Bruxelas diz que Função Pública vai custar mais 385 milhões do que Centeno prevê no Orçamento
A Comissão Europeia estima mais 385 milhões de euros nas despesas com pessoal do que o Governo. Além disso, avisa que são precisas mais medidas.
A Comissão Europeia defende que o Governo está a subestimar os custos com os salários da Função Pública no próximo ano. Os peritos de Bruxelas antecipam uma despesa de mais 385 milhões de euros do que aquela que está a ser assumida pelo ministro das Finanças português, Mário Centeno, no Orçamento do Estado. E isto sem contar com potenciais encargos adicionais decorrentes das negociações abertas com os professores, a propósito do descongelamento das carreiras.
Mesmo depois da troca de correspondência com o Governo português, a Comissão Europeia continua convencida de que Mário Centeno vai falhar tanto as metas orçamentais que definiu, como as regras impostas pelo Pacto de Estabilidade e Crescimento. O documento de trabalho dos peritos de Bruxelas, publicado esta quarta-feira, recorda que as projeções de outono da Comissão apontam para um défice de 1,4% do PIB em 2018, 0,4 pontos percentuais acima da meta que está inscrita na proposta de Orçamento do Estado que esta semana está a ser votada na especialidade, na Assembleia da República.
Como se justifica esta diferença? “A diferença resulta de pressupostos mais conservadores quanto à evolução de alguns itens da receita e a pressões de alguns itens da despesa”, lê-se no documento. Traduzindo: a Comissão espera que o Governo obtenha menos receita do que a inscrita no OE2018 com algumas das medidas, e que haja maiores despesas do que as assumidas.
Do lado da despesa, a Comissão antecipa mais 0,3% do PIB do que o Executivo português, por dois motivos: salários dos funcionários públicos e transferências sociais. “Do lado da despesa, são esperados mais gastos, que somam 0,3% do PIB, em particular pelos encargos com pessoal (0,2% do PIB, baseados no histórico do aumento do emprego público em 2016 e 2017, ao contrário das reduções planeadas), e pelas transferências sociais (0,1% do PIB, baseado no histórico de 2016 e 2017),” lê-se no documento.
Feitas as contas, o desvio que a Comissão identifica atinge quase 580 milhões de euros: 385 milhões por conta dos encargos com pessoal e 193 milhões de euros pelas transferências sociais. Estes números não têm em conta o resultado das votações das propostas de alteração ao OE2018 (que decorrem até ao final desta semana no Parlamento), nem potenciais encargos resultantes das negociações com os sindicatos dos professores. Os sindicatos exigem o reconhecimento do tempo de serviço decorrido durante o período de congelamento das carreiras — uma reivindicação que sobe a fatura dos gastos com pessoal.
Apesar de o Governo ter assinado um acordo de entendimento com os sindicatos para negociar, o primeiro-ministro António Costa avisou esta terça-feira que “é preciso que todos tenham a noção de que é impossível refazer a história”. As declarações surgiram depois de o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, ter avisado que “a crise deixou marcas profundas” e que “é uma ilusão” esperar o regresso ao ponto pré-crise.
Mas as divergências entre os números da Comissão e os do Governo não se ficam pelas despesas. Do lado da receita, a diferença está na projeção da coleta conseguida com os impostos indiretos: a Comissão espera menos 0,1% do PIB do que o Governo, sustentada, uma vez mais, numa avaliação mais conservadora das elasticidades históricas verificadas entre a receita fiscal e o consumo privado. O próximo gráfico mostra as principais diferenças de avaliação entre o Governo e Bruxelas.
O ajustamento orçamental aos olhos do Governo e da Comissão
Fonte: Documento de trabalho da Comissão: análise do projeto de plano orçamental de Portugal
Governo precisa de quase 600 milhões de euros de medidas adicionais
Foram estas diferenças de avaliação do ajustamento orçamental por parte do Executivo e da Comissão que conduziram à formalização do aviso que já tinha sido feito, por carta, a Portugal. É que a diferença do valor esperado para o défice orçamental global repercute-se também no ajustamento estrutural previsto. Da mesma forma que a Comissão acha que o défice global vai furar a meta por 0,4 pontos percentuais, estima também que em termos estruturais (descontando o impacto das medidas temporárias e do ciclo económico) o défice será superior em 0,4 pontos ao prometido pelo Governo.
O desvio face às metas aos olhos do Governo e da Comissão
Fonte: Documento de trabalho da Comissão: análise do projeto de plano orçamental de Portugal
Neste momento, pela avaliação de Bruxelas, o Governo desvia-se significativamente das metas tanto na avaliação anual, como na avaliação feita à média de dois anos (2017 e 2018). No caso da avaliação anual, falha o objetivo de ajustamento estrutural em 2018 por 0,6 pontos. Na média dos dois anos, falha por 0,5 pontos. Para que os desvios deixem de ser significativos, não podem superar 0,5 pontos em termos anuais, nem os 0,25 pontos na média de dois anos.
Ora, para cumprir estes critérios o Governo tem de melhorar o ajustamento de 2018 em 0,3 pontos percentuais do PIB, assumindo que já não terá tempo para intervir na execução de 2017. Contas feitas, implica melhorar o saldo estrutural através de medidas adicionais na ordem dos 578 milhões de euros.
Esta quarta-feira, o comissário para os Assuntos Económicos e Financeiros Pierre Moscovici avisou que o país corre o risco de desvio significativo face aos compromissos assumidos no âmbito do Pacto de Estabilidade e Crescimento e sublinhou que os países “estão fora da crise”, mas “não poderão repetir” o que os conduziu àquela situação.
No documento de trabalho, os peritos reconhecem que a Comissão se tinha comprometido a aplicar uma margem de flexibilidade na avaliação do esforço de ajustamento orçamental português. A ideia passava por reconhecer que o objetivo de redução do défice não deve colocar em risco a retoma económica. Mas acontece que Bruxelas considera que a recuperação da economia portuguesa “não é frágil” e que por isso não se justificam desvios face às metas que decorrem das regras comunitárias. Aliás, os peritos aproveitam para validar o cenário macroeconómico utilizado pelo Governo na proposta de OE2018, considerando-o plausível. Da mesma forma, também reconhecem que as projeções para a evolução dos encargos com a dívida pública vão ao encontro das suas estimativas.
Assim sendo, “a Comissão convida as autoridades [portuguesas] a tomar as medidas necessárias no âmbito do processo orçamental nacional para assegurar que o Orçamento para 2018 cumprirá o Pacto de Estabilidade e Crescimento”.
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