Muitas empresas nunca ouviram falar do Capitalizar
Empresários querem ver refletidas no OE as medidas aprovadas pela Estrutura de Missão para a Capitalização das Empresas. E defendem maior divulgação junto das empresas mais descapitalizadas.
A grande maioria das empresas portuguesas precisam de se capitalizar. O consenso à volta do tema é evidente, daí que o programa Capitalizar lançado pelo Governo em 2016 — um programa estratégico de apoio à capitalização das empresas à retoma do investimento e ao relançamento da economia, com o objetivo de promover estruturas financeiras mais equilibradas, reduzindo os passivos das empresas que sejam viáveis do ponto de vista económico, embora com níveis de endividamento elevado — tenha o aval dos empresários. Mas com algumas reticências. Na teoria, dizem, o programa é excelente. Mas na prática, estão ainda por ver os resultados e é preciso fazer refletir no Orçamento do Estado as medidas aprovadas pela Estrutura de Missão para a Capitalização das Empresas (EMCE).
Os empresários e associações contactadas pelo ECO, apontam o dedo à falta de divulgação e de sensibilidade do Governo para o tema, sobretudo para fazer chegar a mensagem do Capitalizar às empresas que estão mais carentes de capital e com autonomia de financiamento abaixo da zona de conforto.
“Temo que o Capitalizar esteja a falhar pela divulgação e sensibilização, uma vez que muitas vezes as mensagens não chegam às empresas, que precisam de ser sensibilizadas de modo a não olharem para estes mecanismos como uma intromissão externa”, diz ao ECO, José Manuel Fernandes, presidente da Frezite.
Temo que o capitalizar esteja a falhar pela divulgação e sensibilização, uma vez que muitas vezes as mensagens não chegam às empresas.
Opinião semelhante tem Paulo Vaz, diretor-geral da Associação Têxtil e Vestuário de Portugal (ATP). “Espero que as medidas, que foram muito bem concebidas, sejam agora bem aplicadas. Mas para isso é preciso que haja também uma maior divulgação junto das empresas, sobretudo das que estão mais descapitalizadas”.
Paulo Vaz refere mesmo que, eventualmente, “seria necessário um veículo de comunicação mais presente que monitorize o próprio programa, nomeadamente fazendo a comunicação do que está implantado e como está”. No fundo, a unidade de missão deveria ter o seu próprio gabinete de modo a permitir fazer essa ligação com as entidades. Paulo Vaz sugere mesmo que esse era um papel que poderia ser assumido pelo IAPMEI, que está muito próximo das empresas.
Do têxtil à metalomecânica, as opiniões convergem. Rafael Campos Pereira, vice-presidente da AIMMAP admite que as “associações e as organizações estatais devem ter aqui um papel crucial”. A AIMMAP e a CIP, adianta, têm procurado sensibilizar as empresas para a necessidade de reforçar os capitais próprios. “Admito que também deve ser feito um “investimento” na divulgação do programa Capitalizar”, refere o vice-presidente do setor nacional campeão das exportações.
Mas se a falta de divulgação reúne consensos, a parte teórica do programa é também elogiada por todos. O patrão da Frezite, que faz questão de realçar que a sua empresa não é um dos alvo do Capitalizar, adianta que “o programa foi muito bem elaborado, e com um grande cunho por parte de José António Barros, um homem com grande sensibilidade da economia real”.
Paulo Vaz é ainda mais efusivo nos elogios ao Capitalizar. “Muitas das medidas que foram concebidas, foram obtidas em conjunto com a ATP e posso dizer que são das melhores medidas deste Governo, na medida em que é feito o saneamento do sistema financeiro”.
.Seria necessário um veículo de comunicação mais presente que monitorize o próprio programa, nomeadamente fazendo a comunicação do que está implantado e como está.
Na mesma linha, Rafael Campos Pereira diz que “o programa é uma iniciativa muito importante”, tendo em conta a necessidades das empresas “investirem/reforçarem” os capitais próprios, mas refere que “as medidas que foram aprovadas em Conselho de Ministros, a 8 de junho, e que constam na resolução nº81/2017, não são refletidas na lei do OE”.
Esta queixa dos empresários não é nova. António Saraiva, presidente da Confederação Empresarial de Portugal (CIP) escreveu mesmo uma carta aberta ao primeiro-ministro reivindicando a inclusão do “alargamento do regime de remuneração convencional do capital social a aumentos de capital social com recurso aos lucros gerados no próprio exercício”, bem como o alargamento ao IRC “do incentivo aos sócios que façam entradas de capital para sociedades que já tenham perdido metade do seu capital social”.
Na mesma missiva, Saraiva referia ainda que não admitia que as medidas do programa Capitalizar anteriormente aprovadas em Conselho de Ministros não constassem no Orçamento do Estado para 2018.
