O sexo e as cidades: uma visão regional das disparidades salariais

Qual a pior região do país para ser mulher? Onde é que a desigualdade é maior? Carlos Guimarães Pinto, professor da Universidade Católica de Lisboa, responde a estas questões.

O Luis Aguiar-Conraria apresentou no Observador um conjunto de dados interessantes sobre a diferença salarial entre homens e mulheres em Portugal, que fazem parte de um trabalho em co-autoria com a Windy Noro e o Miguel Portela. As conclusões são claras: em Portugal, as mulheres ganham menos que os homens, a diferença é ainda maior se considerarmos o seu nível de instrução, mas bastante menor se controlarmos para as profissões que escolhem. Estando a trabalhar na mesma base de dados, decidi ir um pouco mais longe e tentar perceber se esta desigualdade é igual em todo o país ou varia de região para região. Qual a pior região do país para ser mulher? Onde é que a desigualdade é maior?

Os autores gentilmente cederam-me todos os elementos para permitir replicar a sua análise. Optei por expandir a análise a empresas com menos de 100 trabalhadores (mas mais de 10) de forma a aumentar a amostra, e controlar também para o sector de atividade para garantir que a especialização sectorial das diferentes regiões não afectava as conclusões que verão abaixo. Apesar da maior dimensão da amostra, os resultados ao nível nacional mantiveram-se sensivelmente os mesmos. Tudo contabilizado, podemos dizer que em média uma mulher a trabalhar por conta de outrem em Portugal pode esperar ganhar menos 11% do que um homem com a mesma idade, as mesmas habilitações literárias, a trabalhar no mesmo sector e com a mesma profissão.

Controlando para todos os factores mencionados acima, fui ver as diferenças salariais entre trabalhadores de diferentes sexos a trabalhar em diferentes regiões. Os resultados estão em baixo e o ponto de referência usado é o salário de uma mulher na região Norte:

Uma mulher a trabalhar no Norte está numa posição muito pouco invejável. Ganhará em média menos do que qualquer homem em qualquer ponto do país, mas também menos do que a maioria das mulheres, com exceção das que trabalham no Alentejo e na Região Centro. Pelo contrário, uma mulher que trabalhe em Lisboa consegue quebrar, em parte, o espectro da discriminação salarial já que espera ganhar mais do que metade de toda a população trabalhadora masculina do país com as mesmas características.

Curiosamente, a diferença salarial de uma mulher no Norte em relação a um homem com as mesmas características (9,3%) é ligeiramente inferior do que em relação a uma mulher que trabalhe na Área Metropolitana de Lisboa (9,9%). Para uma mulher a trabalhar no Norte do país, a região onde vive tem um efeito mais negativo no seu salário do que o sexo com que nasceu.

No entanto, apesar dos recentes progressos na medicina e no sistema jurídico, continua a ser mais fácil, e conveniente, mudar de região de residência do que de sexo. Por isso é natural que uma mulher do Norte que queira melhorar as suas condições financeiras acabe por se mudar para Lisboa. Lá chegada verá a diferença salarial em relação aos seus ex-colegas do sexo masculino completamente eliminada. Até ganhará ligeiramente mais em Lisboa do que os seus ex-colegas com a mesma profissão idade e habilitações literárias ganham no Norte.

Mas a satisfação por igualar o salário dos homens da sua antiga região será rapidamente ultrapassada ao verificar que a diferença salarial em relação aos seus novos conterrâneos aumentou. É verdade: como podem ver no gráfico abaixo, a desigualdade salarial entre homens e mulheres é maior na Área Metropolitana de Lisboa do que em boa parte do resto do país. Só no Alentejo e no Centro é que a desigualdade é superior.

Isto é surpreendente a dois níveis. Primeiro porque é na A. M. de Lisboa que estão implantadas algumas das empresas mais produtivas do país. Assumindo que a discriminação de género é uma forma ineficiente de gerir recursos, seria de esperar que a desigualdade salarial fosse menor em áreas com empresas mais eficientes.

Por outro lado, é uma região fortemente urbana, centrada na capital do país, que se espera mais cosmopolita e progressista, e onde haja menos espaço para discriminação salarial baseado no sexo. Mas não é esse o caso: a desigualdade salarial na Área Metropolitana de Lisboa está acima da média do país. Mais surpreendentemente ainda é o que acontece quando restringimos a análise apenas a trabalhadores com o curso superior:

Quando olhamos apenas para trabalhadores com curso superior, a Área Metropolitana de Lisboa é mesmo a zona do país com a maior desigualdade salarial entre homens e mulheres. Restam-nos então três hipóteses: ou a região de Lisboa não é tão progressista e cosmopolita na prática como se pressupõe que seja; ou Lisboa é efetivamente progressista e cosmopolita e as diferenças salariais entre homens e mulheres resultam de outros factores que não a discriminação de género; ou a discriminação de género é maior no tipo de empregos que se concentram em Lisboa. Qualquer que seja a realidade, deve-nos fazer pensar.

As assimetrias salariais em Portugal não justificadas pelo idade, habilitações literárias ou escolha de profissão são multidimensionais e não se restringem ao sexo do trabalhador. Uma mulher do Norte do país tem tantas razões para se sentir discriminada em relação aos seus colegas do sexo masculino como em relação a outra mulher que trabalhe em Lisboa. Pode-se argumentar aqui, claro, que as desigualdades regionais se devem ao custo de vida nas diferentes regiões, mas é mais provável que o nexo de causalidade seja o oposto: o custo de vida é que segue as diferenças salariais. Para além disso, se não houvesse outros factores geradores de desigualdade regional (como a excessiva centralização dos serviços públicos), as empresas teriam todos os incentivos a mudarem-se para regiões com custo de vida mais baixo o que, a prazo igualaria os salários. Mas não o fazem, como os números acima demonstram.

Somadas, as diferenças salariais resultantes do género e da região de residência podem gerar uma desigualdade salarial entre pessoas com as mesmas características de até 25% (a desigualdade salarial esperada entre um homem a trabalhar em Lisboa e uma mulher a trabalhar na região centro). As razões para as desigualdades salariais entre regiões e sexos são substancialmente diferentes, e também não podemos esquecer que o sexo é uma característica bem mais difícil de mudar do que a região de residência. No entanto, não há como negar que ambas as desigualdades existem, têm magnitudes semelhantes e não podem ser ignoradas. Até porque, quem sabe, talvez numa investigação mais aprofundada no futuro se conclua que elas estão de alguma forma ligadas.

Carlos Guimarães Pinto é doutorando em Economia, investigador na Universidade do Porto, e professor assistente convidado na Universidade Católica de Lisboa e National Economics University de Hanoi.

Nota: Por opção própria, o autor não escreve segundo o novo acordo ortográfico.

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