terá percebido que esse caminho não só é perigoso e, como a Grécia demonstrou, não produz qualquer resultado positivo. Desta forma, e aproveitando alguns fatores externos que estão a ajudar a execução orçamental, o governo preparou um Orçamento apenas para continuar a ganhar tempo.
O momento de confrontar a geringonça com as medidas difíceis será o mais tarde que Costa conseguir. Ele sabe que o tempo joga a favor dele. Desgasta o PSD e Passos Coelho e “domestica” a extrema-esquerda. Mas o que nos diz uma primeira leitura, muito rápida, do Orçamento para 2017?
Os números de 2016
O Orçamento apresenta para 2016 um défice de 2,5% do PIB. Este número, sendo acima do prometido pelo governo (2,2%), está no limiar daquilo que a Comissão Europeia definiu como máximo para este ano. Se se confirmar este valor, não só o governo ganha uma batalha importante, como a execução orçamental de 2017 torna-se menos difícil.
Mas este número de 2016 tem ainda uma forte incerteza associada. Sobretudo do lado da receita. Olhando para os valores em Contabilidade Pública do OE/2017 (ótica de tesouraria), e tendo em conta os valores de agosto constantes do Boletim de setembro da DGO (em ambos os casos, Orçamento de agosto, valores para as Administrações Públicas) como é que se vai cobrar no ano inteiro 21,2 mil milhões (bis) de impostos diretos, quando até agosto só se cobrou 12,4 bis, com uma taxa de execução de 58%? E como é que se vai cobrar no ano inteiro 24,9 bis de impostos indiretos, se até agosto só se cobrou 16,3 bis, com uma taxa de execução de 66%? Estes números merecem preocupação. Se a execução orçamental se mantiver a este ritmo será necessário cobrar nos últimos 4 meses do ano mais 3 bis que no período homólogo.
O OE/2017 prevê que em 2016 a receita total cresça 4,1%, mas a receita está a crescer até agosto apenas 1,3%, embora a despesa esteja abaixo do projetado (mas aqui é mais difícil de aferir, tratando-se de contabilidade pública, se podemos estar apenas perante atrasos de contabilização e pagamento). Mas preocupante é que os impostos diretos devem cair 1,1%, e estão a cair 9,1%, sendo que os indiretos deviam crescer 7,1%, e estão a crescer 5,8%. Também as despesas com pessoal estão acima do projetado para o ano. Salva-se o investimento público.
Análise da execução em Contabilidade Pública para 2016
Em síntese, para chegar a 2,5% de défice em 2016 é preciso que corra tudo muito bem. Como não confio na projeção da receita fiscal, e no controlo das despesas que é apresentado, continuo a achar que o défice estará em torno dos 3%.
Os números de 2017
Se o governo conseguir um défice de 2,5% em 2016, o caminho para 2017 torna-se menos difícil. A redução do défice para 1,6%, implica uma redução de 1,5 p.p., dado que algumas medidas tomadas (redução da sobretaxa, 35 horas, IVA na restauração, reposição salarial e aumento de pensões), aumentam o défice em 0,6 p.p.
Mas esta redução é facilitada por vários fatores externos: os dividendos do Banco de Portugal (que concentra 85% do Quantitative Easing do BCE), o programa de recuperação de dívidas fiscais, a redução dos custos com PPPs rodoviárias (que atingiram o máximo em 2016, e que entre 2010 e 2016 mais que duplicaram em encargos anuais) e a recuperação da garantia do BPP, que permite reduzir o défice em 0,5 p.p. O restante esforço é feito à custa do aumento dos impostos indiretos e do IMI. Mas sobretudo por via do cenário macroeconómico.
Já o saldo estrutural que o governo prevê reduzir-se em 0,6 p.p. (cumprindo a regra do Tratado Orçamental), dificilmente a Comissão aceitará esse número. Isto porque as medidas descritas atrás foram incluídas no saldo estrutural, apesar do seu efeito pontual. E existem dúvidas sobre o valor do output gap do PIB (veja-se o parecer do CFP). Dificilmente o saldo estrutural irá reduzir-se.
Assim, os números para 2017 acarretam três grandes riscos:
- O ponto de partida de 2016 será mesmo de 2,5%?
- As medidas de fatores externos não são tão favoráveis.
- Um impacto do cenário macro muito otimista (o PIB cresce apenas mais 0,3 face a 2016, e a procura interna, que mais receita fiscal produz, reduz-se). Mas curiosamente, o governo tem uma almofada inesperada: o investimento público. Basta que se mantenha igual ao de 2016 (se se verificar o valor previsto) para haver uma folga de 0,4% do PIB face ao orçamentado para 2017.
O crescimento económico:
Regra geral, as previsões económicas deste OE são realistas. Mas fica o falhanço do modelo económico defendido há um ano atrás. Recorde-se que no programa do PS a economia deveria crescer 2,4% e 3,1% em 2016 e 2017, com um governo PS. Deveria crescer 1,7% em ambos os anos se o governo continuasse a ser PSD/CDS. No OE/2016 o cenário para 2016 passou para 1,8%. Neste OE, o crescimento de 2016 estima-se em 1,2% e em 1,5% para 2017.
O que falhou? Muita coisa, mas sobretudo dois aspetos: a procura interna não tem o efeito multiplicador que a equipa de Centeno estimou. Os últimos 15 anos da economia Portuguesa poderiam ter servido de exemplo. Mas sobretudo o investimento não descolou (devia crescer em torno dos 8%/ano no programa do PS e está a crescer a um terço desse valor).
Do lado do investimento público já vimos que ele foi fortemente reduzido em nome do défice. O investimento privado não sente confiança: todas as medidas tomadas pelo governo não criam nem confiança externa nem melhoria da competitividade da economia. Não há neste orçamento uma verdadeira política de melhoria da competitividade e de atração de investimento (sobretudo estrangeiro)
Em síntese
António costa, mestre da política de equilíbrio e poder, ganhou tempo. As instituições que se pronunciam sobre a política orçamental (UTAO e CFP internamente, e Comissão e FMI externamente), bem como as entidades privadas como agências de rating e analistas vão desconfiar e duvidar das contas de 2016 e 2017. Mas provavelmente a Comissão dará o benefício da dúvida. E com isso Costa ganha mais uns meses.
O problema é que o tempo que ele ganha é o que o país perde. Este é um orçamento de adiar problemas e respostas.
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