Prova dos 9: A dívida pública vai aumentar no próximo ano como diz Daniel Bessa?

O Governo promete a maior redução da dívida dos últimos 19 anos, o economista Daniel Bessa diz que a dívida pública vai aumentar no próximo ano. Quem tem razão?

A dívida pública está nos níveis mais elevados de sempre, mas o Governo garante que essa tendência vai começar a mudar já a partir deste ano. Até ao final de 2017, a dívida vai dar um “trambolhão”, disse Ricardo Mourinho Félix. Já Mário Centeno promete a maior redução da dívida pública dos últimos 19 anos, além de assegurar que a dívida vai continuar a cair no próximo ano.

Este fim de semana, o economista e antigo ministro socialista Daniel Bessa disse, em entrevista ao Dinheiro Vivo, que a dívida pública vai subir.

Quem tem razão? Como em grande parte das discussões desta natureza, a diferença está no indicador que cada uma das partes utiliza. De um lado, o que é considerado é o rácio da dívida em relação ao Produto Interno Produto (PIB). Do outro, é o valor absoluto da dívida.

A afirmação

“Se há coisa que não vai diminuir em 2018 é a dívida, vai subir. Vamos ter um défice de 1% do PIB, são 1700 milhões de euros que vai ser preciso ir buscar ao mercado. Há operações que o governo pode ter de fazer, não sei se fará alguma na CGD, que aumentará a dívida (…). O peso da dívida no PIB vai diminuir, mas lá está: o ministro das Finanças talvez pudesse ser mais rigoroso quando fala destas coisas (…). Dívida é uma coisa, o peso no PIB é outra. É bom que desça o peso no PIB, do meu ponto de vista era bom que a dívida não subisse. Mas vai subir”.

A declaração de Daniel Bessa foi feita ao Dinheiro Vivo, quando questionado sobre o problema da dívida pública. O economista, que salienta ainda que “o Estado vai ter de ir buscar o dinheiro” usado para recapitalizar a Caixa Geral de Depósitos (CGD), destaca ainda outro ponto importante: “A dívida é o que é: se se vai ao mercado buscar o dinheiro, conta para a dívida; para o défice, umas vezes conta, outras vezes não”.

Os factos

Começando pela trajetória do endividamento neste ano. A dívida pública fixou-se, em agosto (o último mês para o qual já há dados disponíveis), nos 250.388.000.000 euros. É o valor mais elevado de sempre e a primeira vez que a dívida pública superior a fasquia dos 250 mil milhões de euros. Já no final de 2016, a dívida pública fixou-se nos 240.948 milhões de euros.

Dívida pública em máximos históricos

Assim, é verdade que a dívida subiu até máximos históricos, mas o “trambolhão” prometido por Ricardo Mourinho Félix, secretário de Estado Adjunto e das Finanças, vai reduzir este indicador para um valor próximo, mas ainda assim superior, ao que foi registado em 2016.

O primeiro passo deste trambolhão ocorreu este mês, quando Portugal reembolsou uma Obrigação do Tesouro emitida em outubro de 2007, com uma taxa de cupão de 4,35%, no valor de 6.082 milhões de euros. Para além deste pagamento, houve mais mil milhões de euros que foram reembolsados ao Fundo Monetário Internacional (FMI), para além do plano inicial de reembolsos à instituição liderada por Christine Lagarde. Por fim, até ao final deste ano, Portugal vai pagar mais dois milhões de euros ao FMI, antecipando amortizações que ocorreriam até novembro de 2020.

Se Portugal não regressasse ao mercado depois daquele reembolso de 6 mil milhões de euros feito a 16 de outubro, o “trambolhão” total da dívida seria de cerca de nove mil milhões de euros. Contudo, não só já houve leilões de dívida desde então, como Portugal ainda vai voltar ao mercado até ao final deste ano. A 18 de outubro, o Tesouro levantou mais 1.250 milhões de euros. Para 15 de novembro, está marcado novo leilão de Bilhetes do Tesouro, com o objetivo de levantar entre 1.250 e 1.500 milhões de euros.

Descontando estas emissões, que poderão acrescentar 2.750 milhões de euros ao total de dívida pública (dependendo do resultado do leilão de novembro), o trambolhão da dívida até ao final do ano é mais baixo, ficando pouco acima dos 6,2 mil milhões de euros.