Alterações fiscais
O baixo nível de capitais próprios das empresas, em comparação com as congéneres europeias, torna as empresas nacionais extremamente vulneráveis em épocas de crise. Nessa altura, o sobre-endividamento tornou-se ainda mais evidente e levou mesmo à insolvência de muitas dessas empresas. Outras sobreviveram, mas muito descapitalizadas. E é a pensar nestas empresas que precisam de se capitalizar que a EMCE elaborou o caderno de encargos do Capitalizar, tendo esta matéria sugerido alterações fiscais.
As medidas que foram aprovadas em Conselho de Ministros, de 8 de junho, e que constam na resolução nº81/2017, não são refletidas na lei do OE.
Como lembra, Pedro Siza Vieira, o super-ministro que fez parte da Comissão da EMCE, num artigo publicado no ECO, “o sistema fiscal permite que os juros da dívida sejam dedutíveis ao lucro tributável das empresas, apesar de a dedutibilidade já ter sido limitada, a verdade é que ela corresponde a um subsídio de Estado ao endividamento das empresas, o que teve efeitos perversos, encorajando as empresas a recorrer extensamente ao crédito”. Nesse sentido, prossegue o ministro: “A EMCE propôs que o OE/2017, e a proposta de Orçamento para 2018, beneficiem o financiamento das empresas através do aumento dos seus capitais próprios”.
Por outras palavras, as sociedades podem agora deduzir ao lucro tributável um valor correspondente a 7% do aumento de capital mediante entradas em dinheiro ou conversão de créditos, até ao montante de dois milhões de euros, ao longo de seis exercícios.
Paralelamente, é oferecido aos acionistas, que reforcem os capitais próprios da empresa, a recuperação de parte desse montante por abatimento ao imposto que teria de suportar relativamente aos dividendos que venham a ser distribuídos. Permitindo-se ainda a dedução ao IRC dos lucros que as empresas apliquem no aumento do capital social, criando um incentivo à não distribuição de resultados.
Jorge Armindo, presidente da Amorim Turismo aplaude esta medida: “O sócio que ponha capital na empresa acaba por retirar daí um benefício fiscal e isto é muito importante num tecido empresarial como o português, onde predominam as PME e onde existem ainda muitas empresas a precisar de reforçar os seus capitais”.
De resto, Manuel Tarré, presidente da Gelpeixe, em entrevista ao ECO já tinha referido que “as empresas que não têm endividamento junto da banca, que têm os seus capitais próprios reforçados, que dão passos de uma forma consistente e muito preocupados em amanhã não estarem piores do que hoje deveriam ser premiadas”.
O sócio que ponha capital na empresa acaba por retirar daí um benefício fiscal e isto é muito importante num tecido empresarial como o português, onde predominam as PME e onde existem ainda muitas empresas a precisar de reforçar os seus capitais.
Mas as medidas fiscais não são as únicas a fazer parte do Programa. A introdução ao regime dos vistos “Gold” para atrair investimento empresarial estrangeiro, até à criação de instrumentos que permitam antecipar a reestruturação das empresas economicamente viáveis, mas em dificuldades, constam também no Capitalizar.
Já em vigor, como refere Paulo Vaz, está a introdução da isenção do IVA alfandegário, que ajuda à tesouraria das empresas ao permitir que fiquem isentas deste imposto quando estão a desalfandegar produtos.
De referir que em junho, o ministro da Economia adiantava que o programa Capitalizar tinha mais de 80% de medidas implementadas.
Os cinco eixos do programa Capitalizar
- Simplificação administrativa e enquadramento sistémico
- Fiscalidade
- Restruturação empresarial
- Alavancagem de financiamento e investimento
- Dinamização do mercado de capitais
Medidas do Programa
- Capitalização e recapitalização de empresas
- Estímulo fiscal ao reforço do capital próprio
- Conceito de small mid cap e mid cap
- Reforço do capital próprio das PME
- Maior eficiência na gestão da tesouraria e do financiamento de médio e longo prazo das empresas
- Implementação da autoliquidação do IVA alfandegário
- Linha de crédito Capitalizar
- Reforço do investimento empresarial
- Revisão do regime de ARI (Visa Gold)
- Revisão do Regime fiscal de apoio ao investimento (RFAI)
- Melhores mecanismos de restruturação empresarial
- Mecanismo de early warnin
- Melhoria dos mecanismos judiciais existentes (Processo especial de revitalização e processo de insolvência)
- Criação de novos mecanismos extrajudiciais (regime extrajudicial de recuperação de empresas (RERE) e mediador de recuperação de empresas
- Intervenção no mercado de capitais
- Programa de capacitação de empresas para o mercado de capitais
- Certificados de dívida de curto prazo
- Sociedades de Investimento Mobiliário para Fomento da Economia
Medidas a implementar em 2018
- Reforçar os capitais próprios
- Incentivo fiscal ao reforço dos capitais próprios das empresas descapitalizadas
- Alargamento do regime de dedução por lucros retidos e reinvestidos
- Promover a renovação da gestão nas empresas em recuperação
- Facilitar negócios e a transação de empresas
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