O regime agrícola incendiário
A principal causa dos incêndios mortais que começam a ser comuns em Portugal é o regime agrícola em que o norte e centro do país vivem há mais de 50 anos.
Trata-se de um regime que resulta da falência do minifúndio e da fuga das populações do mundo rural que lhe sucedeu, e que permanece. É um regime de vazio, de abandono, e isso faz dele um regime incendiário.
Ao longo dos séculos a sobrevivência era assegurada pela agricultura de subsistência e a utilidade de cada pedaço de terra era máxima porque do seu cultivo dependia a alimentação. Por isso até os locais mais inóspitos e inacessíveis eram cultivados. E por isso não havia incêndios como hoje, porque onde há agricultura normalmente não há incêndios.
Este modelo agrícola, que é responsável pela sedentarização desde o Neolítico, entrou em colapso na segunda metade do século XX. As pessoas passaram a ter acesso à riqueza por outras vias menos penosas que o trabalho agrícola, e isso provocou a emigração generalizada dos campos, primeiro para o estrangeiro e depois para o litoral do país. Atualmente, nessas regiões, já ninguém necessita de cultivar os campos para sobreviver e isso conduziu ao abandono do meio rural.
No norte e centro do país, onde predomina o minifúndio, a exploração agrícola não é rentável, porque os custos unitários de exploração de pequenas parcelas de terra são muito mais elevados e tornam impossível a competição com explorações intensivas, do sul do país e da Europa, onde as economias de escala tornam os custos de exploração muito mais baixos.
A agricultura do minifúndio faliu há mais de 50 anos em Portugal. Onde antes se lavrava e semeava a terra, cresce agora vegetação intensa e selvagem, que no verão se torna um combustível tão inflamável como o petróleo. E o abandono da pastorícia eliminou o único e milenar fator eficiente de limpeza das matas. À medida que os anos passam e o estado de abandono continua, a expansão e densificação da floresta desordenada torna os incêndios cada vez mais violentos.
Essa floresta invadiu os terrenos adjacentes às povoações e mesmo no seu interior, anteriormente os mais cultivadas ou utilizados nas pastagens. Essa invasão traz os incêndios para o interior das povoações e por isso passaram a ser mais mortais. E como a desertificação é um processo que continua, os efeitos mortais dos incêndios tenderão a intensificar-se.
Não é o minifúndio que é incendiário, mas o regime posterior à sua falência em que vivemos há meio século, que resulta da nossa incompetência ou falta de vontade para criarmos um novo regime agrícola. Este pântano matou a agricultura no norte e centro do país, matou a economia dessas regiões e está agora a matar as poucas pessoas que ainda lá vivem.
Se não operarmos sobre as causas, devemos estar conscientes de que estes incêndios se repetirão, e outros desastres naturais ocorrerão provavelmente, como inundações e cheias, provocados pela falta de limpeza dos cursos de água e pelo crescimento da floresta para os respetivos leitos de cheia.
Seria interessante avaliarmos por que motivo passaram 50 anos sem que nada de relevante tivesse sido feito. Essa inação é responsável pela morte de 110 portugueses nos incêndios deste ano, e será ela que matará outros no futuro se nada continuar a ser feito.
Este problema tem solução, e ela depende só de nós. E o tempo já passado e as perdas sofridas permitem agora que essa solução seja vantajosa para todos.
A solução é a realização de uma profunda reforma agrícola na zona do minifúndio, que acabe com este ciclo de destruição de meio século.
Essa reforma nunca poderá ser feita sem o respeito pelas pessoas e pela propriedade, mas só é viável se dela resultar uma economia agrícola rentável e competitiva. Isso só é possível com unidades de exploração de grande dimensão, assentes em meios tecnológicos e com métodos de gestão profissionalizados, cuja constituição devemos incentivar.
O fracasso das tentativas de emparcelamento não legitima que desistamos.
Precisamos de dar condições aos proprietários para entregarem a exploração das suas terras àquelas empresas, mediante o pagamento de uma renda ou da distribuição dos respetivos lucros. Essa entrega deve ser economicamente vantajosa para os proprietários e deve respeitar sempre o direito de propriedade.
Para isso é indispensável a implementação de uma profunda reforma da fiscalidade agrícola. Necessitamos de criar um regime de incentivos fiscais às explorações agrícolas que atraia para essas zonas do país empresas e fundos de investimento com essa capacidade, bem como jovens empreendedores, isentando-os do pagamento de IRS e de IRC durante 20 anos e conferindo incentivos fiscais ao investimento neste domínio.
E de isentar também todos os rendimentos que os proprietários recebam do arrendamento ou da participação nos lucros da exploração agrícola das suas terras distribuídos por aquelas empresas e fundos, bem como da alienação da propriedade da terra ou dos títulos que a representem
Devemos também penalizar o abandono agrícola, aplicando o IMI sobre os prédios rústicos que tendo potencial agrícola não sejam explorados (como defendemos no nosso artigo publicado aqui no ECO em 13/9 com o título “Incêndios e Abandono Fiscal”). Pelo contrário, devemos devolver o IMI aos proprietários que entreguem os seus prédios para exploração ou que os queiram cultivar diretamente.
O Estado e os municípios devem participar neste esforço, entregando a empresas e fundos de investimento de exploração agrícola, silvícola e pecuária os terrenos de que são proprietários.
Todos os terrenos do Estado e de entidades públicas que tenham potencial florestal devem ser objeto de um programa nacional de florestação com plantas autóctones, e a sua exploração concessionada a empresas especializadas. Devem também ser disponibilizados para pastagens aqueles que possuam esse potencial.
Devemos ainda criar um regime que penalize efetivamente a falta de limpeza das matas atribuindo competências às associações de bombeiros, apara além da GNR, bem como a associações de agricultores, para a aplicação de coimas e para a limpeza coerciva.
Mas o país precisa também de uma estratégia nacional de dignificação da atividade agrícola, da pecuária, da pastorícia e da floresta, onde já fomos competitivos e temos condições únicas para voltar a ser. Esse deveria ser um verdadeiro desígnio nacional. Um desígnio que tornasse possível aos jovens dizerem com orgulho que são empresários agrícolas e aos autarcas dizerem que a sua aposta estratégica é na agricultura, porque é nela que os municípios do interior norte e centro serão seguramente mais competitivos, e porque é dela que vem o resto.
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