Passando para as projeções. O Governo antecipa que o PIB acelere 2,6% este ano, totalizando 192.500 milhões de euros. Em 2018, o PIB deverá crescer 2,2%, para 199.400 milhões de euros, segundo as projeções que constam do Orçamento do Estado para 2018. Já o rácio da dívida, antecipa o Governo, deverá cair para 126,2% do PIB em 2017 e para 123,5% do PIB em 2018. Considerando estas estimativas, e feitas as contas, a dívida pública será de 242,9 mil milhões este ano e de 246,2 mil milhões no próximo.

Assim, quando Mário Centeno diz que haverá a maior redução da dívida dos últimos 19 anos, o ministro das Finanças está correto se estiver a referir-se à redução do rácio da dívida em relação ao PIB. Olhando para os últimos 19 anos, este rácio só se reduziu em quatro anos: 1999 (menos 0,8 pontos percentuais), 2000 (menos 1,1 pontos percentuais), 2007 (menos 0,8 pontos percentuais) e 2015 (menos 1,8 pontos percentuais). Se, este ano, o rácio da dívida se fixar em 126,2% do PIB, como estima o Governo, isso representará uma redução de 3,9 pontos percentuais em relação a 2016. Essa será, sem qualquer dúvida, a maior redução dos últimos 19 anos.

Contudo, em valores absolutos, não há qualquer redução da dívida, há uma subida, tal como afirma Daniel Bessa. No final de 2016, a dívida fixou-se em perto de 241 mil milhões de euros. Este ano, considerando as estimativas do Governo, vai aumentar 0,8% e no próximo 1,3%.

Prova dos 9

É quase certo que o valor absoluto da dívida vai aumentar, quer este ano quer no próximo, mas é preciso ter em conta que todos os números apresentados são previsões do Governo. As projeções apontam para um rácio da dívida de 123,5% do PIB no próximo ano, tendo em conta que o PIB será de 199,4 mil milhões de euros em 2018. Como em qualquer previsão, pode acontecer que qualquer um desses valores não se verifique, o que alterará o valor absoluto da dívida em 2018.

Há ainda que considerar fatores extraordinários que poderão vir a acontecer, como uma capitalização semelhante à que foi feita na CGD (uma injeção de 3,9 mil milhões de euros, feita em duas fases, em 2016 e este ano). Nesse caso, não só o valor deste evento extraordinário irá ter impacto sobre o défice, como o Estado terá de recorrer ao mercado para se financiar, alterando o plano de financiamento já definido e aumentando ainda mais o valor absoluto da dívida pública.

Nestes cenários, o PIB até poderá evoluir de acordo com as projeções do Governo, mas, se o valor da dívida ficar acima do esperado, então o rácio da dívida sobre o PIB será superior ao que é antecipado (126,2% em 2017 e 123,5% em 2018).

Teoricamente, ainda é possível que a evolução da economia possa superar de tal forma as expectativas que as receitas com impostos e segurança social reduzam as necessidades de financiamento do Estado e, consequentemente, a necessidade de emitir dívida para financiar o défice.

Há um fator adicional a ter em conta, que tradicionalmente não tem grande impacto sobre estas contas, mas que, ainda assim, importa salientar: as obrigações para o retalho, às quais o Estado não impõe travões. O investimento total em Certificados de Aforro estava, em setembro, nos 12.087 milhões de euros, o valor mais baixo desde novembro de 2014. Já o investimento em Certificados do Tesouro estava nos 14.305 milhões de euros, o que corresponde a um novo máximo histórico.

É pouco provável que a aposta dos portugueses neste tipo de produto venha a aumentar significativamente nos próximos tempos, até porque o Governo decidiu lançar uma nova linha de Certificados do Tesouro com uma remuneração mais baixa do que a que era oferecida até agora. Mas há sempre que considerar a hipótese de o investimento nestes produtos aumentar exponencialmente, o que significaria que o Estado estaria a emitir mais dívida além daquela que levanta no mercado. Também pode acontecer o contrário: o investimento nestes produtos reduz-se significativamente e, assim, a emissão de dívida também cai.

Contudo, tendo apenas por base as projeções do Governo, e tomando-as como certas, a única conclusão a que se chega é que a dívida pública em valor absoluto vai aumentar este ano, em relação a 2016, e vai também aumentar no próximo ano, em relação a 2017.

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